quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Fábulas Eleitorais

por Carlos Ramalhete
Em todo ano eleitoral a mesma fábula é repetida em tom paternalista: a função dos legisladores eleitos – explicam pausadamente – é propor leis, não oferecer auxílios. Deixam de lado, claro, que as leis que eles propõem são auxílios: asfalto aqui, iluminação acolá, posto de saúde alhures. As que não o são, em geral, melhor seria que não existissem: dia disso ou daquilo, medalha pra Fulano, proibições arbitrárias, e o que mais lhes vier à telha.
A recente aprovação pelo Senado de cotas de 50% para vários tipos de coitadinhos nas universidades federais, verdadeira pá de cal em qualquer chance de tornar minimamente decente o ensino superior brasileiro, consegue ser ao mesmo tempo esmola com o dinheiro alheio e arbitrariedade. Melhor seria, já disse, se não legislassem.
Ao mesmo tempo, o Código Penal, que na sua interpretação atual é percebido pela massa da população como tremendamente leniente, tornando quase impossível a prisão de um ladrão, tem uma versão nova entregue pronta por uma comissão de ideólogos para que o Senado a aprove num prazo que não permite qualquer debate. E – como se poderia esperar – o Código proposto é ainda mais leniente com o crime. Ele parte do princípio ideológico de que o criminoso é um coitadinho, forçado ao crime pela sociedade malvada, e que, portanto, mais vale punir a sociedade que prender o criminoso.
Isso – que tem efeitos gravíssimos sobre a população, especialmente sobre os mais pobres, que não têm carros blindados nem cercas elétricas – não merece discussão. Legislar, aparentemente, é agora sinônimo de escrever utopias. O papel, sabemos todos, aceita tudo. A realidade, contudo, permanece a mesma. Continua sendo aquela em que o povo vota no político que vai botar postinho de saúde ou ceder a ambulância particular (qual é a diferença?) e em que os viciados em crack – cujo porte não dá cadeia – sustentam o vício com furtos cometidos contra as casas dos pobres, com portas frágeis e sem alarme, seguros de que o furto não tem punição legal.
Se os supostos representantes do povo realmente o fossem, se a fábula repetida nos anos eleitorais fosse real, se a lei atendesse aos desejos da população, não me espantaria se víssemos a volta da forca em praça pública e das chibatadas. O oposto diametral do novo projeto de Código Penal. Do mesmo modo, o bom senso já indica que de nada adianta criar cotas nas universidades se as escolas continuam diplomando analfabetos. Seria bom se realmente tivéssemos representantes eleitos. Muita coisa iria mudar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Atravanca um palpite aqui: