por Janer Cristaldo
Que jovens cometam besteiras, nada de anormal. É típico dos jovens. Gosto de citar Roberto Arlt: “Com quem faremos a revolução? Com os jovens. São estúpidos e entusiastas”.
Antes de ir adiante, já vou anunciando a breve reedição de minha tradução de Os Sete Loucos, em versão eletrônica, como também a de Os Lança-chamas, que na verdade constituem um só livro. Quem viver, lerá. Volto aos jovens.
Alguém ainda lembra do Occupy Wall Street? Dos indignados de Madri? Dos incêndios e depredações em Londres? Se alguém ainda lembra, pergunto: resultaram em quê? Além dos prejuízos às prefeituras e particulares, o resultado foi redondamente zero. Que jovens cometam besteiras, dizia, nada de anormal.
Anormal é ver a imprensa — que não é constituída exatamente por jovens — buscando encontrar motivações nobres e altruístas para o vandalismo e açulando os malucos de todos os países para partir para a depredação. Jornalista não é ingênuo. Pode ser mau caráter, mas ingênuo não é.
Não faltará quem fale em primavera paulistana — escrevi há pouco. Bom, em primavera paulistana não se falou. Os defensores incondicionais dos jovens foram mais longe: falaram em primavera brasileira. Já há quem compare a baderna a Maio de 68, esta formidável ficção criada pela imprensa. Pois Maio de 68, quando tido como revolução, não passa de ficção.
Pas de sang, trop de sperme — dizem os franceses ao referir-se àquele maio. Quais transformações decorreram de lá para cá? Que me conste, a Sorbonne deixou de chamar-se Sorbonne e as universidades parisienses passaram a ser designadas por números. Ah! e foi criada a famosa Paris 8 — ou Paris Vincennes — chamada por uma ministra da Educação de poubelle du Thiers Monde, isto é, lata de lixo do Terceiro Mundo.
A universidade criada em 68 era tão reputada que seus egressos não ousavam dizer seu nome, digo, seu número. Quando alguém diz ser formado pela Université de Paris, desconfie. Tem boas chances de ser formado pela Paris 8. Este foi o saldo de 68. O resto é criação das mentes férteis do jornalismo.
Ainda há pouco, um leitor me objetava: mas e a condição subalterna das mulheres antes de 68? E os homoafetivos que eram vistos como não-humanos? Condição subalterna das mulheres na França de Mistinguett, Edith Piaf, Simone de Beauvoir, Marguerite Yourcenar? A condição de mulher livre da Beauvoir era tão pública e notória que, ao publicar O Segundo Sexo, o escritor católico Paul Claudel comentou: “Mais on sait déjà tout sur le vagin de cette dame”. E quando Yourcenar foi saudada como a primeira mulher a entrar na Academia de Letras Francesa, não faltou quem comentasse: você tem certeza?
Por outro lado, em 68 não existiam homoafetivos. Eram homossexuais mesmo. Aliás, homoafetivos só existem no Brasil. No resto do mundo, atendem pela antiga nomenclatura. Mas pode-se dizer que eram vistos como não-humanos, na França de Verlaine e Rimbaud, Proust e Gide, Jean Cocteau e Jean Genet?
Proust foi celebrado como gênio. Gide foi prêmio Nobel em 1947. Mas já no início do século fazia a franca defesa do homossexualismo, em Corydon. Gostava de caçar carne fresca em mictórios públicos. Alertado por amigos de estar se expondo demais, foi objetivo: “Mon Nobel me donne couverture”.
É fácil atribuir, ao longo do tempo que passa, virtudes a um movimento, virtudes que este movimento não teve. Hoje, o tempo nem precisa passar, a ficção vai sendo elaborada na hora. Os celerados que têm como bandeira o transporte gratuito — e só por isso deviam ser considerados inimigos de todo cidadão que trabalha e vai acabar pagando por tal transporte gratuito — já são vistos como sonhadores de um mundo melhor.
Temos um exemplo lapidar no Brasil da atribuição de virtudes inexistentes a movimentos sociais. Os vândalos de hoje já estão sendo comparados aos cara-pintadas de 92, que “derrubaram Collor de Mello”. Ora, os tais de cara-pintadas, que saíram às pressas às ruas para não perder a ocasião de posar para a imprensa, não derrubaram ninguém. Quem derrubou Collor foi o Congresso. E por que derrubou? Porque Collor, jovem e arrogante, não comprou o voto dos congressistas. Tivesse pensado em um mensalão, teria sido reeleito. Pode-se até mesmo dizer que quem derrubou Collor foi o próprio Collor de Mello.
No fundo dos protestos no Ocidente há uma nítida vontade marxista que não ousa mais dizer seu nome, a derrubada do capitalismo. Que ninguém os compare com os protestos no mundo árabe, onde há um desejo de capitalismo e liberdade. Aliás, já nem se ousa pronunciar o nome da coisa abominável. A palavrinha criada por Marx tornou-se tão obsoleta quanto Marx. Fala-se então em neoliberalismo.
Acontece que o capitalismo — ou neoliberalismo, como quiserem — emergiu triunfante na história após a derrocada do socialismo soviético. Ainda há pouco, um jornalista da Veja manifestava seu espanto ante o fato de que uma universidade patrocinasse cursos de marxismo. Ora, quem mais vai patrocinar? Por uma universidade veio o marxismo ao Brasil, a USP. Hoje, só universidades podem financiar utopias desvairadas.
“Não é preciso doutorado em sociologia ou psicologia para saber que, quanto mais violência for usada contra os jovens, maior será a violência de sua reação — escreveu ontem no Estadão Juan Arias, correspondente do El País no Brasil. Sempre se disse que os jovens têm vocação para incendiário, até que completam 40 anos e passam a agir como bombeiro para apagar o fogo da contestação. Se movimentos de pessoas indignadas em todo o mundo fizeram amanhecer novas primaveras de esperança de mais democracia, é de se esperar que também o Brasil saia dessas manifestações de rua e protestos por causas justas mais fortalecido em sua democracia, conquistada com tanta dor, tortura e morte. Um país que encurrala seus jovens por medo de suas reivindicações é um país perdedor”.
Pretende o correspondente que o Estado entregue as cidades aos predadores? Que a polícia contemple de braços cruzados os “jovens” quebrando ônibus, metrôs e bancos? Quando que movimentos de pessoas indignadas em todo o mundo fizeram amanhecer novas primaveras de esperança de mais democracia?
Movimentos de pessoas indignadas só conturbam as cidades e atrapalham a vida de quem os sustenta. Pois são pessoas que não trabalham. Quem trabalha, não tem tempo nem disposição para ir até as ruas para enfrentar a polícia. Há jornalistas pretendendo apagar fogo com gasolina.
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