Na data de hoje, se vivo fosse, estaria sendo comemorado o centenário do Coronel de Cavalaria Ilus Fagundes Ourique Moreira, nascido em 24 de novembro de 1923 e falecido em 04 de maio de 2002.
Como Tenente-Coronel, ele Comandou o então 2º RRecMec (2º Regimento de Reconhecimento Mecanizado) de 08 Jul 1969 a 16 Jan 1972, merecendo uma referência especial quanto ao período em que esteve à frente daquela Organização Militar. Comandante exemplar, não comandou, divertiu-se por três anos fazendo o que gostava.
Era idolatrado pelos Soldados. Entre Oficiais e Sargentos havia restrições porque o expediente só encerrava quando TODAS as viaturas utilizadas nos exercícios diários estivessem limpas e recolhidas às garagens.
Seu gosto e dedicação profissional pode ser avaliado pela criação de um "redutor de tiro" para o canhão 37mm que equipava os carros de combate do Regimento. Tratava-se da adaptação de um cano de calibre .22 em uma munição inerte de 37mm. Com o artefato, que recebeu o nome de IFOM (iniciais do criador), os atiradores de canhão treinavam até mesmo no interior das garagens, em alvos colocados a pouca distância, simulando tiros reais em situações diversas.
Sobre sua mesa, no Gabinete de Comando, onde raramente era encontrado por preferir circular pela Unidade, havia uma grande foto do corpo trucidado do Tenente Alberto Mendes Júnior — Oficial da PMSP assassinado em 1970 —, para que ele jamais se esquecesse da missão que se impôs: caçar o desertor Carlos Lamarca e sua quadrilha.
Segundo um sobrinho dele, também Oficial de Cavalaria, o Coronel Ilus foi especialista em treinamentos de combate anti-guerrilha.
Certa vez, recebeu a missão de deter um sujeito acusado de terrorismo, para maiores esclarecimentos. Vestido de padre, para fazer a aproximação ao procurado, levava uma Bíblia na mão, com as páginas recortadas, de modo a caber a pistola .45 dentro. Ele se fazia de padre cego e o sobrinho o conduzia pelo braço como se fosse um sacristão, também com uma Colt sob a batina. Pegaram o sujeito sem maiores problemas.
a. A criação dos PELOPES
No começo de 1970, aproveitou a chegada, ao Regimento que comandava, de dois Aspirantes da AMAN, Ruy e Fleury, ambos Paraquedistas, um com o curso de Comandos, e o outro de Guerra na Selva; e lhes deu a missão de organizar, com seus pelotões, dois Pelotões de Operações Especiais (PelOpEs), um no Primeiro e o outro no Segundo Esquadrão.
Os PelOpEs treinavam na granja do Regimento, local hoje ocupado pelo 3ºBComEx (3º Batalhão de Comunicações do Exército), onde foi criado um pequeno local de instrução especial, com Pista de Reação composta por uma pista de cordas completa, em uma trilha com diversos tipos de obstáculos e armadilhas. Quando prontas as pistas, já em condições de iniciar as instruções, o Comandante perguntou se haviam testado tudo. Recebendo a resposta positiva, foi verificar e testar toda a pista, realizando a passagem por todos os obstáculos.
b. O treinamento diário da tropa
Era comum, antecedendo a Formatura Diária do Regimento, a saída de um ou dois Pelotões que tinham por missão instalar-se no terreno onde, mais tarde algum dos Esquadrões faria exercícios de atividades características de Cavalaria — Reconhecimento de Eixo, Área ou Zona; Segurança Interna, Ações Contraguerrilha, etc.
Um CCL M3A1 Stuart, em exercício. Imagem: Foto - coleção de Ricardo Fann |
Os Comandantes de Pelotão evitavam ao máximo realizar exercícios próximos a banhados ou áreas alagadas pois, inopinadamente, o Comandante do Regimento ia verificar como estavam se desenvolvendo as atividades. E, se houvesse um banhado por perto, era certa a determinação para que um carro de combate — na época o Regimento dispunha dos Carros de Combate Leve M3A1, conhecidos como "Pererecas" — fosse encaminhado para o banhado até atolar. Daí em diante, o Comandante se divertia escalando Cabos e Soldados para desatolarem a viatura (na época, praticamente todos os militares da OM tinham conhecimentos básicos para manobrar, não só as "Pererecas", mas TODAS as viaturas operacionais do Regimento). Quando já ninguém tinha esperanças de que a viatura fosse desatolada sem o auxílio do "Brucutu" — apelido do enorme guincho existente na 2ª CiaMéMnt (2ª Companhia Média de Manutenção), então vizinha do Regimento —, o Comandante jogava fora o charuto que permanentemente fumava, entrava no barro e dirigia o M3A1 para fora do lamaçal. Contam que somente em umas duas ou três vezes foi necessário chamar o "Brucutu" para desatolar um carro de combate do Regimento.
c. A "charanga" do Regimento
Ao assumir o comando, constatou que no Regimento só havia um bumbo, um tarol e três clarins para estimular o Regimento nas formaturas. Determinou, então, que se buscassem militares da Unidade que tivessem algum conhecimento musical, para fazerem parte da banda, e obtiveram mais um Cabo e seis Soldados para reforçar a "fanfarra" da Unidade. Logo, apareceu um Cabo que tocava pistom e clarim, além de estudar música. Isso elevou o nível da pequena banda. Com vários instrumentos adquiridos, a fanfarra chegou ao total de 25 componentes, passando a participar da Parada Diária, com o pessoal que entrava de serviço. O sucesso da fanfarra fez com que passasse a se apresentar em Colégios, Festas de Igreja, e até no Hospital Militar de Porto Alegre.
d. A recuperação "impossível" de um Carro de Combate acidentado
As viaturas de dotação do Regimento eram, além das cerca de três dezenas de CCL M3A1 — os "tanques" com treze toneladas de peso —; os blindados de transporte de tropa (meia-lagartas e "Scout-Car"), as viaturas anfíbias e os jeeps comuns, mais os veículos administrativos.
O Comandante do Regimento se orgulhava de que, nas comemorações do Dia da Independência, todas as viaturas de sua Unidade participassem do desfile.
Os carros de combate do Regimento, eram de um modelo que fizera sucesso nos desertos no norte da África durante a II Guerra Mundial, por sua capacidade de manobra — maior velocidade e facilidade de mudança de direção —, que dificultava seu enquadramento pelos artilheiros alemães.
Tratava-se de um veículo que dava muito prazer a quem o dirigia — apesar do ruído infernal em seu interior. Na década de 1970, não havia problemas com fornecimento de combustível para os veículos e era muito comum a saída deles para fazer "testes de pista" em ambiente externo, mais como treinamento dos motoristas do que por necessidade de "verificação".
O Comandante incentivava que todos os militares da Unidade soubessem, pelo menos, manobrar todos os tipos de viaturas operacionais orgânicas.
Em meados do mês de agosto, começavam os treinos para o desfile de 7 de Setembro; e em um desfile de treinamento, um Sargento que não era oficialmente habilitado para dirigir os CCL provocou um acidente que danificou o sistema de tração da "perereca" que conduzia.
De volta ao quartel, o Sargento dirigiu-se ao Comandante para relatar o ocorrido e a resposta foi simples, concisa e precisa, ao estilo da Cavalaria: há um problema e devemos resolvê-lo em curto tempo; você é responsável pelo desfile dessa viatura no próximo 7 de setembro. A questão disciplinar, veremos no dia 8.
A mensagem foi muito bem compreendida e o Sargento iniciou a desmontagem da frente do carro de combate para verificar a extensão do dano. Trata-se de uma blindagem com espessura de cerca de duas polegadas de aço, presa por dezenas de parafusos.
Praticamente todo o efetivo da Oficina Regimental uniu-se no trabalho, para ajudar o colega que era muito estimado por todos. Aberta a frente do veículo, foi verificado o problema. As esteiras do CCL eram tracionadas por polias dianteiras e o conjunto mecânico de tração era protegido, sob a blindagem, por um bloco de antimônio.
E um dos braços desse bloco simplesmente havia trincado com a pancada sofrida. Obviamente, esse tipo de bloco não é de fácil reposição; e o antimônio é um metal de dificílima soldagem.
Felizmente, em contato com um grande empresário da cidade, este se dispôs a paralisar os trabalhos de sua empresa — Metalúrgica Gerdau — para realizar o trabalho usando o seu equipamento de usinagem com a devida assessoria técnica.
O reparo na peça ficou perfeito e, o mais importante, completamente gratuito. Novo mutirão de mão-de-obra voluntária de 24 horas diárias para recolocar o conjunto de tração e a blindagem em seu lugar.
Na manhã do dia 5 (ou 6) de setembro, o Sargento estacionou CCL recuperado em frente ao Pavilhão Administrativo do quartel — depois de realizar diversos testes no terreno — e foi apresentar-se ao Comandante.
Este o parabenizou pelo trabalho realizado e pela capacidade de gerar a enorme solidariedade entre seus companheiros, que possibilitou a realização daquele tarefa em tempo inacreditável. E o CCL desfilou com as demais viaturas no Desfile do Dia da Independência.
e. A estreia do uso da Boina Preta no Exército Brasileiro
Em 1971, o Comandante decidiu que o Regimento desfilaria usando boina preta no 7 de Setembro, seguindo a tradição mundial de diversas tropas blindadas.
Usando recursos próprios da OM (granja, aluguel do campo de futebol, etc.) mandou medir a cabeça de todos da Unidade e confeccionar as novas coberturas de gala. Os Soldados amaram a ideia.
Já próximo à data do Desfile da Independência, o Escalão Superior (Comando do III Exército) foi avisado da novidade e, naturalmente, vetou a iniciativa, pois boinas pretas não faziam parte dos uniformes regulamentares do EB.
O Cavalariano não se abalou e repetiu (em outro episódio, já dissera isso ao Quatro-Estrelas) que quem mandava no Regimento era ele. E o 2ºRRecMec desfilou com sua tropa orgulhosamente usando boina preta no 7 de setembro de 1971.
Diz a lenda que isso foi o último prego no caixão de sua promoção ao Generalato. Mas o editor guarda com muito carinho a foto com boina preta, sabedor de que aquele desfile da Unidade — que, depois, receberia o nome histórico de "Regimento Marechal José Pessoa" — no Dia da Independência de 1971, inaugurava o uso da peça que hoje orgulha as tropas blindadas brasileiras.
f. Treinamento em Itapuã
Ainda em 1971, o Regimento foi responsável por um treinamento antiterrorismo, sigiloso, para pessoal que não era da Unidade.
Os trabalhos foram executados na região em que atualmente existe a Reserva Ecológica de Itapuã, bem ao sul de Porto Alegre, já no município de Viamão. Foi escalada uma equipe para estabelecer a segurança da área de instrução, particularmente na trilha que dava acesso à Praia de Fora, local das instruções. Era uma tarefa sigilosa. Nada do que ocorreu foi relatado no quartel, mesmo sob a pressão dos Comandantes de Esquadrão.
Na área, durante o dia, os Soldados só ouviam os ruídos. Muitas explosões e tiros. Ao entardecer, os Instrutores e Instruendos retornavam à cidade e a equipe de segurança se acomodava em uma das barracas militares. Em outras, ficava o material: alvos diversos, armas diferentes das que eram usualmente usadas, e os cunhetes com explosivos e munições. O próprio Comandante autorizou que a equipe instalasse alvos e treinasse atirando com os mosquetões e pistolas. Pela manhã, chegava com pacotes de cigarros de presente para a "guarda".
Alguns fatos marcaram o treino: um foi o acidente com uma espoleta, que feriu um dos Instruendos. Ele foi levado ao Pronto Socorro. O problema de explicar o ocorrido, sem revelar a operação de instrução nem a identidade do ferido, foi contornado pela explicação de que se tratava de um mendigo que circulava no acampamento militar em busca de sobras de ração militar, e havia se aproximado de um artefato que explodira. O oficial que havia levado o ferido ao hospital percebeu o olhar de espanto do médico atendente ao ver um anel de graduação do dedo do "mendigo" ferido. O médico pode ter se espantado, mas não ousou questionar o relato.
Outro incidente foi um temporal noturno cuja ventania ameaçava carregar as barracas de lona. Foi uma trabalheira enorme desmontar as barracas e transportar o material mais sujeito a dano pela umidade, para um dos caminhões que permaneciam no local, para suprir alguma necessidade de transporte de emergência. Dormir na carroceria do caminhão, sobre a carga, não foi uma tarefa fácil.
Também ficou na memória um pequeno passeio pela região, acompanhando o Comandante. Em certo momento, uma perdiz alçou seu voo barulhento, e o Tenente-Coronel Ilus, instintivamente, sacou sua pistola e abateu a ave. Completou dizendo para o Soldado Leite, um dos que o acompanhavam: "Vá buscar e não desperdice! Não é todo dia que se pode comer perdiz abatida com 45.".
Ninguém saberia dizer se foi boa pontaria ou sorte do atirador.
g. O atraso do General e a chuva
O General Comandante do então III Exército — hoje Comando Militar do Sul — agendou uma visita ao 2ºRRecMec. Selecionado o efetivo de um Esquadrão para fazer a Guarda de Honra para recepcionar a autoridade, passam alguns dias de treinamento para que não houvesse nenhum contratempo.
Na data aprazada, 07:30 horas, a Guarda de Honra forma ao longo da Av Orleans para receber o Comandante das tropas do Exército de toda a região Sul — Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul —, que deveria chegar às 08:00 horas.
Por seu porte físico, este redator foi escalado para fazer parte da Guarda da Bandeira, grupo destacado que guarnece o deslocamento de um Oficial conduzindo o Pavilhão Nacional nos desfiles.
Por volta das 08:00 horas, cai uma chuvarada e nada do General. Este chega cerca de meia hora depois. Desce da viatura oficial e empertiga-se para receber as honras militares devidas. Toque de clarim, continência coletiva, e o Comandante do Regimento faz a apresentação regulamentar da tropa: "Tenente-Coronel Ilus, apresento-vos a tropa do 2ºRRecMec em forma, pronta". Até aí, tudo bem. E continuaria bem, se o Ten Cel Ilus não tivesse acrescido um adendo à sua apresentação:
— "se Vossa Excelência tivesse chegado no horário previsto, ou mandasse avisar que iria se atrasar, minha tropa não tomaria um banho desnecessariamente!"
Isto foi dito em alto e bom som — o pessoal da Guarda da Bandeira, em frente a qual acontecia aquilo, ficou estupefato. O General escancarou os olhos, não acreditando no que acabara de ouvir, e só conseguiu balbuciar um tímido pedido de desculpas. E a revista à tropa prosseguiu.
h. As apresentações do Cascavel e do Urutu
O Carro de Combate Sobre Rodas, precursor do EE-9-Cascavel estava, ainda, em sua fase de construção e um protótipo, com canhão 37mm, além de um exemplar do futuro Carro de Transporte de Tropa (Urutu) chegaram ao Regimento, trazido por um Coronel e equipe da Engesa (empresa fabricante). Tratava-se do irmão do Comandante do Regimento, Cel Argos Fagundes Ourique Moreira, Engenheiro Militar, depois General — cujo nome hoje é ostentado como denominação histórica pelo 8º Batalhão Logístico, de Porto Alegre e pelo Centro Tecnológico do Exército, no Rio de Janeiro, do qual foi o primeiro Chefe.
O Ten-Cel Ilus, acompanhou a visita e as demonstrações da nova viatura. Feitas as exibições previstas, no pátio de formaturas da Unidade, o Coronel convidou seu irmão para que os protótipos mostrassem seu desempenho na "pista de provas" da OM — localizada onde hoje se situa o “Parque Residencial Dr Ernesto Di Primio Beck”. Terreno limitado, grosso modo, pelas Avenidas da Serraria, Araranguá e Orleans — onde havia diversos tipos de obstáculos, que era usado na formação dos motoristas do Regimento. Posteriormente, as viaturas experimentais foram levadas até a área do Pontal das Desertas, onde hoje existe a Reserva Florestal de Itapuã, como parte de sua apresentação.
Os protótipos das novas viaturas blindadas não tiveram um desempenho considerado bom pelo Ten-Cel Ilus, que troçava o irmão mais antigo, afirmando que sempre confiaria mais nas "Pererecas" do que naquele "trambolho" sobre rodas.
i. A "fuga" dos terroristas presos
As notícias sobre os crimes cometidos por terroristas membros das diversas quadrilhas que pretendiam implantar uma ditadura comunista no Brasil eram comuns. A capital gaúcha não era tão afetada quanto os grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo, mas houve casos de assaltos a bancos, restaurantes de luxo, tentativa de sequestro do cônsul norte-americano e outros atos aproveitando exatamente o fato de Porto Alegre ser uma das cidades mais discretas no conjunto das capitais. Isto não era tranquilizador. Pelo contrário. Vivia-se a expectativa de que a onda de atentados fosse se afastando do centro do país e migrasse para locais mais calmos. E a tensão dessa expectativa refletia-se na instrução dos militares em geral, até mesmo dos recrutas.
O treinamento para o combate convencional era intenso, mas sempre eram inseridos ensinamentos colhidos sobre guerra irregular, de guerrilhas. As lições aprendidas na guerra do Vietnã, sobre armadilhas, ações de sabotagens e emboscadas da guerrilha eram rapidamente difundidas nos quarteis.
Ficou na memória de muitos a recomendação que um Tenente costumava fazer em suas recomendações ao pessoal da guarda, quando ele estava escalado de serviço: "se algum invasor entrar aqui e conseguir fugir, é bom que os sobreviventes da guarda fujam junto, porque os que eu encontrar, eu mato!"
Pois nesse ambiente pesado, um pequeno grupo de Aspirantes-a-Oficial Temporário se apresentou na Unidade para o Estágio prático. No mesmo dia, um deles foi "escalado" como Auxiliar do Oficial de Dia.
As instruções do serviço começam e ele assiste o Oficial-de-Dia realizar a inspeção na cela de um dos prisioneiros que cumpria pena no quartel, não sem antes ouvir uma preleção sobre a periculosidade dos encarcerados, condenados por terrorismo. O Tenente efetua a revista pessoal no preso e em seus pertences.
E seguem para a outra cela, onde há dois presos. Eles se posicionam com as mãos na parede na posição para serem inspecionados e o Tenente manda que o Aspirante execute o procedimento que assistiu no xadrez anterior.
O inexperiente jovem começa a verificação em um dos reclusos, mas é rapidamente subjugado pelos cativos, que lhe tomam a pistola que portava e o ameaçam com ela. Os bandidos exigem que lhes entreguem um automóvel para a fuga, ameaçando matar o jovem Aspirante na frente de todos. A gritaria e a balbúrdia se instalam. A guarda não reage para não instigar a iminente execução do jovem aprisionado, que ainda tenta ser valente e grita para que não atendam os bandidos.
Toma uma pancada na cabeça com a pistola e a valentia acaba. Um sedã VW é trazido e os três embarcam. O condenado ao volante arranca rapidamente e toma o rumo da "pista de provas", área de instrução em frente ao quartel, onde "desovam" seu prisioneiro, que volta apavorado para o quartel. No Corpo da Guarda, oficiais e sargentos aguardavam e o encaminharam ao Comandante, para que explicasse como havia facilitado a fuga dos dois criminosos mais perigosos da época. Aquele terror todo durou o resto da manhã, até que revelaram ao grupo de Aspirantes que tudo não havia passado de um "trote" aplicado ao grupo.
Os dois "fugitivos" eram os Tenentes Rui e Fleury. Os outros presos, realmente condenados, já não representavam risco de fuga por já terem reconhecido seu arrependimento pelos erros cometidos e estarem em busca de diminuição de suas penas pelo bom comportamento.
Cabe destacar que, fosse em uma situação real, os presos provavelmente teriam sido fuzilados ainda no Corpo da Guarda, mesmo com o risco do Aspirante refém sofrer algum efeito colateral.
Após deixar o Comando da Unidade, o Coronel Ilus permaneceu em Porto Alegre, indo servir no QG do III Exército. Gostava de visitar o "seu" Regimento. Ia lá almoçar e participar das marchas a pé. As realizava, armado e equipado, deslocando-se à frente da tropa, com o capacete de aço debaixo do braço.
Outros fatos poderiam ser relatados, todavia devem permanecer somente na memória dos envolvidos. Nenhum deles que desmereça a memória do Cel Ilus.
Poucas vezes voltei a encontrar meu Comandante e amigo, uma delas, em 1974, no QG do III Exército, quando fui me aconselhar a respeito da promoção à graduação de Cabo, frustrada por uma decisão questionável do então Comandante da Unidade — dele ouvi uma sábia lição: o Exército, com seus Regulamentos, se é uma Instituição que beira a perfeição, mas é composto por pessoas e estas são sujeitas a falhas. O último contato que tivemos foi no final da década de 1980 quando, já Sargento, fui visitá-lo no escritório da Bernardini, em que ele, na Reserva, trabalhava; em um prédio na esquina da Av. Borges de Medeiros com a Rua dos Andradas no centro de Porto Alegre.
Um dia (04 Maio 2002), se foi esse que foi tido como profissional exemplar. Nas palavras de seu sobrinho: em solitária e pacífica morte súbita, na abençoada morte rápida, tomando banho. Morreu, fazendo da morte uma surpresa. Coisa bem típica de Cavalaria, pegando todo mundo "pelo flanco".
Alguns dias antes do seu falecimento, telefonara para o sobrinho, também Oficial de Cavalaria. Já idoso e viúvo, disse que tinha algumas armas em casa e gostava de treinar atirando com arma de pressão, dentro da própria residência, em alvos que montava no corredor do imóvel.
Um grande exemplo de militar que soube guardar e seguir as tradições do Marechal Osório.
5 comentários:
O Coronel Ilus ,quando foi para a reserva, morava na rua Cauduro e seguidamente atravessava a Redenção a pé para encurtar caminho . Certa vez dois elementos tentaram assaltar aquele velhinho careca e só não conseguiram porque em fração de segundos estavam na mira da sua inseparável 45.
Tive a honra de servir com esse destemido Comandante do 2°RCMEC o Cel Ilus. O relato do Ferraz relembra muitos acontecimentos protagonizados pelo Cel Ilus. No entanto, há muitos outros que dariam um livro. Grande homem e militar de estirpe.
Parabéns Ferraz.
2°Ten R2 Cav Marc.
Cel. Cav. Ilus Fagundes Ourique Moreira, exemplo de militar e pessoa; meu tio e padrinho. Quando, em férias, em Porto Alegre e também na casa de praia no Imbé, passávamos horas conversando e tomando cerveja. Como o relato acima diz, o Cel. morava na Av. Cauduro, esquina com Oswaldo Aranha, da janela de seu apartamento se visualizava o Auditório Araújo Viana, na Redenção. A leitura das histórias e façanhas do Coronel, me trouxeram diversas lembranças, de histórias relatadas já conhecidas por mim e algumas desconhecidas e outras tantas que não foram mencionadas. A história do abate da perdiz me fez lembrar de um caso parecido, na fazenda do irmão de sua segunda esposa (meu tio) em uma conversa de como fazer pontaria em uma caçada, sacou a pistola que trazia à cintura e explicando que era só empunhar na direção do alvo e atirar, mas nesse gesto ninguém esperava que ele fosse atirar realmente, mas pra surpresa e susto de alguns ele atirou, acertando o fio que levava energia a casa da fazenda, deixando tudo no escuro até o dia seguinte. Parabéns pelo texto, mas o Coronel Ilus trabalhou na Bernardini e não na Engesa como mencionado. Na Bernardini esteve no processo de modernização dos Carros de Combate M41 adquiridos dos EUA e também a frente do projeto do MB-3 Tamoyo, carro de combate nacional, que infelizmente, por falta de interesse e apoio não foi adotado. Na casa de praia no Imbé, diversos pôsteres dos veículos emolduravam as paredes da sala, um deles em especial onde o motorista de um M41C era o próprio coronel. O mesmo era viúvo do primeiro casamento; depois se casou com minha tia (irmã do meu pai).
2° Ten.Com.R/2 Nunes
Grato por sua leitura e colaboração. Já consertei o nome da empresa na qual meu estimado Primeiro Comandante labutou. Infelizmente, por volta de 2007 estive no apartamento da Rua Cauduro para pedir uma foto da qual o Cel Ilus gostasse, para ilustrar minha despedida do serviço ativo, e senti um certo receio da pessoa que me atendeu, em atender meu pedido. Entendi a situação e consegui a foto que ilustra esta publicação.
Se quiser colaborar com mais alguma coisa sobre seu tio, me agradaria muito um contato.
Eu que agradeço em manter viva a memória de meu padrinho. E como dito existem muitas histórias que foram deixadas de fora que dariam um livro, nacionais e internacionais. É só mandar um email ou telefone pra contato.
Postar um comentário