por Ibsen Pinheiro
O senador americano Hiram Johnson proclamou, há mais de um século, uma noção a que só faltava a síntese: nas guerras, a primeira vítima é sempre a verdade.
A luta parlamentar sobre os royalties do petróleo no mar confirma o senador da Califórnia. Foram mais de 10 batalhas perdidas pela verdade e pela maioria dos brasileiros e seus representantes que votaram maciçamente a favor de uma lei que não vira lei.
A defesa do injustificável privilégio de pouquíssimos Estados e municípios baseia-se invariavelmente em três falsidades. Falando claramente, em três mentiras. A saber:
1. Estados e municípios produtores. Não são. Para serem, precisariam de ao menos uma de três hipóteses: serem proprietários do bem explorado, controladores da empresa exploradora ou, por último, ao menos titulares da área onde ocorre a produção. Nada disso se verifica. Ao contrário, tudo é da União federal, o petróleo, a Petrobras e o mar territorial, como diz o art. 20 da Constituição.
2. Segunda mentira: os royalties são compensatórios. Não são. Se houver algum dano a compensar, a responsabilidade será da companhia petroleira causadora ou de sua seguradora e, falhando estas, será da União, quer dizer, todos os brasileiros pagariam a conta. A exceção, de caráter compensatório, destina-se a poucos municípios afetados pelas operações de embarque, desembarque ou armazenamento e nisso minha emenda não mexeu a não ser para expressamente preservar a regra que beneficia cinco municípios gaúchos.
Terceira mentira: a redistribuição afeta os contratos em vigor, assinados sob o regime da concessão. Falso. Os royalties têm origem constitucional e distribuição por lei. Os contratos só repetem a incidência legal, definida como "receita governamental" e nada regulam do destino final, que é atribuição da lei federal. O dinheiro vai para os cofres da Agência Nacional do Petróleo, que lhes dá o destino definido pela lei, atual ou futura. Os Estados não são parte dos contratos. Nem mesmo como testemunhas.
Uma quarta mentira ainda não aconteceu mas já se anuncia, a destinação de todos os recursos para a educação. Bonito, talvez certo, mas impossível. Juridicamente impossível, por duas regras constitucionais, uma formal, outra de conteúdo. A formal proíbe a edição de Medida Provisória sobre matéria rejeitada pelo Congresso Nacional, enquanto pendente o rito do veto, com a única exceção de projeto de iniciativa da maioria absoluta de deputados ou senadores. A norma de conteúdo exige emenda à Constituição, pois é lá no texto constitucional que se define a destinação, seja federal, seja municipal. Medida Provisória, como se sabe, só pode gerar lei ordinária. No caso, das mais ordinárias.
Agora, um pouco de verdade. O governo federal, que dispõe de ampla maioria na Câmara e no Senado, já perdeu mais de 10 votações entre formais e de mérito, em matéria na qual bastaria a maioria simples dos presentes. Duvido que alguém imagine uma vitória governamental, contra todo o Brasil, em matéria que exige maioria de três quintos em cada Casa, dois turnos, rito especialíssimo. Contra os números, nem a tese do senador Johnson resolve.
Deve ser por isso que o governo tem preferido legislar sozinho, suprimindo do processo legislativo a imperiosa apreciação dos vetos, no que conta com a incompreensível omissão do Congresso Nacional e sua Mesa Diretora. O prazo constitucional é de 30 dias, e a Emenda Ibsen, reproduzida no Senado pelo senador Simon, vetada em 2010, espera há dois anos o cumprimento da Constituição.
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