por Janer Cristaldo
Revogação de uma lei — dizem os tratados — é a sua extinção, a sua perda de eficácia e de validade. Significa que a lei não mais vige, produz mais efeitos. A revogação, em princípio, ocorre em duas circunstâncias: quando uma outra lei entra em vigor ou quando a norma cai em desuso. Desde o Direito Romano, a falta de utilização de uma lei fazia com que ela fosse revogada.
O Brasil, inovador como sempre, acaba de dar uma criativa contribuição ao Direito, criando um novo tipo de revogação, aquela decorrente da transgressão sistemática da lei. A trouvaille tupiniquim foi instituída na semana passada, quando se descobriu que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) não podia existir legalmente. Foi criado por medida provisória (MP), que por lei tem de passar por comissão especializada antes de ir ao plenário. Mas não passou.
O ICMBio foi criado pela lei 11.516, de 28 de agosto de 2007, em função de lobbies ianques que queriam criar um herói amazônico, na figura de um comunista obsoleto, que pretendia impedir o desmatamento através dos "empates” — manifestações em que os seringueiros protegiam as árvores com seus próprios corpos. A única coisa que o Instituto gerou até agora, pelo que se sabe, foi a candidatura de Marina Silva — o ET de Xapuri — à Presidência da República.
Quarta-feira da semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) — que tem entre suas funções julgar o que é constitucional ou não — decidiu que o ICMBio tinha existência ilegal. E deu ao Congresso o generoso prazo de 24 meses para que aprovasse uma nova norma sob pena de a autarquia ser extinta. Até aí, o imbróglio teria conserto. Ocorre que, desde 2007, mais de 400 outras MPs haviam chegado ao plenário sem cumprir aquele requisito legal. Hoje, cerca de 50 MPs tramitam no Senado, sem terem passado pela tal comissão. Se a decisão prevalecesse elas caducariam imediatamente.
O deputado ex-comunista e presidente nacional do PPS (ex-PCB), deputado Roberto Freire, logo imbuiu-se de pruridos legalistas e defendeu a paralisação imediata da tramitação de todas as medidas provisórias em análise no Congresso. Santa ilusão. Já na quinta-feira — um dia depois da insólita decisão de declarar ilegal o ICMBios — o Supremo voltou atrás, alegando que, embora acertada, a jurisprudência poderia criar um caos jurídico sem precedentes na História da República. Os ministros do STF, para não gerar um caos jurídico, avalizaram o caos legislativo.
O expediente voltou a repetir-se ontem quando, com um atraso de meio século, o STF julgou a ação mais antiga que tramitava naquela Corte. Ela questionava concessões de terras pelo Estado do Mato Grosso no início da década de 1950.
Resumo da ópera, segundo os jornais: entre 1952 e 1954, o governo de Mato Grosso concedeu milhares de hectares de terras a particulares. A Constituição então em vigor dizia que a alienação de áreas com mais de 10 mil hectares deveria ser aprovada pelo Senado Federal. O Estado do Mato Grosso ignorou a regra e doou, sem o crivo dos senadores, 100 mil hectares para uns, 200 mil ou até 300 mil hectares para outros. Alguns anos depois, em 1959, a União entrou com a ação no Supremo alegando que tudo aquilo era nulo.
Segundo a Folha de São Paulo de hoje, todos os ministros reconheceram que houve inconstitucionalidade nas concessões de áreas públicas, mas a maioria preferiu julgar "improcedente" a ação em razão da insegurança jurídica que poderia gerar, caso o STF declarasse nulos aqueles atos.
No julgamento, os ministros entenderam que de fato houve irregularidade. O relator, porém, argumentou que naquelas áreas hoje existem municípios: as áreas foram divididas e povoadas por famílias que ficariam desamparadas se perdessem as terras.
Com base nos princípios da segurança jurídica e da boa fé, o ministro Marco Aurélio Mello decidiu julgar a ação improcedente e foi seguido por mais quatro de seus pares.
Temos um fator novo na evolução da dita Ciência Jurídica, esta peculiar decisão dos senhores ministros, a de revogar uma lei em função do sistemático não-cumprimento desta lei. Estamos no país do se-pegar-pegou. E se por acaso uma lei pegar, basta descumpri-la repetidas vezes para que seja revogada. No caso das terras do Mato Grosso, o processo de revogação durou meio século. No caso das MPs, cinco anos. O Direito se agiliza.
Mais do que nunca, urge evocar o poeta: Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança! Não verás nenhum país como este!
Fonte: Janer Cristaldo
COMENTO: mais uma vez nossa Suprema Corte toma uma decisão lamentável expondo a fragilidade de convicções de seus membros. Somada às outras atuações questionáveis (entrega da maior parte de Roraima às ONGs internacionais; concessões de habeas corpus moralmente questionáveis em função dos antecedentes dos beneficiados; atropelo do conceito de "entidade familiar" prescrito no artigo 226 da Constituição Federal e seus parágrafos, ao defender os direitos de pessoas que se ligam a outras do mesmo sexo; o torpedeamento da "Lei da Ficha Limpa"; a também recente "condenação" do deputado federal José Abelardo Camarinha ((PSB-SP)) por mau uso de verba pública, tendo seu crime já prescrito — o que implica impunidade total e permite antever o desfecho do caso "mensalão"; e por aí vai) o órgão que deveria ser a última instância em termos de segurança jurídica mostra que não passa de outro imenso 'cabidão' de mordomias a ser sustentado pelos idiotas contribuintes.
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