por Daniel Armirola Ricaurte
Restam somente dois opositores em um Legislativo (Assembléia Nacional) de 92 Deputados na Nicarágua. O fato, que parece ter saído da obra "O Outono do Patriarca" onde Gabriel Garcia Márquez aborda a solidão do poder encarnada em um ditador, da uma mostra do que atualmente ocorre naquele país.
Daniel Ortega não se cansa de acumular controles sobre as Instituições que um povo tão golpeado historicamente como o nicaraguense vem tendo tanto trabalho para construir. No último 30 de julho, foi a vez do pouco que restava de democrático no Poder Legislativo.
Naquele dia, o Tribunal Eleitoral da Nicarágua despojou de seus assentos os 27 Deputados do Partido Liberal Independente (PLI), a principal força de oposição ao mandatário, e que estava sob controle do mais conhecido líder da oposição, Eduardo Montealegre.
Naquele dia, o Tribunal Eleitoral da Nicarágua despojou de seus assentos os 27 Deputados do Partido Liberal Independente (PLI), a principal força de oposição ao mandatário, e que estava sob controle do mais conhecido líder da oposição, Eduardo Montealegre.
Precisamente ante as próximas eleições presidenciais de novembro, a Corte Suprema — apontada como sob controle de Ortega, por decisões como a de 21 de outubro de 2009, a qual permitiu que ele se reelegesse, ao declarar inaplicável o artigo 147 da Constituição nicaraguense, que proíbe a reeleição contínua —, já havia afastado Montealegre da liderança do partido em 8 de junho.
Com aquela decisão, a justiça nicaraguense deixou a oposição sem um candidato para participar das eleições presidenciais. Mas isto não é tudo! Em 15 de junho, a mesma corte impediu outro líder opositor, Luis Callejas, de candidatar-se às eleições.
"Hoje, Daniel Ortega está fechando as portas da via eleitoral na Nicarágua. Hoje, ele roubou do povo seu direito de votar livremente, assim como, antes, roubou seu voto mediante fraudes eleitorais", expressou Montealegre, ante a reiterada perseguição.
¿Um salto para o passado?
Agora, com a decisão de 30 de julho do Tribunal Eleitoral, somente dois deputados opositores, do Partido Liberal Constitucionalista, permanecem a postos, ainda que certamente sua influência seja mínima.
Enquanto isso, Ortega começa a recordar aos nicaraguenses como age uma ditadura dinástica de direita, a da família Somoza. Nomeou a sua esposa, Rosario Murillo, como candidata a vice-presidente na chapa em que concorrerá à reeleição.
Desde os anos 30 e até finais dos anos 70, quando triunfou a "revolução sandinista", os ditadores do clã Somoza repartiam o poder entre seus familiares como se fosse um presente. Por ironias da história, um personagem de esquerda, filho da "revolução", agora se comporta como aquela tirania familiar.
Desde os anos 30 e até finais dos anos 70, quando triunfou a "revolução sandinista", os ditadores do clã Somoza repartiam o poder entre seus familiares como se fosse um presente. Por ironias da história, um personagem de esquerda, filho da "revolução", agora se comporta como aquela tirania familiar.
"Para os nicaraguenses, que crescemos sob a sombra de uma ditadura dinástica, batizada por meu pai como "a estirpe sangrenta dos Somoza", a nomeação da esposa de um governante autoritário como candidata a vice-presidente, tem a ressonância inevitável de um passado funesto. Com Daniel Ortega e Rosario Murillo, a roda da história está voltando a um ponto de partida que acreditávamos ter enterrado", escreve o jornalista Carlos Chamorro ao iniciar um artigo sobre a situação atual de sua nação, publicado no El País (Espanha)
Em entrevista ao El Colombiano, Cairo Manuel López, ex-presidente da Assembléia Nacional (1990-1997) e docente da Universidade Centroamericana, considerou que outra similitude com o passado nefasto do país poderia começar se ele continuar por esse caminho: o confronto.
"Se não ocorrer um processo democrático transparente nas próximas eleições, o ambiente seguirá se tensionando na Nicarágua. Mais ainda, dadas as previsões, a nação entraria em uma crise econômica em 2017. Algo que poderia afiançar a crise social que começa a apresentar-se atualmente", advertiu.
Desde há mais de dez anos, o próprio sandinismo já começava a mostrar suas reservas ante um Ortega que elimina todo indício de oposição. Apesar de proibidos, esses setores da esquerda mantém sua mobilização nas ruas e se esforçam para que Ortega não degenere o país a um cenário igual ao que já se viu com Somoza.
"Não há em quem votar, nem porque votar", disse na quinta-feira (4/8/16) durante uma marcha em Manágua, a ex guerrilheira Dora Maria Tellez, fundadora do Movimento Renovador Sandinista (MRS), que teve seu registro cancelado pela justiça eleitoral antes das eleições municipais de 2008.
"Não há em quem votar, nem porque votar", disse na quinta-feira (4/8/16) durante uma marcha em Manágua, a ex guerrilheira Dora Maria Tellez, fundadora do Movimento Renovador Sandinista (MRS), que teve seu registro cancelado pela justiça eleitoral antes das eleições municipais de 2008.
"Já não há um processo eleitoral, o que há é uma fraude que Daniel Ortega cometeu. Ele já nos roubou as eleições", acrescentou à EFE.
Sinal já visto na A.L.
O autoritarismo, a obsessão pelo poder, a acumulação de todas as prerrogativas em uma só pessoa, a perseguição aos opositores, entre outros comportamentos, são sinais que para Juan David Escobar, diretor do Centro de Pensamento Estratégico da Universidade EAFIT, estão se reiterando nos últimos anos na América Latina, em especial com governos do denominado "Socialismo do Século XXI".
"O que Ortega está fazendo com a Nicarágua era previsível por duas coisas: sua formação ideológica, em primeiro lugar. Suas ideias sobre gestão pública, obviamente, vem de uma corrente comunista, que vê a democracia como um adjetivo, ao invés de algo real. Por último, não surpreende isso de querer perpetuar-se no poder. É parte do script já visto nos casos de Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Evo Morales e Rafael Correa", argumentou.
"O que Ortega está fazendo com a Nicarágua era previsível por duas coisas: sua formação ideológica, em primeiro lugar. Suas ideias sobre gestão pública, obviamente, vem de uma corrente comunista, que vê a democracia como um adjetivo, ao invés de algo real. Por último, não surpreende isso de querer perpetuar-se no poder. É parte do script já visto nos casos de Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Evo Morales e Rafael Correa", argumentou.
"Creio que também há um elemento pessoal nesse autoritarismo que se vê na Nicarágua. Ortega deve ver a si mesmo como o salvador da nação. Se fosse somente uma pessoa que pensasse fazer uma boa gestão pública, teria desistido do poder depois do fracasso de seu primeiro governo (1985-1990), não só por ter destroçado o país com suas políticas, além de ter sido acusado por corrupção e de abuso sexual contra sua enteada", acrescentou.
"Porém, seu ego é tão grande que disse, depois de tudo isso 'o problema não é comigo, e inclusive eu sou a solução'", concluiu Escobar.
"Porém, seu ego é tão grande que disse, depois de tudo isso 'o problema não é comigo, e inclusive eu sou a solução'", concluiu Escobar.
A estratégia
¿Como Ortega subjugou os diversos setores para, gradualmente, acumular o poder que hoje ostenta em excesso e que já mostra tendências ditatoriais? Desde Manágua, Cairo López deu a resposta:
"Por um lado houve a falta de transparência do Conselho Supremo Eleitoral nas eleições anteriores (2012). E a Frente Sandinista havia cooptado o poder Judiciário em um acordo com o Partido Liberal Constitucionalista (PLC). De modo que pouco a pouco Ortega foi restringindo o quadro democrático na Nicarágua controlando os demais poderes do Estado".
"Porém se deve acrescentar a importância da sujeição da Polícia Nacional, a negociação com atores relevantes no país, como a Igreja Católica — o Cardeal Miguel Obando aparece em todos os atos políticos de Ortega —, e setores do empresariado privado. Estes últimos tem obtido altas posições em agências do Estado e estão substituindo o papel tradicional dos partidos".
"Porém se deve acrescentar a importância da sujeição da Polícia Nacional, a negociação com atores relevantes no país, como a Igreja Católica — o Cardeal Miguel Obando aparece em todos os atos políticos de Ortega —, e setores do empresariado privado. Estes últimos tem obtido altas posições em agências do Estado e estão substituindo o papel tradicional dos partidos".
Resposta internacional
¿Frente a esse comportamento ditatorial que mostra Ortega, pode a América Latina atuar em defesa dos valores democráticos? Especialistas não se poem de acordo.
Para Escobar, "uma reação internacional se torna muito difícil porque Nicarágua responderá que o povo pode votar e há Instituições. São temas sensíveis que ninguém quer tratar na região, portanto, haverá críticas mas não muito espaço para fazer pressão. A única opção é que, como na Guatemala, se forme um movimento cidadão que busque mudanças".
Para López, entretanto, "só o fato da mídia mundial informar sobre essa situação, significa que se poderá fazer maior pressão externa para que a Nicarágua retome o caminho democrático que havia adotado em 1990".
ORTEGA Desconfia do Sandinismo
— A candidatura da primeira dama, Rosario Murillo, à Vice presidência da Nicarágua por decisão de seu marido e candidato à reeleição, Daniel Ortega, é por “desconfiança” e “medo” a outros quadros do oficialismo, disse a EFE um ex deputado opositor. A postulação de Murillo, que exerce 50% do poder na Nicarágua, também por decisão de Ortega, criará também “grandes problemas internos no país. A dinastia volta a ressurgir com força”, declarou à EFE o dissidente sandinista Víctor Hugo Tinoco.
CONTEXTO DA NOTICIA
CRONOLOGIA - Ortega Degenera o Sandinismo
1961 — Carlos Fonseca, Santos López, Tomás Borge, Germán Pomares e Silvio Mayorga criam a Frente Sandinista de Libertação Nacional, seguidora do líder Augusto C. Sandino, o qual susteve uma guerra de guerrilhas contra a intervenção dos EUA e foi assassinado em 1934.
Janeiro de 1985, Ortega toma posse no seu
primeiro governo, marcado por escândalos.
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1979 — Após uma longa luta sustentada contra o Estado, a Frente Sandinista logrou derrotar a ditadura de Anastásio Somoza Debayle e a dinastia da família Somoza. Foi estabelecido um governo revolucionário e o sandinismo governou até o ano 1990, apesar das ações violentas dos “Contra”.
1990 — Depois de um governo marcado por escândalos de corrupção, Ortega entrega o cargo máximo à centro-direitista Violeta Chamorro após a derrota da Frente Sandinista nas eleições. Inicia uma era de governos de direita que terminará em 2006, enquanto o sandinismo enfrenta choques internos.
1990 — Depois de um governo marcado por escândalos de corrupção, Ortega entrega o cargo máximo à centro-direitista Violeta Chamorro após a derrota da Frente Sandinista nas eleições. Inicia uma era de governos de direita que terminará em 2006, enquanto o sandinismo enfrenta choques internos.
2007 — Na época das eleições de 4 Nov 2006, só restavam no seio da FSLN três dos nove comandantes da Direção Nacional dos tempos da revolução. Ortega havia exercido uma liderança impositiva que o levou de novo ao poder, porém não pretendia parar por aí.
Alguns dados:
Alguns dados:
62,4% da votação, foi o que obteve a Frente Sandinista de Ortega nas eleições de 2012.
425 milhões de dólares foi o que a Nicarágua pagou à Venezuela em 2015 por importar petróleo.
16 anos foi o tempo em que esteve Anastásio Somoza no poder, tempo que Ortega poderá superar.
25% foi a redução, no ano passado na exportação de alimentos da Nicarágua para a Venezuela.
Sete vezes Ortega postulou a Presidência: 1984, 1990, 1996, 2001, 2006, 2011 e 2016.
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