sábado, 6 de dezembro de 2008

Juruá: a Rota do Tráfico Internacional na Amazônia

Fortemente armados, traficantes do Peru e Colômbia utilizam a região do Acre para transportar grandes quantidades de cocaína.
por Genival Moura (*)
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CRUZEIRO DO SUL, AC — Armados com fuzis, pistolas, metralhadoras e até granadas, traficantes do Peru e da Colômbia estão levando medo e terror aos moradores da região do Vale do Juruá, na fronteira do Brasil com o Peru, no Acre. Aos poucos, e devido à fiscalização ineficiente, eles vão transformando a área numa das maiores de tráfico de drogas da Amazônia brasileira. Em algumas áreas, moradores chegam a ser seguidos no meio da selva pelos traficantes e, temendo serem mortos, optam pela lei do silêncio. A situação tem preocupado os serviços de inteligência da Polícia Federal (PF) e do 61º Batalhão de Infantaria de Selva (61º BIS).
Até mesmo a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) tem dado atenção especial à região do Juruá, uma área de 74.965,471 km² e engloba os municípios de Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Marechal Thaumaturgo e Cruzeiro do Sul.
A ação dos traficantes na área não é recente. Desde 1998 os órgãos de informação monitoram os movimentos deles na região. Naquele ano, agentes da PF fizeram uma operação na região, após os seringueiros informarem que havia entre os traficantes remanescentes do Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA), grupo que, no ano anterior, invadiu a casa do embaixador japonês no peru em Lima, no Peru, fazendo mais de 600 reféns. 
Entre os moradores, há boatos de que, entre os traficantes, haveria pessoas supostamente ligadas às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). No início deste ano, homens do 61º BIS prenderam dois traficantes supostamente vinculados às FARC. Em 2008, a PF prendeu 20 traficantes e já contabiliza mais de 300 quilos de cocaína apreendidos. Muitos desses traficantes são estrangeiros, diz o delegado Marcel Antônio Neme. Segundo o chefe da PF na cidade, o Juruá se constitui atualmente numa das mais importantes rotas do tráfico inte
rnacional de drogas. A cocaína, depois de chegar ao território brasileiro, é transportada em balsas pelo rio Juruá com destino a Manaus (AM) e Rio Branco (AC).
Segundo o delgado Marcel Antônio, a rota do Juruá se tornou preferida dos traficantes devido ao intenso combate ao narcotráfico na Colômbia. Com a repressão naquele país, que conta com a ajuda dos Estados Unidos, o refino da cocaína passou em áreas do Peru próximas da fronteira com o Brasil.
Essa nova situação fez a PF intensificar suas ações na área principalmente para impedir a chegada de produtos químicos aos laboratórios peruanos. Além do aumento do efetivo, a PF está adquirindo barcos e equipamentos de comunicação para facilitar o combate ao tráfico no Juruá.
Rios são rotas do tráfico
Para transportar a droga, os traficantes abrem picadas no meio da selva, usam barcos e até obrigam homens e mulheres a carregar pasta-base de cocaína no meio da selva. A droga é, depois, levada até os pontos de embarque, vigiados por homens fortemente armados.
Os rios Juruá Mirim e Paraná dos Mouras, afluentes do Juruá, são as rotas mais utilizados pelos traficantes. Mas é o Juruá Mirim, que deságua no Juruá nas proximidades da sede do município de Porto Walter, o preferido dos cartéis da droga. E devido à ação dos traficantes, muita gente evita navegar pelas águas barrentas desses rios.
Antes, o Rio Môa era uma das principais rotas do tráfico, mas com a instalação de um pelotão do Exército, os traficantes desviam antes da base militar para o Rio Paraná dos Mouras, através de trilhas que ligam os rios. Eles abrem trilhas na para chegar ao Rio Paraná dos Mouras. As trilhas ficam próximas a ramais dos municípios de Mâncio Lima e Rodrigues Alves.
Os relatos dos moradores dão conta de que a Comunidade Tamburiaco — situada próxima às cabeceiras do rio, bem na divisa dos dois países — é hoje o lugar mais arriscado para se viver. Ali, conforme os relatos, peruanos e brasileiros transitam livremente — e fortemente armados — para negociar a cocaína. Ainda conforme os moradores, o trânsito de estranho (traficantes) é bem intenso naquela área.
“Não mexemos com eles. Eles passam e ninguém intervém”, relata um morador da região do Alto Juruá, sob a condição de não ter seu nome revelado. O morador admite que o simples fato de incomodar esses estranhos é perigoso.
Outro morador da área, que também pede não ser identificado, conta que, além do tráfico, os traficantes estão viciando as crianças: “Jovens passam de três dias na mata fumando. Alguns pais vão sair de lá porque estão nervosos e não querem ver os filhos viciados”.
Desaparecimento de pessoas
O tráfico pode, também, ser o responsável pelo sumiço de várias pessoas que se aventurem em navegar pelo rio Juruá Mirim. Marcos, um morador de Cruzeiro do Sul, viajou para o alto Juruá Mirim. À mulher, ele disse que iria construir barcos. E já faz seis meses que ele partiu e ainda não voltou. O caso está sendo investigado pela polícia.
Além do caso de Marcos, ribeirinhos do Juruá relatam que ocorreram outros desaparecimentos, mas as famílias não comunicam à polícia temendo represálias dos traficantes.
Há, também, relatos de que os traficantes estão aliciando moradores para o tráfico. Alguns deles, por sinal, são “convidados” a guardar a pasta-base de cocaína em suas casas. Foi o que aconteceu com ribeirinho morador das margens Rio Juruá Mirim. De acordo com ele, o convite teria partido de um funcionário público: “Recomendei que procurasse outro porque comigo não ia conseguir”.
Mais pelotões do Exército
O comandante do 61° BIS, tenente-coronel Alexandre Jansen, considera o tráfico com um “problema muito complexo” no Vale do Juruá. E para inibir a ação desses criminosos, o militar avalia ser necessária a instalação de mais pelotões do Exército na área.
De imediato, o coronel Jansen defende a instalação imediata de unidades militares às margens do Rio Môa e no município de Marechal Thaumaturgo. “Até já propus ao comando do Exército a instalação de um novo pelotão em Porto Walter”, disse. A cidade de Porto Walter fica no meio caminho entre Juruá Mirim e Paraná dos Mouras.
O Exército tem informações de que brasileiros que vivem nas cabeceiras do rio Juruá Mirim cruzam a fronteira para fazer compras no município peruano de Cantagalo. Na volta, além dos alimentos, eles trazem drogas.
Droga sai do Acre em balsas
Parte da droga que cruza a fronteira do Acre vai direito para Cruzeiro do Sul, a segunda cidade do Estado. Da cidade, o maior volume — uma pequena parte é distribuída entre os traficantes locais — é enviado para Manaus (AM) ou para Rio Branco, a capital do Acre, e dessas cidades segue para o Nordeste e Sudeste e, posteriormente, para exportação.
Até recentemente, o rio Juruá era o principal meio para escoar a droga. A cocaína era acondicionada em carregamentos de farinha — o município de Cruzeiro do Sul é um dos maiores polos produtores de farinha de mandioca da Amazônia — e despachada para Manaus. Com a descoberta da rota, a PF intensificou a vigilância nas balsas que saem de Cruzeiro do Sul.
(*) Genival Moura é repórter do site Tribuna do Juruá. A reportagem tem texto final e informações adicionais do jornalista Chico Araújo, da Agência Amazônia.

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