por Katia Abreu
No momento em que a atual temporada de greves no serviço público parece se encaminhar para um final, penso que chegou a hora de refletirmos com mais seriedade sobre essa questão para que, no futuro, se possa dar um encaminhamento mais racional a esses conflitos, poupando os cidadãos e contribuintes de inconvenientes que não merecem sofrer.
Não podemos mais adiar uma lei que regulamente o direito de greve no serviço público. A Constituição assegurou, com muita propriedade, o direito de greve aos servidores do Estado, mas deixou para o legislador ordinário a regulamentação do seu exercício.
Passados 24 anos, nem o Congresso nem o Executivo se dispuseram a enfrentar esse delicado problema. Mas o vazio jurídico tem permitido, algumas vezes, que esse direito seja exercido imoderadamente e sem qualquer limite, com graves danos à sociedade e à economia. Não podemos prosseguir nessa omissão.
A greve no serviço público não pode se comparar às greves no setor privado. Estar em greve num emprego na iniciativa privada é sempre uma situação de risco, que obriga o trabalhador a agir com prudência, esgotando primeiro todas as possibilidades de conciliação. E os custos da paralisação são estritamente econômicos, recaindo apenas sobre a empresa e seus acionistas.
No setor público, a greve não implica risco de qualquer natureza para o servidor e os custos do movimento não recaem no empregador abstrato, que é o Estado, mas sobre a população, que fica privada de serviços essenciais, prestados em regime de monopólio.
No setor privado, a greve expressa um conflito entre o trabalho e o lucro privado. No setor público, é um conflito distributivo entre o servidor e a sociedade. É uma diferença muito grande.
Por isso, o regime de regulamentação das duas situações tem de ser diferenciado, estabelecendo limites justos para a greve dos servidores e determinando formas de solução rápidas e vinculantes. O Estado deve ser o espaço de todos — e não apenas de alguns grupos circunstancialmente poderosos.
A sociedade brasileira não deseja pagar mais impostos, porque já paga muito e recebe muito pouco em troca. Os prognósticos mais realistas sobre o crescimento e a situação fiscal nos próximos anos são relativamente sombrios. A experiência que vem de fora nos dá um precioso aviso.
A Europa teimou, nos últimos anos, em distribuir uma renda que não estava sendo gerada, transferindo o acerto de contas para os anos seguintes.
Os anos seguintes chegaram mais cedo do que se esperava e, agora, quem recebeu uma renda que não existia está sendo chamado para devolvê-la. O Brasil ainda pode evitar esse desfecho.
Por essa razão, o rigor adotado pelo governo diante das reivindicações salariais não foi sinal de insensibilidade, mas de senso de responsabilidade.
Os últimos episódios nos mostraram que o Poder Executivo quase sempre fica só quando se trata de resistir à distribuição de benefícios.
Os parlamentos, por sua vez, são sempre muito generosos quando se trata de criar e distribuir bondades. É a tentação do bem que, segundo um filósofo contemporâneo, está na origem de tantos males duradouros na história humana.
Por isso, embora tenham causado tantos danos à sociedade em geral, as greves recentes transcorreram em meio a um grande silêncio político. No nosso meio, todos se retraíram diante do poder das organizações sindicais e nenhuma voz surgiu para defender os interesses das populações atingidas, fossem elas os estudantes sem aula, os passageiros nos aeroportos, os viajantes nas estradas, os doentes privados de exames e diagnósticos para as urgências de sua saúde, e tantas mais.
A população brasileira sentiu-se injustamente abandonada por seus representantes. E poucos deram uma palavra de apoio à posição correta do governo.
O governo foi deixado em uma quase completa solidão. Enfrentou solitariamente os problemas, os desgastes e as pressões. Uma sociedade e seu corpo político devem enfrentar juntos essas circunstâncias.
Kátia Abreu é senadora (PSD-TO)
Fonte: Folha de São Paulo
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