por Janer Cristaldo
Li há pouco, na Veja on line, reportagem sobre o escritor Pedro Bandeira, de 67 anos, considerado o "Paulo Coelho dos livros infanto-juvenis". Já chegou a vender 100.000 livros em um único ano e, em toda a carreira, vendeu 21 milhões de exemplares. Confesso que nunca ouvi falar deste senhor. Não costumo ler autores que vendem milhões de exemplares, assim da noite para o dia. Mas sempre vemos seus nomes, seja nas livrarias, bancas de jornais ou nas listas dos mais vendidos veiculadas pela imprensa. Não leio best sellers, mas sempre tropeço, ainda que à revelia, com o nome dos autores. Do Bandeira, não tenho idéia de quem seja. Mistério profundo.
Mas o mistério logo se elucida, quando o repórter pergunta:
— Em um país com tantos analfabetos, o senhor chegou a vender 21 milhões de exemplares. Como explicar?
— Não é bem assim. Na realidade, existem dois mercados: o mercado das escolas e o mercado do governo. O governo compra muitos livros para repassar às instituições públicas. Dos 21 milhões que vendi, cerca de 10 milhões foram graças a essas compras. Então, o que conta para mim são os outros 11 milhões, efetivamente escolhidos, seja pelos leitores, seja pelos professores.
Ah, bom! Agora entendi. O insigne beletrista tem como comprador preferencial o governo. Governo é leitor dos bons. Quando compra, compra dez milhões de exemplares. Já os outros 10 milhões, segundo o Bandeira, constitui o mercado das escolas. O mercado das escolas também é ótimo leitor. Quando compra, compra 10 milhões de exemplares. E empurra, goela abaixo para os estudantes, um autor que ninguém conhece. O Brasil é pródigo nestas mercancias. A imprensa, sempre tão preocupada com a corrupção de senadores e deputados, deixa passar batido esta corrupção do mundo editorial, que está longe de ser miúda.
Pedro Bandeira descobriu a fórmula mágica, como ganhar milhões em direitos autorais sem que leitor algum — fora de seu público cativo — tenha conhecimento de sua obra. Mas as corrupções do universo literário não terminam aqui.
Leio no Estadão que a Fundação Biblioteca Nacional divulgou na segunda-feira a lista das bolsas de literatura de 2009, abrangendo pesquisa literária, conclusão de obras, co-edições e traduções. A seleção deste ano, na área de tradução, vai dar bolsas de US$ 3 mil (R$ 6 mil) para a tradução de obras de autores brasileiros no Exterior. A maior parte dos autores são vivos. O premiado livro O Filho Eterno, do autor curitibano Cristóvão Tezza, será publicado na Austrália pela Scribe Publications. O Anjo do Adeus, de Ignácio de Loyola Brandão, sairá nos Estados Unidos pela Dalkey Archive Press. Escrita em contra-ponto: Ensaios Literários, de João Almino, sairá na Argentina pela Leviatan.
Mais ainda: o ensaísta e atual curador do Museu de Arte de São Paulo (Masp), José Roberto Teixeira Coelho, terá sua obra Dicionário crítico de política publicada na Espanha pela editora Gedisa. Será publicada na Croácia a obra Laços de Família, de Clarice Lispector, e na Itália sairá Para viver com poesia, de Mário Quintana. Outros contemplados são O Enigma de Qaf, de Alberto Mussa, que será publicado na França; uma coletânea de textos de Sérgio Sant’Anna, que sairá na República Checa; e a obra Sem Dizer Adeus, de Heloneida Studart, que será publicada em Israel.
Quer dizer: quando o normal no mercado livreiro é a editora do país estrangeiro pagar o tradutor, este magnífico país nosso se antecipa: nós pagamos a tradução. Mais ainda: nós escolhemos os escritores a serem traduzidos. Isso de oferta e procura é lei obsoleta do antigo capitalismo, que precisa ser revogada. Se nós já empurramos goela abaixo nossos campeões a nossos jovens, não nos custa internacionalizar este goela abaixo. O contribuinte brasileiro é dócil, não vai chiar se tiver de subsidiar a tradução de nossos escritores comportadinhos — aqueles que não criticam o PT nem o governo — em países ricos como os vossos. Recebam, senhores do Primeiro Mundo, esta modesta cortesia do Terceiro.
Deixemos de lado desta lista infame Mário Quintana, Heloneida Studart e Clarice Lispector, que já morreram. A infâmia é legado dos herdeiros.
Se a maracutaia terminasse aqui, não seria cousa de espantar. Mas vai mais longe. Ainda segundo o Estadão, oito autores com obras em fase de conclusão foram selecionados: Afonso Cláudio Machado do Carmo, Alexandre Jorge Marinho Ribeiro, Beatriz Antunes Onofre, Jorge Alan Pinheiro Guimarães, Manoel José de Miranda Neto, Priscila Costa Lopes, Rafael Mófreita Saldanha e Ronaldo Eduardo Ferrito Mendes.
Ou seja, os insignes beletristas sequer concluíram suas obras e já têm subsídios para serem traduzidos no exterior. O escritor ainda nem existe, mas já tem tradução garantida. O contribuinte brasileiro, que já paga turismo em Paris para senadores, putas em Miami para deputados, silicone para travestis, é chamado agora a pagar traduções de prostitutas literárias, que não se pejam em escorchar quem paga honestamente seus impostos, desde que seus egos sejam afagados no Exterior.
A bola da vez é a corrupção no Congresso. Quando a imprensa decidirá que a universidade e a literatura nacionais se beneficiam de corrupção semelhante, senão mais vasta?
Fonte: Janer Cristaldo
Pedro Bandeira não é um escritor desconhecido que veio do nada e vendeu milhões. Ele está há anos fazendo seu caminho, escrevendo livros que contribuem para o incentivo à leitura. Não trabalho para o governo e muito menos defendo escolas ou algo assim. Apenas leio e leio há muitos anos. Achei muito injusto o que vc escreve aqui, pois não é porque vc não conhece Pedro Bandeira ele seja desconhecido. Isso só prova uma coisa: Infelizmente, nosso país não tem muitos leitores mesmo, 20 milhões não é nada para sanar esse mal!
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