domingo, 4 de maio de 2008

Finalmente, Enfureci!

.Waldo Luís Viana
Acordei de madrugada, neste outono de terremoto, a pensar sobre o que aconteceu realmente em meu país. Todo mundo já disse tudo. A imprensa golpista, a imprensa esquerdista que não se diz golpista (aliás que caricatura grotesca o esquerdismo a favor!)  e fiquei matutando: o que nos aconteceu?
Os políticos continuam os mesmos, safados, entre uísques, interesses e amantes, procurando os seus cadinhos, como moscas em volta das fezes do poder. Uma Pátria dirigida por pútridos, em sucessão de escândalos que não dá pra registrar, empreiteiros, bicheiros, lobistas, vigaristas, assessores, falsos empreendedores com escritório de fachada, amantes em busca de carteiras gordas e uma gravidez premiada, traficantes pequenos e grandes, a cocaína e a prostituição à solta, a pornografia invadindo os olhos dos nossos filhos pela internet e a corrupção vitoriosa, tão inexcedível em seu poder de persuasão, que os corruptos levam os filhos de carro blindado para a escola e seus netos serão inevitavelmente chacinados por alguém, desesperado, que o gordo, careca, de terno cinza e gravata vermelha, com certeza no passado prejudicou...
O que aconteceu neste país que nossos vizinhos querem tomar nossas riquezas e os índios e ONGs estrangeiras nossos territórios e minerais? Onde generais, sempre ciosos do respeito à hierarquia, acalmam as suas mulheres nos travesseiros noturnos, dizendo que com certeza virá o próximo aumento para a tropa? E olha que mulher de militar é fogo, hein, tem coragem...
O Brasil, como dizia o velho general Golbery é um barril de pólvora. E dizia mais: entre sístoles e diástoles vamos desdobrando nosso vil destino, enquanto as maiorias não cobram o seu quinhão. Esperemos, pois, que a Rocinha desça um dia e tome São Conrado, onde reside o Sr. César Maia e outros que tais. Vai ser uma novela da Rede Globo. Ainda bem que o Projac fica mais longe...
Cá estou eu, diante do computador que ainda me resta, pensando em meu país, sem dormir, como o velho seringueiro de Mário de Andrade. De que adianta pensar que minha filha está longe e se atravessar minha cidade de madrugada possa levar uma bala perdida? E o festival em torno da morte da menina Isabella? A mãe verdadeira já está sendo envolvida por duplas caipiras e talvez se torne artista do próximo Big Brother...
Tudo nessa terra é banalização. Vivemos a morte bem morrida da ética. Eu também tenho os meus pecados, como cruel mortal, mas diante do que vejo, das carnificinas, das bocas de fumo, dos caveirões e fuzis AR-15, sou reles e ingênuo inocente.
Escritor e poeta com tantos livros a publicar, outros no estrangeiro porque minha gente não me deseja ler, porque não apanhei da ditadura (tinha quinze anos quando ela explodiu) e não posso nem requerer indenização...
O que aconteceu, meu Deus, a meu país, em que as mulheres precisam tirar a roupa para subir na vida e encontrar um figurão para escorar o divórcio. Em que as prostitutas são seres dos mais nobres porque fazem distribuição de renda: tiram dos homens mais velhos o dinheiro que revertem para os filhos mais novos, que não pediram para nascer...
E nossos aposentados, roubados a cada dia em seus proventos de vento, não podem recorrer a ninguém, já sem forças. Os que lhes esmagam serão velhos um dia também, mas vivem da esperança de repatriar o dinheiro de paraísos fiscais, onde os brasileiros detêm 150 bilhões de dólares e não receiam qualquer guerra e, no íntimo, fazem previsão meteorológica de que jamais haverá um tsunami no Caribe...
Nossos juros, os mais altos do planeta, para conter o egoísmo da inflação produzido por nossas elites. Nenhuma idéia nova. Só a mesma ortodoxia econômica da Escola de Chicago. Como se o sol nascesse a cada dia por causa do Itaú, do Bradesco e do Banco de Boston. Essas instituições não valem a beleza de um carvalho, nem o pescoço de uma vaca pendido no pasto...
O Brasil da dengue, dos seios siliconados, da febre amarela, do carnaval do abadá e do rouba-cá, das geladeiras novas do bolsa-família para poupar energia, enquanto entregamos Itaipu para o falsificado irmão Paraguai, da solidariedade latino-americana que é sempre contra nós, dos norte-americanos que ainda pensam que comemos bananas e temos cobras pelas ruas passando entre tiros de fuzil, pobre Brasil, em que os poetas não estão nas praças públicas, mas trombadinhas e mulheres grávidas morrem nas portas dos hospitais públicos, aqueles da saúde quase perfeita.
Afinal temos um PAC de placas, discursos e pedras fundamentais, pastores bandidos que devem ao fisco e não podem ser investigados porque têm bancadas parlamentares, um congresso fascista, movido a facções profissionais como queria Mussolini, e uma falsa esquerda, sempre ética antes de chegar ao poder e coberta de dossiês e socialismo de mercado quando encontra com ele. Pobre país em que temos quase 50 ministros, como na extinta União Soviética e 22 mil cargos de confiança, como em qualquer ditadura africana.
Onde isso tudo vai acabar? Em nada. Na minha cama, para onde irei como sempre, assustado, à espera do efeito do calmante...
Waldo Luís Viana é escritor e economista.
Rio de Janeiro, 24 de abril de 2008.
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