por Rebecca Santoro
Que palhaçada é essa de todo mundo sair pedindo desculpas aos moradores do Morro da Providência no Rio de Janeiro, por causa de um assassinato cometido por traficantes rivais no Morro da Mineira, contra três jovens daquela comunidade, que provavelmente também tinham ligações com traficantes, depois de terem sido entregues a seus algozes por meia dúzia de garotos fardados, não sem justificativa, revoltados com o desrespeito atrevido e impune de criminosos a uma instituição como o Exército Brasileiro?
O comandante do Exército? O chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Leste? O Congresso Nacional? Todo mundo pedindo desculpas? Por quê?
Se alguém tem que se desculpar, não só com aquela gente, embora também com ela, é o excelentíssimo senhor presidente da república, Lula da Silva, que, por acaso, só abriu a boca para classificar o episódio como "abominável" e para determinar que uma comissão da Secretaria Especial de Direitos Humanos investigasse o caso.
Abominável, senhor presidente?
Abominável foi o senhor ter dado a ordem para que o Exército entrasse no morro da Providência para dar guarida a um projeto eleitoreiro de seu companheiro de ideais, o senador Marcelo Crivela, ignorando solenemente todas as recomendações em contrário, documentadas e devidamente assinadas, encaminhadas ao senhor, pelo seu Comandante do Exército, que o senhor deve achar que também chegou ao 'poder' sem muito ter trabalhado e estudado para isso — portanto, um bobalhão a quem não se precisa dar ouvidos. Ao agir assim, com plena consciência dos riscos que a operação representava, o senhor presidente atraiu todas as responsabilidades sobre estes riscos para si.
Vai dizer que não sabia disso, que não sabia de nada, como sempre? É que honra, dignidade, seriedade, responsabilidade são coisas que ou se tem ou não se tem dentro de si. Nada disso pode ser comprado, nem mesmo secretamente, por meio de cartão corporativo, por exemplo, não é mesmo?
O Exército tinha que pedir desculpas mesmo. Mas, não àquela comunidade, ou pelo menos não somente a ela. O EB está devendo desculpas e explicações a toda sociedade brasileira, já faz um longo tempo. E não é por causa desse negócio de 'tempos da ditadura' que colocaram o país na posição de oitava economia do mundo, não, inclusive com pleno emprego. A Instituição das FFAA, portanto incluídas aqui Marinha e Aeronáutica, deve se desculpar perante a sociedade por estar desempenhando o papel de muda e de omissa, durante pelo menos os últimos 20 anos, recolhida à clausura de seus próprios problemas, chamados 'militares-técnico-operacionais ', como se estes problemas não fossem também, e principalmente, os da própria sociedade, que paga seus impostos para ter Forças Armadas que lhe garanta soberania, integridade territorial e segurança.
Somente agora, apenas para dar um exemplo, quando talvez já seja tarde, pela voz do General Heleno, que obviamente pôde contar com o beneplácito da colaboração da imprensa em destacar a matéria, é que o Brasil inteiro ficou sabendo do sério risco que corremos de termos que conviver com ilhas de poder paralelo, compostas por nações indígenas, entrecortando o território nacional. Será que, agora, nessa altura do campeonato, conseguiremos resolver a contento para os brasileiros esse problemão? Não serão também responsáveis por esta situação aqueles que dela sabiam e que, em cargos importantes, talvez pudessem ter sido ouvidos se tivessem falado a respeito, mas que preferiram se esconder atrás do conceito deturpado de disciplina e de hierarquia, para proteger estes mesmos cargos?
As Forças Armadas devem desculpas também aos brasileiros por terem distribuído medalhas da Instituição a pessoas que a elas não faziam, absolutamente, jus. Personalidades, indivíduos, fardados ou não, podem lá puxar o saco de quem bem entenderem. Cada um que se coloque o próprio preço. Mas, usar honras institucionais das FFAA para dar vazão a conceitos subjetivos de mérito, baseados em escolhas de caráter pessoal, ignorando as especificidades meritórias bem definidas, inclusive por escrito, destas medalhas, é atitude de quem não consegue distinguir o público do privado — de quem acha que 'tomar posse' em cargo de chefia de instituição é o mesmo que tomar posse da própria instituição.
Como é que as FFAA se permitiram chegar nesse estágio de sucateamento, de aviltamento salarial, de se deixar humilhar publicamente, muitas vezes sob acusações mentirosas sobre elas? Quem é que vai se desculpar perante os brasileiros diante das nefastas conseqüências que essa situação vem produzindo na vida nacional?
E o Congresso Nacional, então, pedindo suas desculpas à comunidade no Morro da Providência? O que significa isso? Uma piada? Um deboche?
Não me lembro de ter visto movimentação no sentido de pedir desculpas, por exemplo, aos familiares das vítimas do avião da TAM que se acidentou em Congonhas no ano passado, matando 199 pessoas. Por que o Congresso deveria ter se desculpado? Ora, por que foi este quem homologou as indicações desastrosas da presidência da república para a diretoria da Anac, uma diretoria escolhida política e não tecnicamente, que foi a agência responsável por passar documentos de conteúdo inverídico ao Ministério Público, que, por sua vez, com base nestes documentos, acabou por autorizar pousos e decolagens de aeronaves pesadas, também em dias de chuva, no aeroporto de Congonhas. Onde estava, então, a patrulha dos Direitos Humanos?
Ah! A patrulha dos Direitos Humanos estava mobilizada para ridicularizar os movimentos pacíficos surgidos pelo país contra o governo de Lula e contra o caos aéreo e a corrupção. A patrulha quer ter o monopólio sobre as manifestações e sobre seus conteúdos. Parte da mídia cooptada aderiu à ridicularizarão destes movimentos surgidos legitimamente. Prestou um grande desfavor. Mas, como também não saiu se desculpando aos moradores da Providência, embora lhes dê espaço e voz, sob pretexto de 'isenção', vou deixá-la de fora desse discurso.
O Congresso Nacional deve muitas desculpas, com certeza, porém a todos os brasileiros. A casa deve desculpas pelo 'mensalão', caso que vai acabar prescrevendo na Justiça e não colocará ninguém na cadeia nem fará também com que os prejuízos sejam ressarcidos aos cofres públicos. O Congresso deve desculpas pelo corporativismo que faz com que criminosos se protejam entre si naquela casa. O Congresso deve desculpas aos brasileiros pela produção intensiva de pizzas, numa CPI atrás da outra, por causa de conchavos, de dispositivos legais usados para bombardear todas as chances da boa apuração do que quer que seja. O Congresso deve desculpas por ter recriado a CPMF, que era para ser provisória, tendo durado mais tempo do que deveria, com outro nome. Há tanto para se desculpar ao povo brasileiro que não dá para citar tudo num simples artigo.
Então qual o motivo de todo esse festival de hipocrisia? Desacreditar as FFAA perante a opinião pública? Por quê? Medo de insurreição popular? Ora, já não se viu que as ruas do país são monopólio do crime organizado e dos arruaceiros dos chamados movimentos sociais — todos sustentados com verbas governamentais e outras ainda vindas do exterior, sob forma de doação? Medo de insurreição eleitoral? Com urnas eletrônicas sem voto impresso e com a permissão de que se minta descaradamente nos palanques eleitorais espalhados pelo país, sem falar no festival milionário de propaganda oficial do governo? Só pode ser brincadeira.
Chega de desculpas! Pedir desculpas não exime ninguém de crime que se tenha cometido. E muitos crimes, de toda a espécie, têm sido cometidos contra o país, contra a população brasileira. Para o crime, pode haver explicação, mas não desculpas. Para o crime, não se quer desculpas, mas punição.
Rebecca Santoro
rebeccasantoro@gmail.com
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