por Alicia Mendez
Velas, imagens de demônios, ossos e altares, são alguns dos elementos a que já estão acostumados os integrantes das Forças Armadas e da Polícia que lutam contra o narcotráfico e que os encontram continuamente nos operativos contra as redes criminais que fazem presença no país.
Essas crenças dos traficantes de drogas tornaram-se tão populares entre os grupos ilegais que até mesmo o acompanhamento das 'bruxas' ou 'videntes' a serviço de redes ilegais tem permitido chegar a grandes traficantes que colocaram nessas práticas a proteção de seus carregamentos de drogas e a tarefa de garantir sua própria segurança.
As autoridades têm indícios da transferência de "bruxos" para os estuários onde os narcotraficantes mandam construir submersíveis e semi-submersíveis que depois enchem de coca e lançam ao mar, para os benzerem e 'amarrarem' com bonecos e imagens que os impeçam de serem apreendidos pelas autoridades.
À parte dessas crenças tão arraigadas nas organizações ilegais, os homens e mulheres que integram a Marinha Nacional cumprem sua missão de desenvolver operações de interdição marítima e fluvial em todas as costas do país.
Mas há uma operação que marcou a história da Força Naval do Pacífico, que é responsável pela soberania e segurança de Punta Ardita/Chocó, a Candelilla de la Mar/Nariño (fronteira com o Equador), uma área que equivale a 339.500 Km² de área marinha e 1.300 quilômetros de costa.
A operação parecia rotineira e consistia em emergir (retirar do mar) um semi-submersível que os narcotraficantes afundaram, com duas toneladas de cocaína, para evitar o processo judicial. As redes ilegais instalam mecanismos artesanais em seus semi-submersíveis, que lhes permitem naufragar quando descobertos pelas autoridades e, assim, por a perder todas as provas do tráfico.
Punta Aji |
A partir da base de operações da Força Naval do Pacífico, foi lançada a operação para localizar a nave. De fato, uma equipe da Guarda-costeira a detectou nas proximidades da Ilha Górgona, mas quando chegaram ao ponto, encontraram apenas três náufragos — dois equatorianos e um colombiano — que disseram que seu barco havia tido uma falha e afundado. Não havia nenhum vestígio da embarcação em que as drogas eram transportadas para os mercados internacionais.
Os guardas-costeiros da Unidade de Reação Rápida tinham convicção de que os náufragos eram tripulantes do barco e que, ao perceberem os agentes, abriram as válvulas no fundo do barco para fugir da justiça.
Sem barco e sem drogas, o pessoal da Marinha não tinha como apresentar os náufragos — cujas vidas foram salvas — à autoridade competente como traficantes de drogas, para registrar o processo.
O começo da história
“Não permitir tal zombaria à justiça tornou-se um desafio para o pessoal da Força, que decidiu lançar uma gigantesca operação para localizar e recuperar o semi-submersível, na qual nossos mergulhadores foram os protagonistas”, disse o contra-almirante Orlando Alberto, comandante da Força-Tarefa Antidrogas Poseidon.
Foram necessários 10 dias para resgatar a nave. Foto: Força Naval do Pacífico |
Esta força-tarefa tem seu posto de comando em Tumaco, Nariño, e é uma das unidades de elite da Força Naval do Pacífico, desde onde se coordenam ações de bloqueio de passagem às quatro redes de narcotraficantes dos dissidentes das FARC, que agem na Costa do Pacífico em Nariño e que disputam o controle do milionário comércio ilegal.
A conversa sobre a operação se espalhou entre os moradores. "A Marinha vai procurar o barco", começou a se ouvir na área, e logo surgiram vozes garantindo que não iriam conseguir, não por motivos técnicos ou pelas dificuldades inerentes a este tipo de operação, mas pela crença atribuída ao sobrenatural.
“Isso não se recupera, isso está benzido”, começaram a dizer algumas pessoas da região. Outros afirmaram: "Não, eles amaldiçoaram, isso é maldito, isso é do diabo." E os mais ousados sentenciavam: “Essa carga não será resgatada porque pertence ao diabo, ao 'Filho do Diabo'”.
Como resultado desses avisos feitos na região, o semi-submersível terminou batizado como 'Filho do Diabo'.
A história foi contada na base de operações da Força Naval do Pacífico, na Bahia Málaga, Valle del Cauca, pelos mergulhadores que participaram da operação de resgate do semi-submersível, que foi recuperado.
“A primeira coisa que foi feita foi localizar o semi-submersível por meio de algumas sondas de eco. Já no ponto, os mergulhadores submergiram e identificaram-no, iniciando a manobra de resgate para trazer à tona a coca que estava lá dentro e poder apresentar os supostos náufragos ao juiz, para sua judicialização”, afirmou o Major Juan Manuel Arenas Suárez, comandante do Grupo de Mergulho do Pacífico.
O semi-submersível foi localizado por mergulhadores a uma profundidade de 110 pés (cerca de 33 metros) nas proximidades do Parque Nacional Ilha Górgona.
Como foi realizada a operação de reflutuação?
Localizada a embarcação, lembrou o Major Arenas Suárez, surgiu outro problema: “Evitar a todo custo que o combustível (óleo diesel) que ela transportava fosse derramado no processo de salvamento, para não impactar o meio ambiente”.
O Major Arenas indicou que, um a um, e com um trabalho meticuloso que demorou várias horas, os mergulhadores extraíram os pacotes de coca, que eram a prova principal para processar os três homens associados àquele navio. Além disso, a análise da documentação de cada remessa permitem elaborar processos contra os que estão por trás dos crimes. Neste caso, a investigação indicou que a droga pertencia aos dissidentes da 29ª frente das FARC.
A próxima etapa foi resgatar o submersível, que afundou quase verticalmente — cravando no fundo — em 40% (cerca de 22° de inclinação). “Então, para quebrar a sucção do fundo, porque a nave continuava presa, fizemos um 'brainstorm de ideias', com todo o pessoal da Força, para estabelecer a manobra adequada”, disse o chefe dos mergulhadores, que destacou que a experiência e o estudo da Física que tinham os homens da Marinha, acabaram jogando a favor do time que tinha a missão de recuperar a nau.
A recuperação de semi-submersíveis tem sido uma das principais operações dos mergulhadores da Marinha. Foto: Força Naval do Pacífico |
10 dias de operação
Na verdade, o Major Arenas lembrou que trabalharam por 10 dias para fazer o barco boiar, após ter sido estabelecido um ponto de tração.
Os mergulhadores, cujo curso de salvamento tem duração de 18 meses (por ser tecnólogo), mergulharam em duas modalidades que exigem um treinamento rigoroso. O primeiro, full face, com uma máscara de última geração que cobre todo o rosto, com comunicação entre os mergulhadores e o supervisor, e a obtenção de imagens em tempo real, o que permite reagir e coordenar as operações de forma mais eficaz. Outro grupo agiu de forma semi-autônoma, quando o ar é levado até eles desde a superfície.
Estar a 35 ou 36 pés de profundidade é chegar quase ao limite da resistência do corpo humano submerso no mar. “A princípio não achávamos que [a nau afundada] resistiria ao puxão, mas com o apoio do nosso navio anfíbio de desembarque, BDA, a âncora foi lançada e instalado um guincho (equipamento com braço e polia, que permite levantar uma carga por meio da tração do cabo que passa por ela)”, explicou o policial.
Os fardados sabiam que cada passo da operação estava sendo seguido com interesse na área e que apostas eram feitas, até mesmo entre integrantes de redes criminosas, que insistiam que esse semi-submersível jamais poderia ser retirado do local.
O guincho ficou em operação a noite toda, eles se revezaram para não perder um minuto e no dia seguinte conseguiram soltar o semi-submersível do fundo marinho.
A embarcação BDA utilizada na operação foi construída na Colômbia na Empresa de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento da Indústria Naval Marítima e Fluvial (Cotecmar) e está configurada com suporte hiperbárico, plataforma de mergulho, apoio logístico e manobra de resgate, para a capacidade de seu guindaste.
Após soltar a estrutura do fundo do mar, iniciou-se outra etapa que exigiu igual cuidado: deslocá-la para uma área com menor profundidade para que os mergulhadores pudessem trabalhar em melhores condições e o navio fosse finalmente trazido à superfície.
O 'Filho do Diabo', com 20 metros de comprimento por 2 metros de largura, agora faz parte do Museu de Submersíveis, localizado na sede da Base Naval do Pacífico, onde contam a história com orgulho, pelo valor de cada um dos que participaram da manobra de recuperação da embarcação.
Lá, junto com outros navios apreendidos pela Marinha, é exposto e mostrado aos uniformizados recém-chegados à unidade militar com a mensagem de que tudo é possível e que nem mesmo as crenças dos narcotraficantes poderão impedir o avanço das autoridades.
Alicia Liliana Méndez
Editora Adjunta de Justiça
@AyitoMendez
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Fonte: tradução livre de
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