quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Triunfo da Chinelagem

por Juremir Machado da Silva
ARTE: PEDRO DREHER SOBRE FOTOS - CP MEMÓRIA
Até que ponto o gosto do outro deve ser respeitado? O primado da tolerância deve silenciar a crítica? Toda crítica frontal a um tipo de gosto é preconceito? A expulsão de um participante do BBB12, reality show da Rede Globo, por suspeita de estupro obriga a falar disso. Quem gosta do programa, escorado na ideia simples de que é brincadeira, lazer e um jogo inofensivo, detesta que se fale mal do baixo nível do que é exibido. O Brasil parece ser um dos poucos ou o único país com 12 edições do Big Brother em rede nacional aberta e em horário nobre. É inegável uma evolução no programa: a cada ano, fica pior. Como se sabe, a baixaria não tem piso nem teto. Mas estamos vivendo a era do consumidor mimado, triunfante, incriticável, infantilizado, agressivo, sempre com razão, que se regala espiando o gozo obsceno dos outros para satisfazer os seus mais baixos e selvagens instintos.
Não se trata de dar lições de moral ou de fazer pose de intelectual. A questão é outra: como chegamos a esse ponto? Houve um tempo em que o elitismo sufocava os gostos populares. A hipocrisia se impunha como uma máscara social. Hoje, os gostos ditos populares, fabricados pela chamada indústria cultural, asfixiam qualquer crítica como expressão de preconceito, o que esconde um preconceito maior, a ideia de que as tais camadas populares só se divertem com chinelagem. O que é mesmo chinelagem? Uma casa com um número de camas inferior ao de moradores para obrigá-los a dormir juntos em público. Um jogo em que o sexo deve ser o horizonte incontornável para delírio de milhões de voyeurs. Uma brincadeira que termina em suposto estupro, em Polícia nos domínios da televisão e em constrangimento nacional.
Chinelagem também é colocar fama e dinheiro absolutamente acima de tudo. Chinelagem é produzir um imaginário centrado na ideia de que o mais importante é se tornar celebridade e que esse objetivo justifica os maiores micos e o abandono de qualquer limite. O suposto estupro do BBB12 é a cara de certo Brasil, o Brasil que quer cometer infrações de trânsito sem ter de pagar multas, o Brasil onde parlamentares são os primeiros a não respeitar normas, o Brasil onde estádios de futebol são prioridades em relação a hospitais, o Brasil onde os muito ricos pagam menos impostos, o Brasil que só quer gozar, ainda que seja um gozo passageiro, escabroso, cínico e feio.
Está mais do que na hora de se atacar em várias frentes: acabar com preconceitos, respeitar diferenças, levar na boa brincadeiras de estação e, ao mesmo tempo, defender uma utopia: a possibilidade de diversão para todos que exija um pouquinho mais do cérebro de cada um, o que, há alguns anos, era chamado de criatividade e inteligência. O pior mesmo, enquanto a utopia não se realiza, é a hipótese radical que rola nas redes sociais: o suposto estupro do BBB12 seria apenas uma estratégia de marketing. Aí, claro, só resta gritar: que baita chinelagem! Esse pode ter sido o nosso 11 de Setembro. Ainda que, claro, tudo acabe na pizza do mal-entendido.
Juremir Machado da Silva
Fonte:  Correio do Povo
COMENTO:  excelente texto do jornalista Juremir Machado, porém, me parece que não se trata de preconceito pensar que grande parcela da população brasileira "só se diverte com chinelagem". É um fato que se pode medir pela audiência que a cretinice televisiva alcança e os valores obtidos em função dos telefonemas dados em cada etapa eliminatória da disputa onde primam a falta de pudor e, mesmo, de vergonha dos participantes (não me refiro só os que estão confinados nos estúdios da emissora).  Não se pode esperar um bom futuro para um País onde a prioridade que muitos pais incentivam em seus filhos é a de ser jogador de futebol se for menino ou "modelo" se for menina. Nossa "camada mais popular" já tem como objetivo de vida a obtenção de um "cartão de inclusão social", mesmo que não careça auxílio governamental para sobreviver. O que interessa é "levar vantagem", mesmo que seja uma vantagem miserável. Quando juntam-se mais de cinco mil pessoas em "procissão a São Marcos" (e eu até acho que o goleiro paulista merece homenagens em sua aposentadoria por não conhecer fatos que desabonem sua conduta como exemplo de atleta bem sucedido, apesar de sempre ter sido remunerado, e bem, por sua atuação profissional) e não se consegue meio milhar de pessoas em uma manifestação contra a corrupção política; ou quando são contabilizados milhões de votos concedidos a políticos conhecidamente desonestos e/ou incompetentes, se pode medir a qualidade do povinho que habita estas terras. Decididamente, é o que chamo "povinho de merda". Como costuma dizer o jornalista Claudio Humberto, "Não há o menor risco de dar certo!"
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