por André Soares
Se você tem interesse pela denominada atividade de inteligência e pensa em exercê-la, certamente encontrará dificuldades intransponíveis em obter informações fidedignas sobre esse ofício. Particularmente no Brasil, você será alvo da desinformação dos órgãos oficiais, o que significa que tudo aquilo que fizerem chegar a você não será exatamente o que irá encontrar, caso cometa o equívoco de se aventurar nessa empreitada, atribuindo credibilidade a essas informações. Essa é a razão pela qual os jovens brasileiros precisam conhecer a verdade sobre a realidade intestina da atividade de inteligência, a fim de não comprometerem seriamente o futuro de suas vidas investindo nessa obscuridade que, inadvertidamente, pode ser muito perigoso.
"Não imaginei que havia criado um monstro" foram palavras proferidas pelo arrependido General Goubery do Couto e Silva, referindo-se ao extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 1967, do qual foi um dos principais idealizadores. Sobre a história da Inteligência de Estado no Brasil, o SNI foi o único e breve suspiro auspicioso dessa atividade no país. Até degenerar-se e sucumbir. Sua sucedânea, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), foi criada em 1999 predestinada aos mesmos desígnios do SNI. Assim, seu inevitável destino conduziu o Brasil à maior e pior crise institucional de inteligência que vivenciamos na atualidade, desvelada em 2008 no festival de clandestinidades protagonizadas pela ABIN na Operação Satiagraha.
A gravidade da conjuntura atual é ainda mais alarmante porque como a ABIN é o órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) sua ascendência e influência sobre as demais estruturas de inteligência nacionais são inescapáveis, generalizando a ineficiência institucional dessa atividade no país. Ressalta-se o total descontrole do estado brasileiro sobre a atuação dos órgãos de inteligência nacionais, os quais constituem uma "caixa-preta" invencível, cuja fúria nossos governantes temem desafiar. Todavia, o cenário prospectivo é por demais pessimista porque o Brasil não possui há décadas uma Política Nacional de Inteligência e as autoridades nacionais demonstram sobejamente a incapacidade de salvar o país desse lamentável estado de coisas a que chegou a Inteligência de Estado nacional.
Depois de saber a verdade sobre a Inteligência de Estado no Brasil, você ainda tem interesse em exercê-la?
Tem certeza? Porque, se tiver, é importante saber mais. E a primeira pergunta a responder é: "O que você quer?"
Pois, se você quiser ganhar dinheiro, desista. A atividade de inteligência não é lucrativa, em nenhum lugar do mundo. Muito menos no setor privado.
Você tem notícia de alguma empresa ou empresário milionário da atividade de inteligência?
Se tiver, certamente está enganado porque, nesse ramo, "nada é o que parece".
Por outro lado, se o que você quer é integrar serviços de inteligência no Brasil, então poderá fazê-lo ingressando na ABIN, por concurso público; ou nas instituições públicas mais tradicionais, por indicação política. Nesse segundo caso, é importante saber que há algumas raras estruturas de inteligência no país eficientes e, inclusive, de excelência. E as melhores estão nas Forças Armadas.
Agora, se você pretende ser agente secreto, o caminho é completamente diferente. Porque (que ninguém nos ouça), mas a verdade proibida de ser revelada e que ninguém sabe (mas ninguém mesmo, nem os governantes sabem) é que o Brasil não possui agentes secretos em seus serviços de inteligência (esse segredo fica só entre nós ... se você vazar ..., eu nego tudo...).
Portanto, na realidade, a melhor garantia e possibilidade que há em integrar os quadros de serviços de inteligência no Brasil é a de se tornar um excelente servidor público burocrata.
Agora que você sabe que não há agentes secretos nos serviços de inteligência nacionais, você deve estar se perguntando o que fazem esses órgãos, não é mesmo?
Pois, então, você saberá agora uma verdade escandalosamente grave, que esclarece parcialmente o caos em que o país está. Está preparado? É melhor sentar-se.
Então, acredite se quiser, mas os serviços de inteligência no Brasil não fazem Inteligência de Estado, embora afirmem isso, categoricamente. Na verdade, inclusive atrapalham os governos porque realizam exatamente o mesmo trabalho que já é realizado por outras organizações muito mais competentes e afetas a essas questões, gerando sobreposição, duplicidade e interferência indevidas.
Isso porque nossos governantes cometem grave atentado ao país por desconhecerem e contrariarem a verdade conhecida no mundo inteiro que a atividade-fim da Inteligência de Estado é a expertise operacional do sigilo, que é exatamente a atividade realizada por agentes secretos, que agora você já sabe que nossos serviços de inteligência e o Brasil não têm.
Evidentemente, que tudo isso é premeditadamente e cuidadosamente escondido pelos serviços de inteligência nacionais, produzindo outra grave mentira, incutida no seio da sociedade, que é a ideia de que o verdadeiro e legítimo profissional de inteligência é aquele que exerce a função que eles denominam de analista de inteligência.
Você sabe o que faz um analista de inteligência dos serviços de inteligência, em seus gabinetes secretos, no Brasil?
O mesmo que qualquer outro analista. Ou seja, análise. A mesma análise que você e todos os estudantes aprendem nos bancos escolares. Pois, o processo de análise realizado por analistas de quaisquer áreas é único e idêntico, diferindo apenas nas áreas temáticas de interesse, que no caso dos serviços de inteligência, como você já sabe, também é idêntica em sobreposição a outros órgãos do governo.
Na prática, a verdade que nossos governantes não revelam é que os conhecimentos que eles recebem dos analistas de inteligência dos serviços de inteligência nacionais é majoritariamente de baixa credibilidade e de pior qualidade que os conhecimentos que recebem dos órgãos competentes, sobre os mesmos assuntos.
Portanto, a outra verdade que você precisa saber é que o que difere um analista de inteligência de todos os demais analistas profissionais não é a análise de inteligência em si, mas o fato deles receberem informações "privilegiadas", que os outros analistas evidentemente não têm. Pois, estas só são possíveis de serem obtidas pela ação sigilosa realizada por agentes secretos que têm, dentre outras, a dificílima e perigosa tarefa de obter os segredos de morte mais valiosos, que são fortemente e agressivamente protegidos por aqueles que os detém, que farão de tudo, mas tudo mesmo, para não serem revelados.
Portanto, a atividade-fim da Inteligência de Estado que constitui a única razão de ser e existir dos serviços de inteligência é trabalho que somente pode ser realizado por agentes secretos. Como os serviços de inteligência nacionais não os têm, você deve estar desiludido imaginando que nunca poderá ser um agente secreto, não é mesmo?
Mas, se pensar assim, você estará enganado.
Porque, apesar do que possa aparentemente parecer, isso é plenamente possível no Brasil, como em qualquer lugar do mundo.
Portanto, se você tiver vontade de ser um agente secreto, a próxima pergunta a responder é: "Quem você é?"
Porque qualquer pessoa pode ser funcionário público, mas não agente secreto. Estas são pessoas especialíssimas e raras, em todos os sentidos. Desta forma, há apenas dois únicos requisitos para ser agente secreto, que evidentemente não é passar em concurso público, ou ser indicado politicamente. Esses requisitos na verdade são uma excelente notícia para aqueles que têm essa pretensão porque ser agente secreto depende única e exclusivamente de si mesmo. Nada mais.
Quais são esses dois requisitos para ser agente secreto?
O primeiro requisito é possuir o devido perfil. E o perfil do verdadeiro e autêntico agente secreto incorpora integralmente todos os atributos e qualidades do personagem "007- James Bond", bem como de suas parceiras agentes secretas; pois vale lembrar que as mulheres estão incluídas nesse seleto universo e também são esplendorosas.
Contudo, essa é outra verdade proibida porque serviços de inteligência, especialmente no Brasil, vendem a falsa ideia de que o perfil dos agentes secretos é o de pessoas comuns, desprovidas de dotes e atributos excepcionais, cuja mediocridade os fazem passar despercebidamente. Essa é desinformação produzida para mascarar a inoperância desses órgãos.
Outra mentira ardilosa sobre agentes secretos é a de que eles são forjados nos serviços de inteligência. Tal perfídia, plantada no seio da sociedade, tem enganado e iludido muitos jovens brasileiros, homens e mulheres, incitados ao concurso público para ingresso na ABIN, esperançosos de que irão construir e viver uma carreira profissional de agentes secretos. Porém, infelizmente, o que há no país é uma legião de arapongas e agentes clandestinos, os quais são muitas vezes forjados nessas organizações, pelo diletantismo irresponsável que nelas impera.
Contudo, lembremos que além do perfil ainda há o último requisito para ser agente secreto.
Antes de conhecê-lo, é muito importante reaprender com a própria história nacional a verdade inconteste conhecida desde Sun Tzu, que serviços de inteligência são verdadeiros monstros, na pior acepção da palavra, só havendo uma única excepcionalidade. Essa é outra verdade proibida de ser revelada no Brasil, mas que já foi escancarada ao mundo pelo Coronel Walther Nicolai (1873/1934), Chefe do Serviço de Inteligência do Chanceler Bismarck, nos ensinando a verdade que: "A Inteligência é um apanágio dos nobres. Confiada a outros, desmorona". Sempre desmorona. Nunca se esqueça disso.
Isso porque serviços de inteligência que negligenciam essa máxima se tornam monstruosidades de corrupção, como lamentou arrependido o General Golbery. E não se engane achando que isso ocorre apenas nos filmes, pois a maioria dos serviços de inteligência é assim. Por isso, na atividade de inteligência só há dois tipos de profissionais: os corruptos e os que "vão pra guerra". E a outra triste verdade é que a maioria não "vai pra guerra".
Também, nunca se esqueça disso. Porque será mera questão de tempo para você ser vitimado pelos serviços de inteligência para quem trabalha. E a outra verdade que você não deve se esquecer (e a sua própria sobrevivência dependerá disso) é que esses mesmos serviços de inteligência se tornarão seus piores inimigos e tentarão obstinadamente te eliminar clandestinamente, temerosos que você revele a verdade sobre eles. Se isso acontecer, é importante você saber que será abandonado e estará completamente sozinho. E não cometa o grave erro de confiar nos governantes do país. Acredite, eles também estarão ainda mais interessados no seu fim. Caso contrário, você cairá em desgraça e até mesmo morrerá.
Portanto, ainda tem certeza que você quer ser agente secreto?
Porque, se tiver, o último requisito é ter que tomar uma decisão de vida muito difícil e dolorosa, com um ônus altíssimo para você e para os seus entes queridos. E é nesse ponto de inflexão que a maioria das pouquíssimas pessoas que possuem o perfil para agente secreto desiste. Agentes secretos têm de tomar a decisão de viver, por toda a vida, completamente só, sem família, sem amigos, e em local desconhecido.
Evidentemente, que todo esse sacrifício tem uma contrapartida mais que compensadora. Pelo menos, assim pensam os agentes secretos.
Mas, a derradeira verdade é que a maioria das pessoas não nasceu para ser agente secreto, que não é necessariamente um ofício melhor que os outros. E você não precisa ser um deles
Afinal, a esmagadora maioria dos que atuam na atividade de inteligência se sente feliz, vivendo na mediocridade de ser, no máximo, um excelente servidor público burocrata. Porque agentes secretos existem. Mas, estes, “desacontecem”.
Fonte: Inteligência Operacional
COMENTO: o autor do texto desabafa um ponto de vista peculiar, por ter se decepcionado ao trabalhar por algum tempo na área de Inteligência e não ter tido a capacidade de adaptação entre o ideal — caracterizado pela esmerada citação de Walther Nicolai — e o real capital humano brasileiro. Mas é uma visão crítica válida sobre o que temos em nosso país. Discordo da forma que me pareceu pejorativa ao referir-se à Operação Satiagraha, que — a despeito do caráter dúbio demonstrado posteriormente pelo seu principal encarregado —, na minha opinião, realizou um excelente trabalho investigativo em um trabalho conjunto entre agentes da Polícia Federal e ABIN, que deveria ser rotineiro. O trabalho realizado em tal Operação somente não rendeu os frutos esperados por ter afetado interesses de pessoas poderosas econômica e politicamente. A justificativa para "anular e encerrar tudo" — a cooperação dos agentes da ABIN em uma ação policial, como se estes não fossem, também, funcionários de Estado e dignos de confiança — foi a mais desonesta e despudorada possível, fazendo com que a impunidade dos poderosos fosse imposta sobre tudo e todos.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Atravanca um palpite aqui: