por Janer Cristaldo
Não se fazem mais PTs como antigamente. O partido que era “contra tudo que está aí”, no desespero para impor uma desconhecida nulidade para a prefeitura de São Paulo, fez aliança com Paulo Maluf, um dos meliantes mais procurados pela Interpol. Virou partido a favor do que der e vier. É bom lembrar que o PSDB estava namorando o Maluf. Que preferiu apoiar quem detém o poder. Os partidos, em busca do poder, perderam todo e qualquer pudor.
Como esta aliança se revelou insuficiente, o PT escolheu para vice uma velhota há muito jogada na lata de lixo de História. Nada de espantar. Em um país em que um terrorista italiano é recebido com honrarias oficiais, é perfeitamente normal que situação e oposição lutem a tapas pelo apoio de um criminoso internacional. O curioso é boa parte desta disputa é para ganhar um minuto e pouco de espaço televisivo. Meu Deus, meu Deus! – há horas em que viro místico – ainda há alguém que assista propaganda eleitoral na TV? Pelo jeito há. E se há, é porque merece os políticos que elege.
Costumo afirmar que o comunismo já morreu. Para indignação de alguns leitores, que acham que a peste continua viva e atuante. Quando digo que já morreu, me refiro ao mundo civilizado, onde qualquer pessoa se ruboriza ao defender o obsoletismo. Não é o caso deste país incrível, onde velhas múmias, no afã de preservar a própria biografia, ainda defendem o indefensável.
Luiza Erundina, ao aceitar a candidatura a vice-prefeita de São Paulo, retirou do baú antigas palavras, hoje obscenas. Comparou ontem (17/6) a eleição de São Paulo à luta de classes. "A sociedade de classes continua tão forte, conflitante, contraditória e antagônica como sempre esteve." E defendeu a implantação do modelo socialista no país, afirmando que a classe trabalhadora não deve disputar apenas "espaço de poder no Estado burguês".
Nossa! Até o PT já tinha abandonado por vetustas essas palavrinhas, tipo luta de classes, socialismo e burguesia. Foi preciso despertar um comunossauro de Uiraúna de seu merencório climatério para voltar ousar a pronunciá-las. "É o socialismo que garante a realização plena do ser humano. É em nome dessa utopia que estamos aqui" – disse Erundina. Pelo jeito, dormia a sono solto no 09 de novembro de 1989. E esqueceram de avisá-la do que aconteceu naquele dia.
Nem os antigos países soviéticos gostam de lembrar do socialismo e dona Erundina quer ressuscitá-lo no Brasil. O socialismo fracassou onde quer que existisse. Até a China optou por um capitalismo não-democrático, mas capitalismo. Hoje só restam dois fantasmas – Cuba e Coréia – que reivindicam o socialismo e vivem uma economia de fome. O comunismo – pois socialismo para Erundina é o velho comunismo - sumiu na janela e só Erundina não viu.
Em todo caso, será uma campanha divertida. Os jornais on line de hoje trazem a foto de um circunspecto Lula apertando a mão de um sorridente Maluf, tendo o afilhado Haddad como pano de fundo. "Esperamos que a Marta se some a nós – disse Erundina –. Se o partido e o candidato me permitirem, vou procurá-la pessoalmente, porque somos amigas e precisamos estar juntas nessa tarefa histórica".
Marta Suplicy faz biquinho, mas acabará se rendendo ao centralismo democrático – como se dizia na antiga nomenclatura. A aliança do “estupra mas não mata” com o “relaxa e goza”. Quem viver, verá.
Ao sul, o Oscar do obscurantismo goes to... Roberto Robaina, um dos gurus do PSOL e pré-candidato à prefeitura de Porto Alegre, que twitou ainda hoje: “Hj nasceu quem foi exemplo de um homem completo. Se não me engano, esta foi a definição de Sartre sobre Che Guevara. Também penso assim”.
O celerado gaúcho pensa como o celerado parisiense. Guevara, se alguém ainda não sabe, é o exemplo mais perfeito de como lutar e perder todas as lutas. Assassino de gatilho fácil, sua única vitória foi Cuba, país que precisou ser sustentado pela finada União Soviética e hoje vive à beira da fome. Ainda há pouco, Castro, em entrevista a Jeffrey Goldberg, articulista da revista Atlantic Monthly, admitia que o modelo econômico de Cuba não funciona mais. “Nem para nós”. Foi preciso mais de meio século para que Castro admitisse seu fracasso. Nem Castro acredita mais no comunismo cubano. Mas não falta gaúcho fanatizado que ainda louve a façanha de Guevara.
Sartre – que parece ser o mentor intelectual de Robaina - é aquele lúcido pensador que, em 1954, impressionou os intelectuais do Ocidente ao voltar de uma viagem à União Soviética, onde esteve bêbado o tempo todo, quando declarou ao Libération:
"A liberdade de crítica é total na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E o cidadão soviético melhora sem cessar sua condição no seio de uma sociedade em progressão contínua. Exceto alguns, os russos não têm muita vontade de sair do país... não têm muita vontade de viajar neste momento. Têm outra coisa a fazer em casa".
Mais uma pérola:
"Lá por 1960, antes de 1965, se a França continuar estagnada, o nível médio de vida na URSS será de 30 a 40% superior ao nosso. Qualquer que seja o caminho que a França deve seguir para sair de seu imobilismo, para recuperar seu atraso industrial, para se constituir como nação diferente da de hoje, ele não pode ser contrário ao da União Soviética".
E nisso é que dá receber mordomias de Moscou. Esta prostituta respeitosa, que chegou a receber o prêmio Nobel e o recusou de puro despeito, pois Camus o havia recebido antes, foi guru de toda uma geração de tupiniquins. E, pelo jeito, continua sendo. Entende-se agora melhor Nelson Rodrigues quando dizia ser o pensamento de Sartre de uma profundidade tal que uma formiga o atravessava com água pela canela.
Todo anticomunista é um cão, decretou um dia Sartre. Com a autoridade de parisiense que determina qual será o perfume ou filosofia da década, condenou ao círculo dos infames todos os pensadores lúcidos que clamavam por liberdade, Camus inclusive.
Em 1980, assisti por acaso ao enterro de Sartre, acompanhado por stalinistas e compagnons de route. (Estava bebendo no Select Latin, onde passou a procissão). Pena ter morrido tão cedo. Teria hoje a coragem de chamar de cães toda esta gente que derruba dos prédios estrelas vermelhas e rasga das bandeiras a foice e o martelo? Serão cães estas nações que querem abandonar de suas histórias a palavra comunista? É uma pena, realmente, que Sartre não esteja vivo neste final de década.
Em 59, intelectuais do mundo deram apoio logístico e de mídia a Fidel e Che, para instalar a mais longa ditadura da América Latina. De Paris, o filósofo feio, baixinho e confuso veio dar seu aval ao tirano do Caribe. Uma foto da época é das mais emblemáticas: Sartre, de pescoço espichado para o alto, adorando Castro como um Deus. Em La Lune et le Caudillo (Gallimard, 1989), Jeannine Verdès Leroux nos relembra este momento de extraordinária poesia.
- Todos os homens têm direito a tudo que eles pedem - pontifica Castro.
- E se eles pedem a lua? - pergunta Sartre.
O ditador retoma seu charuto e se volta para o filósofo baixinho:
- Se eles pedem a lua, é porque têm necessidade dela.
Pediam a lua no bestunto do ditador e do filósofo. Em verdade, os cubanos queriam dólares, pão e liberdade. Da mesma forma que a Espanha, em 36, foi um campo de treinamento para a Segunda Guerra, a América Latina era laboratório de experimentos sociais para os filosofadores europeus que, no dizer de Camus, assestavam suas poltronas no sentido da História.
O comunismo morreu, dizia. Morreu onde nasceu. Na Europa. Aqui, onde nunca foi implantado, continua sendo uma utopia desejável para os “puros e duros” do PT e do PSol. Enquanto esta geração não morrer – costumo afirmar – o Brasil continuará atrelado à rabeira da história.
Fonte: Janer Cristaldo
mto bom...
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