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Nesses dias em que a "importação" de médicos estrangeiros está na pauta de diversos formadores de opinião, destaco a reportagem de Zero Hora, como um contraponto às críticas contra a vinda dos estrangeiros. Não é que eu seja favorável à vinda de profissionais cuja habilitação — e mesmo idoneidade ideológica — não sejam confiáveis. Mas como escrevi, é um contraponto à opinião geral de que o interior do país é mal servido de profissionais de saúde só por ineficiência administrativa. Confesso que também pensava assim, ao ver e ler a respeito das aquisições de ambulâncias por Prefeituras, ao invés de investimentos em hospitais municipais. É um problema que exige soluções. E rápido!
Municípios fazem verdadeira ginástica legal para garantir a presença dos profissionais
A clínica-geral Andrea Serafini trabalha em Joia há 24 anos e recebeu, em abril, 65% acima do salário líquido da presidente Dilma Rousseff - Foto: Henrique Siqueira / Especial
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por Fernanda da Costa e Fernando Goettems
Uma espécie de leilão por médicos é o resultado da árdua tarefa de contratar profissionais para atender a população do Interior. Ganham os municípios que oferecerem a remuneração superior à dos vizinhos. A dificuldade em garantir profissionais ficou ainda mais exposta depois que o governo federal anunciou a intenção de trazer médicos estrangeiros para atuar na atenção básica e no Programa Saúde da Família.
Hoje, os médicos das cidades pequenas recebem quase o triplo do que os de grandes centros. E até o dobro do que os próprios prefeitos, o que exige uma verdadeira ginástica legal na hora da contratação — a Constituição Federal determina a remuneração dos prefeitos como o teto para pagamento dos servidores municipais.
Em Joia, município de 8,3 mil habitantes, a dificuldade em manter os altos salários afastou três dos quatro médicos, há cerca de um mês. Em janeiro, cada um deles recebeu R$ 27 mil. A remuneração é 170% superior ao salário dos clínicos-gerais contratados por Passo Fundo, com 184,8 mil moradores, para 40 horas.
— Tentamos negociar para diminuir os salários, mas eles optaram por outras cidades — relata a secretária de Saúde, Cleonice Mara Poletto da Silva.
Se mantivesse os três profissionais, a prefeitura desembolsaria em um único mês 27% do orçamento do município. Mesmo assim, o salário da única médica que continua na cidade é 26% superior aos R$ 11 mil pagos ao prefeito. A clínica-geral Andrea Sione Ferreira Serafini, 47 anos, adotou Joia há 24 anos.
Em abril, ela recebeu 65% acima do salário líquido da presidente Dilma Rousseff, que é de R$ 19,8 mil. Como é a única médica da cidade, viu a folha de pagamento saltar dos R$ 13,9 mil para R$ 32,8 mil, por conta dos 21 plantões. O prefeito José Roberto Zucolotto Moura (PSC) ainda oferece R$ 18 mil para médicos interessados em atuar na cidade. O contrato é realizado por credenciamento de empresas pelo Consórcio Intermunicipal de Saúde do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Cisa).
Vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers), Fernando Weber Matos não interpreta as remunerações do Interior como supersalários. Ele argumenta que os profissionais têm dedicação exclusiva. Segundo ele, nos grandes centros, as remunerações adicionais de plantões e consultas particulares garantem renda melhor. Auditor do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), Paulo Luiz Squeff Conceição admite que é comum ter pequenas cidades escolhendo entre deixar a população sem atendimento médico ou passar por cima da legislação. Ele explica que muitos prefeitos ganham em torno de R$ 5 mil e fica quase impossível contratar médicos por essa remuneração.
O assessor técnico da área da Saúde da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Leonildo José Mariani, reforça que o teto municipal dificulta a contratação por concurso:
— É por isso que vemos tantos concursos sem candidatos no Interior.
Por isso, os prefeitos têm de apelar para outras formas de contratação, como a terceirização. Na modalidade, os médicos não são servidores municipais, mas da empresa. O TCE, no entanto, só admite a medida para atendimentos de média e alta complexidade, e não de saúde básica. Com a terceirização, os prefeitos assumem o risco de terem irregularidade apontada pelo TCE.
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Remuneração motivou mudança para Centenário
Elaine Soares atende em Centenário, já conhece pelo nome os pacientes e ganha duas vezes o salário do prefeito. - Foto: Diogo Zanatta
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Elaine Fernandes Soares, 49 anos, desistiu de um contrato de 20 horas em Áurea, no Norte, por conta do salário. Ela optou por trocar a vaga como concursada por um contrato terceirizado em Centenário.
— Não é fácil arrumar um profissional para vir trabalhar aqui, pois nem acesso asfáltico temos. Ou você paga bem ou não tem ninguém para atender aos moradores — desabafa Wilson Carlos Lukaszewski (PP), prefeito do município de 2,9 mil habitantes.
Por isso, ele decidiu valorizar Elaine. A médica atuava como concursada por 20 horas e recebeu um contrato adicional de mais 30 horas, feito por meio de uma empresa terceirizada.
— Eu não quero fazer a coisa errada. Também não posso deixar o povo sem uma alternativa — acrescenta o prefeito.
Conforme a secretária de Saúde de Centenário, Simone Pereira Serafini, a contratação adicional foi a única forma para ampliar o horário de atendimento do posto de saúde, que passou a funcionar das 8h às 19h, sem fechar ao meio-dia. Antes, atendia até as 17h.
— Amo clínica-geral e, no Interior, recebi a valorização que esperava. Se eu trabalhasse em um grande centro, não ganharia o que recebo aqui — avalia Elaine, que conhece pelo nome a maioria dos pacientes.
Aos R$ 12 mil que ela recebe pelo trabalho terceirizado, juntam-se R$ 6 mil pelo contrato como concursada. O total é o dobro do que o prefeito recebe.
Auditor do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), Paulo Luiz Squeff Conceição explica que o tribunal conhece a dificuldade de contratação de médicos no Interior.
Confira trechos da entrevista:
Zero Hora — Como o TCE trata o teto do servidor municipal e a dificuldade na contratação de médicos no Interior?
Paulo Luiz Squeff Conceição — Esse problema do teto salarial para os médicos tem sido um drama permanente dos prefeitos. Há limitadores salariais que são invencíveis. Quando eles têm médicos, os profissionais estão ameaçando ir embora. A quantidade de prefeitos que nos procuram aqui, num tom de desespero, é muito grande. O tribunal tem sido sensível, porque se trata da área médica e as pessoas não podem ficar sem atendimento.
Zero Hora — A terceirização é a alternativa?
Paulo Luiz Squeff Conceição — Seria uma solução, mas enfrenta problemas, como a resistência de órgãos de controle. O Tribunal de Contas evoluiu no entendimento sobre o assunto e admite terceirizações para atendimentos de média e alta complexidade, feitas de acordo com a Lei de Licitações e a Constituição Federal. Mas isso não resolve o problema dos pequenos municípios, que precisam de médicos para saúde básica.
Fonte: Zero Hora
COMENTO: como escrevi no início, o problema é bem mais complexo do que aparenta. Passa até mesmo pela criação indiscriminada de municípios sem que os mesmos tenham as mínimas condições de sobrevivência. E nem se pode culpar os médicos de não terem espírito de solidariedade. Afinal, trabalhar nas condições apresentadas implica sujeitar-se à responsabilizações judiciais por problemas que possam ocorrer aos pacientes. Além do mais, dificilmente um recém formado poderá atender as necessidades que se apresentam pelo interior do país. E, além da graduação — longa e cara — e da coragem, há os custos de uma especialização mínima para enfrentar o desafio de clinicar em um município pequeno, cujo orçamento mensal é menor que os gastos mensais proporcionados por um deputado federal ou senador. Aceita-se sugestões!
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