sábado, 14 de maio de 2011

Agentes Secretos — O Perfil

por André Soares
"...Qualquer semelhança com nomes, pessoas, datas, locais, situações, ou circunstâncias, poderá não ter sido mera coincidência..."
Que ninguém nos ouça, mas o Brasil não possui agentes secretos em seus serviços de inteligência. Portanto, não é por acaso que as organizações terroristas internacionais e os serviços secretos estrangeiros adoram atuar no país. Mas, houve um breve suspiro em nossa história em que nosso país já teve os melhores, que foram recrutados e chefiados pelo Dr “X”, assim como eu fui. Todavia, essa é outra história. Atualmente, Dr “X” está em algum lugar, vivendo como sempre vivem os agentes secretos — sozinho, em local desconhecido, protegido e com o amor de sua vida.
Não me esqueço quando participei de uma reunião, infelizmente histórica, entre o Dr “X” e a uma alta autoridade do governo, para tratar de um dos assuntos mais sigilosos da república — o recrutamento e emprego de agentes secretos.
O que eu estava fazendo lá?
Eu tinha que estar lá. Mas, isso também é outra história.
O fato é que as conseqüências conflituosas dessa reunião demandaram uma crise para a Inteligência de Estado, na qual o país se perdeu.
Tudo isso porque Dr “X” reprovou o recrutamento e emprego de um “candidato” a agente secreto. Até aí, nada de mais, caso sua decisão não contrariasse os interesses e a determinação direta e expressa dos mais poderosos governantes do país.
A reunião foi tensa. Menos o Dr “X”. Afinal, ele sabia, melhor que ninguém, que a única certeza na vida de agentes secretos é que ela não é um “mar de rosas”.
E a referida autoridade teve que vir se encontrar pessoalmente com o Dr “X” porque, em se tratando de assuntos sobre agentes secretos, a “montanha é que vai a Maomé”. Contudo, Dr “X” estava politicamente com a “corda no pescoço”; pois, nesse contexto, tinha apenas duas alternativas: voltar atrás, ou voltar atrás.
— Dr “X”, chegou ao meu conhecimento a informação que o senhor teria contra indicado a admissão do “fulano de tal” nessa organização e me parece estar havendo algum grave equívoco nessa questão. Por essa razão, tive que me afastar de meus afazeres para estar aqui e esclarecer tudo isso. Tenho a certeza que o senhor compreende o contexto dessa situação e saberá encontrar uma solução satisfatória para esse lamentável mal entendido ... — apresentou-se a referida autoridade.
É uma grande honra receber em nossa organização a presença de Vossa Excelência e esclareço que não houve mal entendido na informação sigilosa que lhe enviamos oficialmente sobre o candidato “fulano de tal” — respondeu diretamente o Dr ”X”.
— O Sr está me dizendo que “fulano de tal” foi reprovado? — disse a autoridade, em tom intimidador.
Infelizmente, lamento dizer a Vossa Excelência que sim — respondeu disciplinadamente o Dr “X”.
O Sr sabe quem é “fulano de tal”? Porque parece que o Sr não sabe de quem se trata. “fulano de tal” é um profissional brilhante e seu currículo fala por si. E o Sr vem me dizer que “fulano de tal” não tem lugar nessa organização? Duvido que algum integrante dessa organização tenha um currículo tão brilhante como o de “fulano de tal”, que é primeiro colocado em todos os cursos que realizou, elogiado e conceituadíssimo por todos os chefes com os quais tem trabalhado, inclusive autoridades as quais essa sua organização está subordinada, com uma capacidade profissional e de trabalho invejável, com uma carreira irrepreensível e promissora. ... Não há dúvidas que “fulano de tal” será certamente um dos grandes chefes desse país e o Sr vem me dizer que ele foi reprovado? Isso é um absurdo! Deve haver alguma coisa errada em sua organização ... e o Sr vai responder por isso. Como o Sr vai justificar que “fulano de tal” foi reprovado? Eu acho que o Sr é uma pessoa sensata e saberá rever essa decisão absurda.
Mas, infelizmente, lamento dizer a Vossa Excelência que ele não foi aprovado. Porém, não pense Vossa Excelência que desconheço o valor profissional de “fulano de tal” e sua carreira brilhante. Na verdade, pessoalmente, nunca vi uma carreira e currículo tão brilhantes como o de “fulano de tal”. Não tenho dúvidas do seu enorme potencial e que ele certamente será um dos grandes nomes desse país. Não se trata disso. Trata-se de ser agente secreto e para ser agente secreto é necessário ter perfil de agente secreto. Pouquíssimas são as pessoas que o possuem. Na verdade, são pessoas raríssimas e, muitas vezes, não as encontramos porque esse perfil é especialíssimo, diferente e incomum. Uma raridade mesmo. Todavia, agentes secretos não são melhores que os outros seres humanos, enquanto seres humanos. Mas, o perfil dos agentes secretos é completamente diferente e atípico em relação a qualquer outro perfil. E “fulano de tal” não o possui. É simplesmente isso que estou dizendo. Isso não deprecia ninguém, nem o impedirá de ter sua carreira brilhante em qualquer outra atividade que pretenda exercer. Porém, ele não foi aprovado porque não passou nos testes de perfil e não porque simplesmente alguém achou que ele não o teria. E aproveito para dizer a Vossa Excelência que nossos testes são rigorosamente objetivos e validados cientificamente após vários anos de estudos e avaliação sobre o perfil de agentes secretos. Esse processo não sofre qualquer influência subjetiva dos avaliadores porque seu único objetivo é recrutar os melhores, somente os melhores. .... E, em não havendo alguém que tenha esse perfil, não há qualquer possibilidade de recrutamento. Porque o trabalho de agentes secretos é de elevado risco para o país e só pode ser realizado pelas pessoas certas.
Testes? Que testes reprovariam “fulano de tal”? Veja o seu currículo e me diga que testes o reprovariam, se ele sempre foi o primeiro colocado em todos os cursos que realizou e em tudo o que fez? Eu acho que o Sr vai se complicar porque vai ter que mostrar que “testes” são esses que reprovaram “fulano de tal” ... e não basta afirmar, tem que mostrá-los ... e eu quero vê-los ... todos. O Sr tem muito o que explicar ... e isso será muito difícil. ...
Pois, eu os tenho aqui e terei grande satisfação em apresentá-los a Vossa Excelência, embora sejam extensos e numerosos. Não sei se o seu tempo vai permitir...
— Quero vê-los, todos, um a um! — sentenciou a autoridade
A partir de então, o Dr “X” distribuiu sobre a mesa ao lado da referida autoridade uma vasta documentação sigilosa com todos os testes realizados por “fulano de tal”, que causou uma visível reação de espanto por parte da autoridade porque era um material bastante volumoso.
— Como Vossa Excelência solicitou, aí está toda a documentação oficial sobre os trabalhos que aqui são realizados no processo seletivo de nosso pessoal, ... à sua disposição — explicou o Dr “X”.
A referida autoridade ficou alguns segundos sem reação, sem saber por onde começar. E o Dr “X” prosseguiu:
Se Vossa Excelência quiser, eu posso descrever resumidamente todos os nossos testes e, caso tenha interesse, poderei detalhar os aspectos que desejar — disse o tranqüilo e confiante Dr "X".
E o que se seguiu, a partir de então, foi um longo monólogo em que o Dr “X” apresentou, um a um, todos os testes realizados, fazendo a leitura inclusive de suas denominações e termos técnicos, ouvidos num silêncio nervoso pela referida autoridade.
Assim, após a descrição metodológica de cada teste, o Dr “X” verificava nos relatórios o resultado que havia sido obtido pelo candidato ”fulano de tal”, que gerava grande ansiedade porque era o momento que identificaria qual teria sido o teste em que o brilhante “fulano de tal” havia sido reprovado. Além disso, esse momento era acompanhado de grande suspense porque o Dr “X”, folheando a documentação, concluía dizendo: “... nesse teste, o resultado de “fulano de tal” foi ...
Dessa forma, durante o longo tempo de sua exposição, Dr “X” chegava ao momento crucial do anúncio de cada resultado. E em todos eles, um a um, na seqüência em que foram sendo lidos, o Dr “X” concluiu dizendo: “... nesse teste, o resultado de “fulano de tal”  foi  ....  NORMAL”.
Até que chegou ao penúltimo teste, que concluiu dizendo:
“... nesse teste, o resultado de “fulano de tal” foi ... NORMAL”.
Nesse momento, a ansiedade na sala de reunião alcançou o seu clímax, pois havia chegado ao último e derradeiro teste, que certamente, por exclusão, seria o teste que havia reprovado o brilhante candidato “fulano de tal”, porque todos os testes anteriores já haviam sido apresentados e ... “o resultado de “fulano de tal”  havia sido .... NORMAL
Bom Excelência, chegamos ao último teste realizado que acabo de descrever. Portanto, encerrando a bateria de testes realizados informo a Vossa Excelência que: ... nesse teste, o resultado de “fulano de tal” foi ... NORMAL.
Nesse momento, a referida autoridade rompeu o seu nervoso silêncio, numa explosão emocional misto de alívio e revolta, dirigindo-se ao Dr “X”, aos brados:
NORMAL? O Sr percebe o que acaba de dizer? Eu estou aqui todo esse tempo, aguardando que o Sr consiga o milagre de apresentar uma justificativa para reprovação do candidato “fulano de tal”, e em toda a sua bateria de testes ele foi considerado NORMAL ... NORMALÍSSIMO ... O Sr mesmo acaba de confirmar isso .... É a sua própria bateria de testes que está comprovando que “fulano de tal” é NORMAL. Por que? e Como? o Sr explica, agora, que o “fulano de tal”, foi reprovado para ser agente secreto, se está mais que comprovado que ele é completamente NORMAL???
 É exatamente por isso, Excelência encerrou o Dr “X”.

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