terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Crime Segundo Lombroso

por Mauricio Jorge Pereira da Mota
Cesare Lombroso (1835-1909) foi um homem polifacético; médico, psiquiatra, antropólogo e político, sua extensa obra abarca temas médicos (“Medicina Legal”), psiquiátricos (“Os avanços da Psiquiatria”), psicológicos (“O gênio e a loucura”), demográficos (“Geografia Médica”), criminológicos (“L’Uomo delincuente”).
Lombroso entende o crime como um fato real, que perpassa todas as épocas históricas, natural e não como uma fictícia abstração jurídica. Como fenômeno natural que é, o crime tem que ser estudado primacialmente em sua etiologia, isto é, a identificação das suas causas como fenômeno, de modo a se poder combatê-lo em sua própria raiz, com eficácia, com programas de prevenção realistas e científicos.
Para Lombroso a etiologia do crime é eminentemente individual e deve ser buscada no estudo do delinqüente. É dentro da própria natureza humana que se pode descobrir a causa dos delitos.
Lombroso parte da idéia da completa desigualdade fundamental dos homens honestos e criminosos. Preocupado em encontrar no organismo humano traços diferenciais que separassem e singularizassem o criminoso, Lombroso vai extrair da autópsia de delinqüentes uma “grande série de anomalias atávicas, sobretudo uma enorme fosseta occipital média e uma hipertrofia do lóbulo cerebeloso mediano (Vermis) análoga a que se encontra nos seres inferiores” .
Assim, surgiu a hipótese, sujeita a investigações posteriores, de que haveria certas afinidades entre o criminoso, os animais e principalmente o homem primitivo, que ele considerava diferente, psicológica e fisicamente, do homem dos nossos tempos.
Lombroso empreende um longo estudo antropológico no seu livro “L’Uomo delincuente” acerca da origem da criminalidade. Professando um particular evolucionismo, Lombroso procura demonstrar que o crime, como realidade ontológica, pode ser considerado uma característica que é comum a todos os degraus da escala da evolução, das plantas aos animais e aos homens; dos povos primitivos aos povos civilizados; da criança ao homem desenvolvido. O “crime” teria como característica ser extremamente freqüente, brutal, violento e passional nos níveis inferiores dessas escalas.
Assim Lombroso vai teorizar acerca dos equivalentes do crime nas plantas e nos animais (“L’Homme Criminel, chapitre premier), a morte de insetos pelas plantas carnívoras (“homicídio”), a morte para ter o comando da tribo entre os cavalos, cervos e touros (“homicídio por ambição”), a fêmea do crocodilo que mata seus filhotes que ainda não sabem nadar (“infanticídio”), as raposas que se devoram entre si e algumas vezes mesmo devoram suas progenitoras (“canibalismo e parricídio”).
Entre os chamados “selvagens” ou “povos primitivos” Lombroso também encontra a incidência generalizada do crime. O incremento excessivo da população, comparativamente aos meios naturais de subsistência explicaria os abortos e os infanticídios. São também comuns e frequentes segundo Lombroso o homicídio dos velhos, das mulheres, dos doentes, os homicídios por cólera, por capricho, de parentes por ocasião do funeral de morto importante, por sacrifícios religiosos, os cometidos por brutalidade ou por motivo fútil, os causados por desejo de glória etc..
São ainda comuns entre os selvagens o canibalismo, o roubo, o rapto, o adultério e os crimes contra a autoridade (chefes, deuses ou a própria tribo).
Dentro da idéia evolucionista lombrosiana (de passagem [física ou psíquica] do organismo mais simples para o mais complexo) os germes da loucura moral e do crime se encontram de maneira normal na infância.
Lombroso advogava a existência na infância de uma predisposição natural para o crime. As analogias entre o imaturo e o criminoso se dariam na fase da vida instintiva, através da qual se observa a precocidade da cólera, que faz com que a criança bata nos circunstantes e tudo quebre, em atitudes comparáveis ao comportamento violento criminoso. O ciúme, a vingança, a mentira, o desejo de destruição, a maldade para com os animais e os seres fracos, a predisposição para a obscenidade, a preguiça completa, exceto para as atividades que produzem prazer, são, entre outros, índices que Lombroso apontou, das tendências criminais na infância. A educação conduziria, porém, a criança para o período de “puberdade ética”, submetendo-a a profunda metamorfose.
Identificando pois a origem da criminalidade, como ontologia, nessas “fases primitivas” da humanidade, Lombroso entende que o criminoso é uma subespécie ou um subtipo humano (entre os seres vivos superiores, porém sem alcançar o nível superior do homo sapiens) que, por uma regressão atávica a essas fases primitivas, nasceria criminoso, como outros nascem loucos ou doentios. A herança atávica explicaria, a seu ver, a causa dos delitos.
O criminoso seria então um delinqüente nato (nascido para o crime), um ser degenerado, atávico, marcado pela transmissão hereditária do mal. O atavismo (produto da regressão, não da evolução das espécies) do criminoso seria demonstrado por uma série de “estigmas”. De acordo com o seu ponto de vista, o delinqüente padece de uma série de estigmas degenerativos, comportamentais, psicológicos e sociais.
O criminoso nato seria caracterizado por uma cabeça sui generis, com pronunciada assimetria craniana, fronte baixa e fugidia, orelhas em forma de asa, zigomas, lóbulos occipitais e arcadas superciliares salientes, maxilares proeminentes (prognatismo), face longa e larga, apesar do crânio pequeno, cabelos abundantes, mas barba escassa, rosto pálido.
O homem criminoso estaria assinalado por uma particular insensibilidade, não só física como psíquica, com profundo embotamento da receptividade dolorífica (analgesia) e do senso moral. Como anomalias fisiológicas, ainda, o mancinismo (uso preferente da mão esquerda) ou a ambidextria (uso indiferente das duas mãos), além da disvulnerabilidade, ou seja uma extraordinária resistência aos golpes e ferimentos graves ou mortais, de que os delinqüentes típicos pronta e facilmente se restabeleceriam. Seriam ainda comuns, entre eles, certos distúrbios dos sentidos e o mau funcionamento dos reflexos vasomotores, acarretando a ausência de enrubescimento da face.
Consequência do enfraquecimento da sensibilidade dolorífica no criminoso por herança seria a sua inclinação à tatuagem, acerca da qual Lombroso realizou detidos estudos.
Os estigmas psicológicos seriam a atrofia do senso moral, a imprevidência e a vaidade dos grandes criminosos. Assim, os desvios da contextura psíquica e sentimental explicariam no criminoso a ausência do temor da pena, do remorso e mesmo da emoção do homicida perante os despojos da vítima. Absorvidos pelas paixões inferiores, nenhuma relutância eles sentem perante a idéia dominante do crime.
As conclusões de Lombroso (L’Homme Criminel) foram construções eminentemente empíricas baseadas em resultados de 386 autópsias de delinqüentes e nos estudos feitos em 3.939 criminosos vivos por Ferri, Bischoff, Bonn, Corre, Biliakow, Troyski, Lacassagne e pelo próprio Lombroso.
Lombroso porém não esgota na teoria da criminalidade nata a sua explicação para a etiologia do delito. A criminalidade nata não dá conta de todas as categorias antropológicas de delinqüentes, nem mesmo, numa mesma categoria, de todos os casos habituais. Ele antevê na loucura moral e na epilepsia mais dois fatores capazes de fornecer uma elucidação biológica para o fenômeno delito. O louco moral é aquele indivíduo que tem, aparentemente, íntegra a sua inteligência, mas sofre de profunda falta de senso moral. É um homem perigoso pelo seu terrível egoísmo. É capaz de praticar um morticínio pelo mais ínfimo dos motivos.
Lombroso o diferenciava do alienado definindo-o como um “cretino do senso moral” ou seja, uma pessoa desprovida absolutamente de senso moral. A explicação da criminalidade do louco moral também é dada pela biologia, é congênita, mas pode, de acordo com o meio na qual o indivíduo se desenvolve, aflorar ou não. A epilepsia foi outra explicação aventada por Lombroso como causa da criminalidade. A epilepsia ataca os centros nervosos em que se elaboram os sentimentos e as emoções. Objetaram-lhe porém que se a epilepsia, bem conhecida e perceptível, explica em certos casos o delito, em outros não se observa haver sinal objetivo da doença em face do delito praticado.
A essa objeção Lombroso opôs a sua teoria da epilepsia larvada, sem manifestações facilmente visíveis, que poderia explicar a etiologia do delito. Ao passo que a epilepsia declarada se exterioriza em meio a contrações musculares violentíssimas, a epilepsia larvada se denuncia por fugazes estados de inconsciência que nem todos percebem.
Lombroso não abandonou uma das explicações da etiologia do delito pelas outras. Procurou coordená-las. Assim, por exemplo, acentuou que a teoria do atavismo se completava e se corrigia com os estudos referentes ao estado epilético.
A etiologia do crime para Lombroso inter-relaciona portanto o atavismo, a loucura moral e a epilepsia: o criminoso nato é um ser inferior, atávico, que não evolucionou, igual a uma criança ou a um louco moral, que ainda necessita de uma abertura ao mundo dos valores; é um indivíduo que, ademais, sofre alguma forma de epilepsia, com suas correspondentes lesões cerebrais.
Lombroso, baseado em suas observações, encarava o seu tipo primordial de criminoso, o criminoso nato, como compondo 40% do total da população criminosa, restando as demais àquelas outras formas de crime que tinham por fontes a loucura, a ocasião, o alcoolismo e a paixão. Para Lombroso essas formas eram ligadas mais estreitamente a suas causas ocasionais e portanto, não forneceriam uma base possível para uma etiologia desses delitos.
Mauricio Jorge Pereira da Mota
Trabalho de conclusão de curso apresentado na disciplina de Direito Penal do Mestrado em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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