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No dia 4 Fev, segunda-feira passada, foi divulgado um relatório escrito pelo presidente da Comissão Nacional da meia-Verdade, Claudio Fonteles a respeito do desaparecimento do deputado Rubens Paiva.
Paiva foi preso em casa, no dia 20 Jan 71, por soldados da Aeronáutica. Desde então, está desaparecido. A versão oficial é a de que ele teria desaparecido em uma suposta operação de resgate organizada por militantes de esquerda.
No relatório, o ex-procurador-geral da República acredita apresentar subsídios suficientes para desacreditar o que chama de "mirabolante farsa" produzida pelo "Estado Ditatorial Militar".
A assertiva é feita partir de um suposto "informe" do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) e de uma relação de materiais pertencentes ao deputado, que foi encontrada com outros documentos, curiosamente, na residência do coronel reformado Julio Miguel Molina Dias, assassinado em Porto Alegre em 1º Set 12.
Digo curiosamente por que o militar foi morto na rua mas, contrariando a prática, foi feita uma "busca" de indícios dentro de sua casa. Tal busca deveria ter sido feita pelo delegado chefe da investigação, seus assistentes imediatos e peritos do IGP (Instituto-Geral de Perícias). O isolamento do local deveria ter sido feito pela Brigada Militar e ninguém mais deveria ter acesso ao mesmo, a não ser depois do trabalho legal ser encerrado. Na ampla divulgação que a imprensa fez sobre a ação policial na casa do coronel, nem brigadianos nem peritos são citados. Por isso, não se sabe onde estavam exatamente, os documentos, se num cofre, se numa pasta preta, se numa prateleira, se numa gaveta chaveada, se no armário da cozinha, se em meio a um álbum de recordações. Nada disso está definido. Mas ficou claro que um repórter, possivelmente convidado especial folheou os documentos, junto com o delegado, sem a presença de peritos. Reforçando o ineditismo da "busca" em que foram encontrados os documentos comprometedores, cerca de vinte armas existentes no imóvel não foram confiscadas, tendo a "apreensão" se limitado aos documentos. Posteriormente, o Exército realizou o recolhimento das armas e dois policiais-militares foram presos, acusados pela morte atribuída a um assalto mal sucedido - e não se falou mais no assunto.
Dos documentos recolhidos na casa do militar assassinado, o destaque maior - e por que não dizer único - foi dado a uma relação de pertences do político desaparecido, que "registra ter sido encaminhado pelo QG-3, equipe CISAer, aos 21 de janeiro de 1971, Rubens Beyrodt Paiva". Até aí, nada de novo, aparentemente ninguém nega a prisão feita no dia 20/01/71 pela Aeronáutica e a "transferência" do preso para o Exército no dia seguinte.
A principal alegação de Claudio Fonteles para desacreditar a versão oficial sobre Rubens Paiva é o documento identificado como "Informe 70 do SNI", com data de 25 Jan 71, supostamente transcrito nas páginas 1 e 2 do relatório. Não se pode afirmar com certeza sobre o texto do "informe" pois uma cópia da relação de bens pessoais de Rubens Paiva é mostrada na página da CNV, mas o tal "Informe 70" não é mostrado. Porém, consta que ele é datado de 25/1/71 e trata sobre a prisão de Rubens Paiva no dia 20/1/71, e que "nada diz sobre a fuga/seqüestro de Paiva, que teria ocorrido em 22 de janeiro".
Ora, se o assunto é a "prisão" de Cecília de Barros Correia Viveiros de Castro e Marilene de Lima Corona, por conduzirem cartas de asilados políticos para o ex-deputado, cuja prisão também é relatada, não há por que o documento citar a "fuga" posterior de um dos presos. Relatos oficiais desse tipo se restringem ao assunto original, e o "resgate" deve ter sido objeto de outro documento. Esse era o "procedimento padrão".
Há que se considerar que à época não havia as facilidades da informática e muitos documentos eram redigidos posteriormente aos fatos com a finalidade de mante-los registrados. Além do mais, se o documento foi redigido pelo SNI, há que se descontar os prazos de trâmites burocráticos da época - que se mantém nos dias atuais - entre a saída de um informe de um órgão, no caso o Exército e seu processamento por outro, o SNI. Hoje em dia, apesar dos recursos tecnológicos, vemos a mídia agir dessa mesma forma, noticiando fatos com defasagem até de dias.
O texto também leva em consideração, os depoimentos das mulheres presas e o depoimento do médico Amilcar Lobo (já falecido), prestado à Polícia Federal em 1986, que alegam terem visto o político torturado nas dependências militares - a isenção desses depoimentos nunca é questionada.
Assim, temos que, para Claudio Fonteles depoimentos de pessoas envolvidas ideológica e emocionalmente - e por que não dizer financeiramente -, com o caso, aliados à redação tardia de um documento servem perfeitamente para desacreditar a versão oficial fundamentada em documentação (sindicância) regular.
Abstraindo-se opiniões vinculadas a crenças políticas, acredito ser terrível e injusta a dor dos familiares do deputado Rubem Paiva por estarem há tanto tempo sem uma certeza sobre o que aconteceu com ele e penso que o ideal seria o total esclarecimento desse fato, mas isso deve ocorrer de forma minimamente lógica e honesta. Não é isso o que se encontra no "relatório" de Claudio Fonteles que, ao invés de demonstrar uma busca efetiva pela verdade mais parece uma forma de "mostrar serviço", procurando justificar e espetacularizar a existência da comissão por ele chefiada.
Fico com a impressão reforçada de que o sr Claudio Fonteles não passa de um fanfarrão!
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