por Carlos Alberto Brilhante Ustra
Desde, 1966, com o atentado à bomba em Guararapes, em Recife, as Forças Armadas se defrontaram com o terrorismo no Brasil. Inicialmente o combate aos terroristas vinha sendo feito pelas Polícias Civis e Militares.Essa preocupação com a coordenação e a centralização das atividades de combate à guerrilha urbana não era só das autoridades em São Paulo.
Com essa finalidade, entre os dias 6 e 8 de fevereiro de 1969, havia sido realizado o I Seminário de Segurança Interna, em Brasília, sob os auspícios do Exército, que reuniu os secretários de Segurança, os comandantes das Polícias Militares e os superintendentes regionais da Polícia Federal.
Em 24 de junho de 1969, o general Canavarro, comandante do II Ex, responsável pela segurança interna da área, convocou no Quartel General uma reunião de todos os órgãos ligados à segurança.
Estavam presentes: o secretário de Segurança de São Paulo (Dr. Hely Meirelles), o representante da Marinha; o representante da Aeronáutica; o representante do SNI; o chefe do EM da 2ª Divisão de Infantaria; o comandante da Força Pública; o delegado da Ordem Política e Social; o diretor de Trânsito e outros.
O clima imposto, desde o início, foi o da melhor compreensão e colaboração. Com isso, o general Canavarro, após apresentar suas principais observações sobre os fatos que vinham ocorrendo, determinou que fosse lido o documento organizado pelo Exército, com vistas ao combate ao terrorismo. No dia 27 de junho de 1969, data oficial da criação da OBAN, o II Exército elaborou um documento CONFIDENCIAL intitulado Operação Bandeirante.
A missão da OBAN ficou assim definida: Identificar, localizar e capturar os elementos integrantes dos grupos subversivos que atuam na área do II Ex, particularmente em São Paulo, com a finalidade de desativar ou pelo menos neutralizar as organizações a que pertençam.
Na parte de Execução, como conceito da Operação, constava:
"O II Ex organizará um Centro de Coordenação, constituído de uma Central de Informações e de uma Central de Operações, a fim de coordenar as atividades de busca de informes, produção de informações e ações repressivas contra grupos subversivos, visando a evitar superposição de esforços, a definir responsabilidades e a tornar mais efetivo o combate àqueles grupos.”
A situação era preocupante, pois os subversivo-terroristas, até o início de 1970, tinham assaltado aproximadamente 300 bancos e alguns carros fortes de empresas pagadoras; encaminhado mais de 300 militantes para cursos em Cuba e na China; sabotado linhas férreas; assaltado quartéis para roubar armas; sequestrado três diplomatas; “justiçado” três militares (dois estrangeiros e um tenente da Polícia Militar de São Paulo); roubado grande quantidade de explosivos em pedreiras; explodido dezenas de bombas (entre elas uma no Aeroporto Guararapes e outra no Quartel General de São Paulo); incendiado várias radiopatrulhas.
O número de mortos da insensatez dessa guerrilha urbana já era grande: 66 pessoas, sendo 20 policiais militares, 7 militares, 7 policiais civis, 10 guardas de segurança e 22 civis de profissões diversas.
— Criação dos DOI.
Na primeira quinzena de setembro de 1970, a Presidência da República, em face dos problemas criados pelo terrorismo, expediu um documento no qual analisava em profundidade as conseqüências que poderiam advir dessa situação e definia o que deveria ser feito para impedir e neutralizar os movimentos subversivos.
Tal documento recebeu o nome de Diretriz Presidencial de Segurança Interna.
De acordo com a Diretriz, em cada comando de Exército, que hoje se denomina Comando Militar de Área, existiria:
— um Conselho de Defesa Interna (CONDI);
— um Centro de Operações de Defesa Interna (CODI); e
— um Destacamento de Operações de Informações (DOI).
Todos sob a coordenação do próprio comandante de cada Exército.
Os DOI — tinham a atribuição de combater, diretamente, as organizações terroristas, de desmontar a sua estrutura de pessoal e de material, e de impedir a sua reorganização. Eram órgãos eminentemente operacionais e executivos, adaptados às condições peculiares da contra-subversão e do contra-terrorismo.
Cumprindo a Diretriz Presidencial, o Exército Brasileiro, por intermédio dos generais-de-exército, comandantes militares de área, centralizou, coordenou, comandou e se tornou responsável pela condução da contra-subversão e do contra-terrorismo no País.
Isto foi possível com a criação do:
— DOI/CODI/I Exército - Rio de Janeiro;
— DOI/CODI/II Exército - São Paulo (em substituição a OBAN);
— DOI/CODI/IV Exército - Recife;
— DOI/CODI/Comando Militar do Planalto - Brasília.
No ano seguinte com a criação do:
— DOI/CODI/5ª Região Militar - Curitiba;
— DOI/CODI/4ª Divisão de Exército - Belo Horizonte;
— DOI/CODI/6ª Região Militar - Salvador;
— DOI/CODI/8ª Região Militar - Belém; e
— DOI/CODI/ 10ª Região Militar - Fortaleza.
— Em 1974, foi criado o DOI/CODI/III Exército - Porto Alegre.
Os DOI eram a força pronta para o combate, diretamente a eles subordinados, recebendo e cumprindo suas ordens.
Concluindo a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, ao final de 1969, fui transferido para São Paulo.
O Boletim Interno do II Exército, de 30 de setembro de 1970, publicou a meu respeito: “A 30 Set, foi publico ter sido designado para assumir as funções de Chefe do Destacamento de Operações de Informações do CODI/II Ex, a partir de 29 Set 70”. Vários outros militares também foram designados para os DOI criados.
Cumprindo a ordem recebida, nesse dia, assumi o comando daquele Destacamento e lá permaneci até 23/01/74, quando fui transferido para Brasília.
A partir do dia que passamos a trabalhar nos DOI, as nossas vidas particulares e a nossas carreiras passaram a sofrer os mais variados testes.
Grandes pressões psicológicas pesaram sobre nós e nossos familiares.
Sobre nossos ombros iriam cair imensas responsabilidades. Vidas humanas passariam a depender das nossas decisões. Até aquele momento, estávamos acostumados a viver num Exército que apenas se preparava para o combate.
Iniciava-se, para nós e nossas famílias, uma total mudança de hábitos, que só viríamos sentir com o passar dos meses.
Era uma vida desgastante, cheia de riscos, sacrifícios e de privações.
As ameaças de seqüestros de nossas esposas e filhos eram constantes.
O general Humberto de Souza Mello, durante o período em que comandou o II Exército, sempre teve um especial atenção para com todos os membros do DOI/II Ex. As suas visitas inopinadas, normalmente, ocorriam horas depois de regressarmos de alguma operação de risco. Nessas ocasiões, nosso comandante elogiava a bravura de nossos homens, impulsionando-os, cada vez mais, para o cumprimento do dever. Isso elevava o moral e o espírito de corpo.
Quando algum outro chefe militar ia oficialmente ao II Exército, a visita ao DOI constava, invariavelmente, da programação oficial.
Assim, também, acontecia nos demais DOI do país.
Para nossa felicidade, tivemos como chefe da 2ª Seção do Estado-Maior do II Exército o coronel Mário de Souza Pinto. Era um oficial de prestígio e competente. Em Santa Maria/RS, havia comandado o Regimento Mallet, onde se destacou como um dos melhores comandantes daquela unidade militar, a mais tradicional da Artilharia. Tivemos a ventura de tê-lo como chefe, em pleno período de combate. Tinha todas as qualidades que um subordinado espera de seu comandante: justo, amigo, eficiente, companheiro, corajoso. Era um oficial sério e correto e não admitia deslizes, corrupção e falhas de caráter.
Se alguém cometesse uma falta dessas, sua mão era bastante pesada para punir.
É, portanto, com tristeza, que vejo a esquerda revanchista, baseada em seus próprios critérios de comportamento, inventar que nossos salários eram complementados com dinheiro de empresários; que dávamos proteção e cobertura a marginais; que nos apossávamos do dinheiro e de bens das pessoas que eram presas; que no DOI estuprávamos mulheres; que introduzíamos objetos em seus órgãos sexuais; que torturávamos e prendíamos, não só crianças, como pais, irmãos e parentes de presos que nada tinham a ver com a subversão e o terrorismo. Isso, jamais aconteceu!
Seguidamente sou apontado como chefe de homens que praticaram tais atos. Eu jamais os permitiria.
Combatíamos um inimigo que não usava uniformes, que se misturava no seio da população, de onde surgia, de surpresa, para o ataque.
Nossos inimigos, hoje chamados pelo atual governo de "resistentes", sabiam que lutavam não apenas para derrotar o regime militar, mas para estabelecer um regime comunista, uma "ditadura do proletariado". Isto, hoje, está mais do que provado e tem sido repetido por historiadores que pertenceram a organizações terroristas.
Não foi sincera a presidente Dilma quando afirmou que eles lutavam pela democracia. Não é isto o que está escrito nos programas das organizações terroristas que ela pertenceu.
Nós, por outro lado, estávamos cientes de que lutávamos pela democracia.
Depois de 4 anos de lutas, nós os vencemos e é graças à democracia que soubemos defender que eles, hoje, estão no poder, e valendo-se dele para infringir a lei, praticar a corrupção e promover a desordem, a infração impune da lei, o revanchismo e o achincalhamento dos valores morais e éticos da sociedade.
Os vencemos, lamentando cerca de 500 mortes, de ambos os lados. Se eles tivessem sido vitoriosos, haveria um banho de sangue no Brasil, à semelhança do que aconteceu nos países onde eles assumiram o poder e, hoje, estaríamos vivendo sob uma férrea ditadura comunista.
Todos nós, que combatemos a luta armada comunista, podemos bater no peito e gritar com orgulho de soldados: Missão cumprida!
Fomos elogiados por nossos chefes de então, recebemos medalhas, muitos a Medalha do Pacificador com Palma, a mais alta condecoração outorgada em tempo de paz, pelo Exército Brasileiro, fomos distinguidos com nomeações para funções de prestígio.
Passam-se os anos.
Eu já tenente-coronel, comandava o 16º Grupo de Artilharia de Campanha, em São Leopoldo, RS.
Uma noite, num jantar para comemorar o aniversário do Grupo, sentei ao lado do Comandante da 3ª Região Militar, Gen Serpa, conhecido carinhosamente como Serpa Louro, para diferenciá-lo de seu irmão, também general, que era moreno.
Disse-me ele: Coronel, estou muito preocupado com o seu futuro. O senhor, na luta contra os terroristas, ao comandar o maior DOI do Brasil, se expôs muito. O Exército tem que blindá-lo e protegê-lo.
Respondi: General, todos os combatentes dos DOI cumpriram com o seu dever, cumpriram a missão dada pelos seus chefes. Fui um dos condecorados com a Medalha do Pacificador com Palma. Sempre fomos elogiados e prestigiados pelos nossos chefes. Nunca fui chamado a atenção, nunca fui punido, nem cometi qualquer arbitrariedade. Tenho a certeza de que, se no futuro, os nossos inimigos tentarem nos atingir, o Exército ao qual servimos com tanta dedicação e com o risco, não só das nossa vidas, como a de nossas famílias, sairá em nosso favor e nos defenderá.
Ele então me disse: Coronel, o senhor é muito jovem e sem experiência. Gostaria muito que isto acontecesse, mas, tenho minhas dúvidas.
Em abril de 2006, já reformado, recebi uma Notificação do Juiz da 23ª Vara Cível de São Paulo, a respeito de acusações de tortura de Ana Maria Teles e outros. Deu-me o magistrado 15 dias para apresentar, a minha Contestação.
Como este foi o primeiro caso, onde um militar estava sendo processado por ter participado do combate ao terrorismo, pedi ao Exército uma orientação, bem como para saber o que seria feito.
A resposta do comandante do Exército, General Francisco Albuquerque, foi clara e incisiva: "O Exército não vai fazer nada". Dias depois o General chefe de Comunicação Social, em entrevista à imprensa disse "O Exército não vai se pronunciar porque o caso está sub-judice".
E assim, vi que o General Serpa tinha razão.
Sempre tive a certeza de que, mesmo passados 40 anos, e tendo mudado as circunstâncias políticas, o Exército assumiria, publicamente, o seu envolvimento e a sua responsabilidade no combate ao terrorismo. Que não se omitiria e assumiria que nós como membros de uma unidade militar, como agentes do Estado, combatemos, cumprindo ordens de nossos chefes.
Pensava que os atuais chefes militares, hoje ocupando as mesmas funções daqueles que nos deram ordens, responderiam por eles e seriam solidários conosco.
Infelizmente, isto não aconteceu. Ficamos todos nós, os combatentes dos DOI — militares do Exército e da Aeronáutica, integrantes da Polícia Federal e das Polícias Civil e Militar — jogados à própria sorte, ignorados e abandonados pelo Exercito que nos designou para a missão. Missão, que para o bem do Brasil cumprimos com êxito inquestionável.
Aos Generais “Serpa” a minha reverência e o meu respeito, aos demais, o meu lamento.
Carlos Alberto Brilhante Ustra
é Coronel Reformado do EB.
Fonte: Alerta Total
Concordo plenamente com o Cel Ustra.
ResponderExcluirAlfredo Camargo