por Nelson Motta
Em um mês, o senador Demóstenes Torres passou de acima de qualquer suspeita para abaixo de qualquer certeza, num episódio que desafia os romances policiais mais surpreendentes. Além da atuação implacável contra a corrupção, ele tinha a cara, vestia o figurino e se comportava como um incorruptível homem de bem — e talvez seja mesmo sócio da holding criminosa de Cachoeira. Ou talvez seja até um bom homem, que cometeu erros imperdoáveis mais por vaidade pessoal do que por ambição material. Ou um provinciano deslumbrado e metido a cosmopolita, que gostava de ser paparicado e desfrutar das benesses do poder. Ou um megalomaníaco traído por excessiva confiança na sua blindagem — e na estupidez e boa fé alheias. Ou talvez tudo isso junto, que não o faz menos ou mais culpado dos fatos que o condenam.
Piores são os danos colaterais dessa cachoeira de lama. Todos que acreditaram na eloquência ética de Demóstenes — com todos os motivos para tanto — se sentiram traídos em suas últimas esperanças. Sua desmoralização reforça a crença nefasta de que os políticos são todos iguais e provoca irreparável desilusão no eleitorado. E júbilo entre mensaleiros e aloprados. Ao perderem seu melhor quadro, os demos — maldito nome, não poderia mesmo dar certo uma sigla que já nasceu para ser demonizada — estão com o pé na cova da irrelevância. Mas o PSD os receberá de braços abertos. No Conselho de Ética do Senado, paladinos da moralidade como Renan Calheiros, Humberto Costa, Romero Jucá, Lobão Filho e Gim Argelo julgarão as imoralidades de Demóstenes.
Mas ser honesto não basta. No Rio de Janeiro, em 1988, o prefeito Saturnino Braga, um engenheiro socialista de impecável trajetória política e probidade absoluta, fez uma administração tão desastrosa que encerrou seu mandato decretando a falência da cidade. A decepção foi tão grande que virou um clássico do humor carioca: do Leme ao Pontal se dizia que Saturnino desmoralizou a honestidade.
Como diria mestre Ancelmo Góis, deve ser terrível viver num país com tão poucos políticos competentes, mas desonestos — e tantos honestos, incompetentes.
Fonte: Estadão
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