por Janer Cristaldo
Há muito venho discutindo a chamada questão indígena e não é fácil para mim dizer algo de novo. Em agosto deste ano, sob pressão do governo, a Câmara esvaziou um projeto de lei que previa levar ao banco dos réus agentes de saúde e da Funai (Fundação Nacional do Índio) considerados "omissos" em casos de infanticídio em aldeias. Segundo o jornal, a prática de enterrar crianças vivas, ou abandoná-las na floresta, persistiria até hoje em cerca de 20 etnias brasileiras. Os bebês são escolhidos para morrer por diversos motivos, desde nascer com deficiência física a ser gêmeo ou filho de mãe solteira.
Persistiria, não. Persiste. A prática vem de longe e desde há muito é conhecida no país. A polêmica chegou ao Congresso em 2007, quando o deputado Henrique Afonso (PV-AC) apresentou projeto que previa punir servidores que não tomem "medidas cabíveis" para impedir o ritual. Eles responderiam por crime de omissão de socorro, cuja pena varia de multa a prisão por até um ano. O texto ainda classificava o "homicídio de recém-nascidos" como uma "prática nociva". Antropólogos, indigenistas e assessores da Funai pressionaram a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que adiou a votação da proposta por quatro anos.
Ora, qualificar homicídio de recém-nascidos como prática nociva é eufemismo. Homicídio, em qualquer circunstância, é crime. Há alguns anos, comentei que os indígenas brasileiros se reservam o direito de matar filhos de mães solteiras, os recém-nascidos portadores de deficiências físicas ou mentais. Gêmeos também podem ser sacrificados. Algumas etnias acreditam que um representa o bem e o outro o mal. Por não saber quem é quem, eliminam os dois.
Outras crêem que só os bichos podem ter mais de um filho de uma só vez. Há motivos mais fúteis, como casos de índios que mataram os que nasceram com simples manchas na pele — essas crianças, segundo eles, podem trazer maldição à tribo. Os rituais de execução consistem em enterrar vivos, afogar ou enforcar os bebês. Geralmente é a própria mãe quem deve executar a criança, embora haja casos em que pode ser auxiliada pelo pajé.
A bem da verdade, o estupro já foi descriminalizado no Brasil. (Denunciei isto em 2006). Ou alguém ainda não lembra do homem que podia salvar a humanidade — como foi saudado pela imprensa americana — o cacique caiapó Paulinho Paiakan? Paiakan, em cumplicidade com sua mulher Irekran, estuprou barbaramente uma menina. Enquanto o processo se arrastava, Paulinho — são simpáticos os diminutivos! — avisou: se fosse condenado, não sairia de sua reserva. Ameaçou inclusive fazer rolar o sangue dos brancos, em caso de condenação.
Pois bem: foi condenado. Não fez rolar o sangue dos brancos mas continua em sua reserva, livre como um passarinho. A Polícia Federal, única autorizada a agir em reservas indígenas, com todo seu poder de fogo, não ousou lá entrar para buscar o criminoso. Paulinho zombou do Estado brasileiro, zombou da Justiça brasileira, zombou de sua vítima. E não houve sequer uma feminista que protestasse contra o crime hediondo. A menos que a nação caiapó já constitua um Estado independente do brasileiro — onde estupro não é crime — e ainda não tenhamos sido avisados.
Em meu livro Ianoblefe (1994), citei as denúncias do antropólogo americano Napoleon Chagnon sobre as práticas ianomâmis, em cujas tribos a criança não desejada é morta após o parto. Ao tornar público este segredo de polichinelo, Chagnon foi excluído do universo da antropologia. Segundo a IstoÉ, a prática do infanticídio já foi detectada em pelo menos 13 etnias, como os ianomâmis, os tapirapés e os madihas. Só os ianomâmis, em 2004, mataram 98 crianças. Os kamaiurás matam entre 20 e 30 por ano. Mas entre os sacerdotes que vociferam contra o aborto, você não encontra um só que denuncie estes assassinatos. E tudo isto sob os olhares complacentes da Funai, que considera que os brancos não devem interferir nas culturas indígenas.
É esta mesma Funai que quer proibir a adoção de crianças indígenas pelos brancos. “Índio sofre muito fora da tribo”, dizem os antropólogos. Na tribo, conforme o caso, nem sofre: é enterrado vivo ao nascer. Ou afogado. Ou enforcado.
A reportagem da IstoÉ narrava a história de Amalé, indiozinho de quatro anos, que sobreviveu a um enterramento. Logo que nasceu, foi enterrado vivo pela própria mãe, que seguia um ritual determinado pelo código cultural dos kamaiurás, que manda enterrar vivo aqueles que são gerados por mães solteiras. Para assegurar que o destino de Amalé não fosse mudado, seus avós ainda pisotearam a cova. Duas horas depois, em um gesto que constituiu um desafio a toda aldeia, uma tia apiedou-se do menino e o desenterrou. Estava ainda vivo. Amalé só teria escapado da morte porque naquele dia a terra da cova estava misturada a muitas folhas e gravetos, o que pode ter formado uma pequena bolha de ar.
“Antes de desenterrar o Amalé, eu já tinha ouvido os gritos de três crianças debaixo da terra”, relata Kamiru, a tia que o salvou. “Tentei desenterrar todos eles, mas Amalé foi o único que não gritou e que escapou com vida”.
As práticas de eugenia são consideradas criminosas e geralmente atribuídas aos nazistas. Exceto quando praticadas pelos bugres. A Funai, há alguns anos, divulgou uma nota explicando que esse tipo de ritual faz parte da cultura da etnia ianomâmi. "Gerar um filho defeituoso, que não terá serventia numa aldeia que precisa necessariamente de gente sadia é um grave pecado, pois este não poderá cumprir o seu destino ancestral". Para o antropólogo Ademir Ramos, a eutanásia “é uma questão já resolvida para os ianomâmis. Eles precisam de gente saudável na aldeia. Uma criança com deficiência gera uma série de transtornos aos integrantes da tribo". Então, mata.
Os jornais de ontem (23/11) noticiam um crime hediondo cometido ontem por um índio. Por estar carregando um cocar, o líder indígena Paulo Apurinã — uso a linguagem da imprensa — foi barrado por um fiscal do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) quando tentava entrar na área de embarque do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes. Após discutir com policiais federais, ele acabou detido por desacato, algemado e levado à sede da Superintendência da Polícia Federal (PF) no Amazonas, por volta de 13h30. Segundo Sebastião Souza, agente ambiental federal do Ibama, o indígena não poderia embarcar levando seu cocar, alegando que ele era feito de penas de animais silvestres e não tinham o “selo” do Ibama.
Ou seja: matar crianças, estuprar, pode. O que não pode é carregar um cocar.
Fonte: Janer Cristaldo
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