por Eduardo Italo Pesce e
Iberê Mariano da Silva
Segundo recente estimativa baseada em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), com a desvalorização do real frente ao dólar, o Brasil pode perder a posição de sexta economia mundial em 2012. Um crescimento inferior a 3% no Produto Interno Bruto (PIB) este ano prejudicaria o planejamento dos investimentos públicos.
Isto retardaria o início de diversos programas de obtenção e modernização de meios da Marinha, do Exército e da Força Aérea. Para garantir recursos para tais programas, será necessário aumentar os orçamentos anuais das Forças Armadas, interrompendo a tendência de path-dependency (dependência da trajetória) que vem caracterizando os gastos e investimentos do setor.
Por não contarem com percentual constitucional mínimo, tais gastos constituem alvo preferencial para cortes orçamentários. Como a maior parte do orçamento do Ministério da Defesa destina-se a despesas obrigatórias (inclusive as de pessoal), o pequeno aumento das dotações nos últimos anos não tem assegurado o fluxo dos recursos para renovação dos meios das três forças singulares.
Na Lei Orçamentária Anual para este ano (Lei 12.595, de 19 de janeiro de 2012), a dotação inicial da pasta da Defesa foi de R$ 64,795 bilhões, dos quais R$ 45,298 bilhões destinados a pessoal e encargos sociais, R$ 8,004 bilhões a outras despesas correntes, R$ 9,128 bilhões a investimentos e R$ 2,365 bilhões a encargos financeiros e reserva de contingência.
Os cortes no Orçamento da União, anunciados em 15 de fevereiro, totalizaram cerca de R$ 50 bilhões. Aproximadamente R$ 20 bilhões correspondiam a despesas obrigatórias e R$ 35 bilhões a despesas discricionárias. Para garantir o cumprimento de tais metas, o Governo Federal teria "garfado" temporariamente R$ 2,96 bilhões do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS).
Em valores atualizados até 8 de maio, a dotação inicial do Ministério da Defesa para 2012 era de R$ 64,974 bilhões, dos quais R$ 16,461 bilhões (acrescidos de R$ 1,804 bilhão de restos a pagar) haviam sido pagos. Os órgãos centrais do MD contavam com R$ 1,964 bilhão, sendo que R$ 0,076 bilhão (mais R$ 0,155 bilhão de restos a pagar) tinha sido efetivamente pago.
Na mesma data, a dotação inicial do Comando da Marinha era de R$ 16,913 bilhões, dos quais R$ 4,212 bilhões (mais R$ 293 milhões de restos a pagar) haviam sido pagos. O Comando da Aeronáutica contava com R$ 15,030 bilhões, dos quais R$ 4,189 bilhões (mais R$ 292 milhões de restos a pagar) efetivamente pagos, e o Comando do Exército com R$ 26,722 bilhões, dos quais R$ 7,595 bilhões (mais R$ 486 milhões de restos a pagar) pagos.
A crônica penúria orçamentária não é o único fator de desmotivação dos militares com a carreira, fenômeno que tem contribuído para a evasão de quadros (oficiais e praças graduadas) nas três forças singulares. A baixa prioridade atribuída à Defesa Nacional e o excessivo (e por vezes desnecessário) emprego de contingentes das Forças Armadas em operações de garantia da lei e da ordem (GLO) também são significativos.
Devido aos baixos vencimentos (em comparação com outros setores do serviço público), muitos jovens deixam de ingressar nas Forças Armadas, optando por carreiras de maior remuneração. O êxodo de militares para concursos públicos e para a iniciativa privada tem provocado evasão de profissionais altamente qualificados e com bom desempenho intelectual, com grande prejuízo para as três forças singulares.
A perda de quadros de carreira qualificados poderá causar sérios problemas para instrução e adestramento da tropa, assim como para operação e manutenção de sistemas de armas sofisticados. Meios de alta complexidade, como a futura aeronave de caça polivalente (Projeto F-X2) da Força Aérea Brasileira e os futuros submarinos de propulsão nuclear (SN-BR) da Marinha do Brasil, demandarão rigorosa qualificação de quem vier a operá-los e mantê-los.
Causada pela persistente escassez de recursos, a extensão excessiva do período de obtenção dos equipamentos pode resultar em sua obsolescência prematura, pois o que é "atual" nos dias de hoje não o será daqui a 20 ou 30 anos. A produção da futura "família" de blindados sobre rodas Guarani, para o Exército Brasileiro, deve estender-se até 2030 e poderia sofrer os efeitos de tal processo.
As mudanças na guerra estão afetando as Forças Armadas. No século XXI, o "inimigo" nem sempre é um Estado organizado, mas pode ser uma organização terrorista ou outra facção criminosa, inclusive lançando mão de ataques cibernéticos. Em tal ambiente, a identificação de alvos militares torna-se difícil, e o emprego contra a população civil de meios operativos "não convencionais", como veículos aéreos não tripulados (Vant), pode ter graves consequências.
A segmentação da população em facções antagônicas e a possibilidade de fragmentação territorial são riscos preocupantes. Operações GLO de âmbito interno, assim como operações de paz no exterior, costumam ser dificultadas pela complexidade dos aspectos jurídicos envolvidos. As "regras de engajamento" devem ser claras, a fim de evitar tragédias. Isto diminui o risco de controvérsias legais e de processos na Justiça militar ou civil, assim como em tribunais internacionais.
Ainda que a participação em tais operações possibilite a recapitalização (adquirindo material e adestrando pessoal) de nossas Forças Armadas, jamais devemos esquecer que a destinação constitucional destas é a Defesa da soberania e dos interesses nacionais, contra ameaças de origem preponderantemente externa. Caso contrário, o Brasil correrá o risco de tornar-se mais um "Estado sipaio da globalização", a serviço de uma suposta "nova ordem mundial".
Eduardo Italo Pesce é
Especialista em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção da UERJ.
Iberê Mariano da Silva é
General de Brigada da reserva, engenheiro militar.
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