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por Nelson Matta Colorado
Antes de entrar na casa, no bairro Castilla de Medellín, os agentes só sabia duas coisas: que possivelmente havia armas que seriam vendidos a gangues e guerrilheiros de Antioquia, e que o proprietário das mercadorias era um senhor da guerra misterioso conhecido pela alcunha de "Zeus".
Eles chegaram na madrugada de 22/06/2016 e foram recebidos por um ex-policial de pijama, que dormia na casa com sua esposa e sua filha. Ele ficou apavorado quando viu seus ex-colegas entrarem e, ao removerem um quadro da parede, encontrarem um cofre embutido que continha dois carregadores, 17 cartuchos de munição e peças de pistolas.
Em um esconderijo no chão, sob um ladrilho solto, eles acharam mais 298 cartuchos de calibres diferentes e sobre um beliche, uma caixa com 56 munições para fuzil 5.56. Na propriedade havia mais escaninhos nas paredes, mas estavam vazios.
Dois dias depois, um informante levou os investigadores a uma outra residência de Castilla, desocupada e com um estoque maior: três fuzis 7,62 com 18 carregadores, duas pistolas Glock e Beretta com nove carregadores, um revólver calibre 32, e 20 granadas de mão; além disso, 8.952 cartuchos para fuzil, 450 munições para pistola 9 milímetros e 50 para revólver calibre 38. Mais uma vez, as fontes insistiram que era tudo de "Zeus".
À DIJIN e à Procuradoria informações chegavam aos poucos sobre o personagem, mas nada que permitisse identificá-lo. Foi dito que adquiria armas em Villavicencio e as trazia para Medellín para alugá-las a mercenários ou vendê-las a quadrilhas, dissidências das FARC e a um contato do ELN apelidado de "Mauricio", que as receberia em Anori. A este, eram enviadas desmontadas, em maletas e caixas disfarçadas nos ônibus de transporte público.
Vulgo "Ramiro", chefe da dissidência da frente 18 das FARC, com um fuzil importado |
Na operação, um assustado jovem com 22 anos de idade foi preso e disse que o dono do lugar era seu pai, um homem que não estava na cidade. Assim, os agentes obtiveram a esquiva identidade de "Zeus": Joseph Alexander Pelaez Mejia, nascido em 15 de agosto de 1975 em La Virginia, Risaralda, com nacionalidade colombiana e venezuelana e cuja atividade oficial era a de restaurador de carros.
José Alexánder Peláez Mejía, vulgo Zeus. |
Em 17/2/2019, um alerta da Interpol foi disparado em Tegucigalpa, Honduras, onde um homem de 43 anos, com características semelhantes às do alvo, havia entrado irregularmente. Era "Zeus".
"Esse homem seria o principal fornecedor de armas destinadas às frentes do ELN e dissidentes das FARC que cometem crimes em Antioquia", disse o general Gonzalo Londoño , diretor do DIJIN.
Em 4 de março ele foi deportado e no aeroporto de Eldorado foi preso; no dia seguinte, na audiência de garantia, a Procuradoria o indiciou por tráfico de armas e munições. Peláez não aceitou a responsabilidade e o Primeiro Tribunal Penal Ambulante de Antioquia o mandou para a cadeia.
Fontes de aquisição
A história de "Zeus" é outro capítulo no mundo sombrio do tráfico de armas em Medellín e Antioquia. De acordo com o Sistema de Informação para a Segurança e Coexistência da Prefeitura, foram confiscadas na cidade, entre 2016 e 2018, 1.957 armas, ou seja, 1,7 por dia. E em 2019 (até 3 de março) eles confiscaram 148, ou 2,4 por dia, em uma capital onde 83 pessoas foram mortas a tiros.
Apesar dos volumes de apreensões, e uma média de 1,2 homicídios com esses dispositivos, as investigações contra esse flagelo são escassas. Isto foi reconhecido pelo general Eliécer Camacho, comandante da Polícia Metropolitana: "quando cheguei (ao cargo) não encontrei uma investigação direta do tráfico de armas. É um problema delicado, neste ano temos 180 armas apreendidas (em todo o Vale do Aburrá) e já não vemos nenhum trabuco ou artesanais, são todas originais".
El Colombiano acompanhou o andamento da situação na última década, e verificando com fontes judiciais e de Inteligência, conclui-se que atualmente a principal fonte de armas são os armeiros dos EUA, especialmente da Flórida. Os traficantes contratam pessoas com cidadania americana e nenhum registro criminal, que compram as armas em lojas autorizadas e as entregam à organização criminosa.
Os rifles e fuzis semi-automáticos, cujo uso na Colômbia é exclusividade da Força Pública, são vendidos nos EUA como artigos esportivos. O controle posterior à venda naquele país não é frequente, não há acompanhamento das armas adquiridas ou um limite máximo de compra, e muito menos quando a transação é por internet.
"Estamos mais focados no que entra no nosso país, como drogas, do que nas coisas que saem", disse um oficial de segurança* com sede em Miami, quando indagado por este jornal. Ele acrescentou que, "apesar do sentimento popular" as tentativas de restringir as armas são frustradas por causa da interpretação feita pelo Supremo Tribunal Federal sobre a Segunda Emenda; e pelo influente lobby da Rifle Association, que inclui contribuições milionárias para campanhas políticas.
Os artefatos são exportados de Miami e do México e, em menor escala, pela Venezuela e pelo Equador. A rota marítima às vezes faz uma parada no Panamá, ou vai diretamente para os portos de Barranquilla, Buenaventura e Turbo; ou por via aérea, em voo de carga para Bogotá.
As armas vêm desmontadas e escondidas em caixas de eletrodomésticos, equipamentos de ginástica e autopeças. Aqui eles são distribuídos como encomendas, em táxis, ônibus, caminhões para o transporte de resíduos biológicos e hospitalares ou com logotipos multinacionais.
"Sabemos que aqueles que recebem as armas alugam apartamentos em Medellín e os ocupam por dois meses, até que o pacote chegue. Às vezes eles usam parentes, que dão seu endereço para o envio; estes não abrem a caixa, então eles não sabem o que ela contém", disse um promotor*.
Em muitos casos, há uma troca de armas por cocaína, entre cartéis internacionais e facções locais, como o Clã do Golfo, "a Oficina", ELN e o Clã Isaza do Médio Magdalena. "Os traficantes atuam como agentes de comissão entre estrangeiros e colombianos, coletam quantidades de drogas que partem de 300 quilos e as exportam, e depois trazem o arsenal", completa o jurista.
Outra modalidade de abastecimento, especialmente de explosivos e munições, envolve batalhões e armazéns militares e policiais, no que é conhecido como o mercado cinza: quando a transação começa com a aquisição legal e por várias razões acaba nas mãos de um ator ilegal.
Há três exemplos recentes: a captura do patrulheiro Ferley Cardona, do SIJIN de Antioquia (22/2/17). Em uma busca numa casa do bairro El Volador, eles apreenderam dois revólveres, 11 granadas, 288 cartuchos de explosivos Indugel, quatro rolos de estopim e 3.700 detonadores. De acordo com o Ministério Público, esse Indugel fazia parte de um carregamento de 2,7 toneladas confiscadas em Segovia e supostamente destruídas pela Polícia. Aparentemente, os uniformizados conspiraram com outros para vender ao Clã do Golfo.
O segundo caso é o do Major Héctor Murillo, chefe do Modelo Quadrante da Polícia em Antioquia, preso em 25/11/17 e processado por corrupção. De acordo com o arquivo, ele trabalhava para o Clã do Golfo e uma de suas funções era obter armas e munição.
E o terceiro começou com uma queixa da 17ª Brigada do Exército, que em 12 de janeiro relatou que um fuzil e uma metralhadora desapareceram do Batalhão de Engenheiros localizado em Apartadó.
Claudia Carrasquilla, chefe da Diretoria de Promotores Contra o Crime Organizado, lembrou que "muitos líderes de organizações ilegais têm armas com permissão para porte, obtidas em diferentes Brigadas". Um deles é Sebastián Murillo ("Lindolfo"), um dos líderes da "Oficina", capturado em 2018.
Um investigador de polícia* afirma que "90% dos homicídios em Medellín são com munição fabricada por Indumil (Indústria Militar Colombiana), há um grande desvio de balas em depósitos dos órgãos de segurança".
Perfil de "empresários"
Perseguir os traficantes é complexo, segundo os investigadores, porque eles têm um perfil diferente do bandido convencional. Seu estilo é empresarial, eles não estão na folha de pagamento de grupos tradicionais e nunca sujam as mãos com a mercadoria. Eles não são doutrinados, então eles negociam com o maior lance e vendem para facções inimigas entre si.
Nessa descrição não só cabe "Zeus", também Elkin Gallego Yepes ("El Negro"), outro dos poucos traficantes descobertos em Aburrá. Ele liderou uma estrutura que conseguia armas para diferentes clãs e tinha depósitos em Medellín, Bello e Guarne, onde ele transportava as mercadorias em táxis.
Entre os fatos que conduziram à sua prisão, houve a captura de 10 revólveres em um táxi em Calazans (24/06/2015) e 400 cartuchos de 9 mm em outro "amarelo" (cor dos táxis na Colômbia) que circulava pelo bairro Alfonso Lopez (05/08/2015).
Fusil Barret capturado do ELN em Anorí |
"El Negro" e três comparsas, incluindo o superintendente César Augusto Aristizabal, vulgo "Peska", ligado à Direção da Polícia de Trânsito, foram presos em 2015 e condenados a penas entre 7 e 10 anos de prisão.
Apesar dos esforços, continuam a entrar novas armas na região, tais como as que foram encontradas em 11 de fevereiro em um cortiço em Bello, incluindo uma metralhadora M60, cinco fuzis, sete pistolas e carregadores alongados, que foram entregues por um desertor ELN.
Ricardo Abel Ayala, vulgo "Cabuyo". |
Esta mesma arma já havia sido vista na posse de Ricardo Ayala ("Cabuyo"), líder da dissidência da 36ª Frente, um esquadrão de foras da lei que atua no norte da Antioquia. Ele é um dos principais clientes dos senhores da guerra que, como "Zeus" e "El Negro", lucram com a violência em uma região acostumada a enterrar pessoas todos os dias.
* Identidades reservadas
Fonte: tradução livre de El Colombiano.com
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COMENTO: observando-se o método e a rota utilizada pelos traficantes de armas para a Colômbia e somando isto à recente apreensão de mais de uma centena de fuzis de um meliante e proprietário de uma lancha de grande porte me reforça a intuição de que os grandes fornecedores de armas para a criminalidade do Rio de Janeiro estão estabelecidos nos EUA e não no Paraguai como divulgam para despistar. É facílimo trazer um caixote com armas em um navio e comunicar ao traficante quando chegar no litoral brasileiro, para que este se desloque até o encontro em alto mar, em alguma embarcação "de luxo" e receba a carga. Depois, é só voltar a alguma marina de algum clube de luxo, e rebocar seu barco com a valiosa carga de volta para casa. Ou alguém fiscaliza as saídas e chegadas de iates nos grandes clubes??
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