Dedicado a todo o mundo árabe e muçulmano, o último dos moicanos.
por Tom Capri
Não há mistério na morte de Kadafi. É mais uma vitória contundente do capital, que tem sabido tirar proveito muito bem da “Primavera Árabe” para consolidar e ampliar suas posições no cobiçado mundo árabe-muçulmano e também no persa-muçulmano (Irã), principalmente em países ricos em petróleo. Em outras palavras, o capital tem se aproveitado da “Primavera Árabe” para levar o que os ingênuos acreditam ser a democracia àqueles países (e que na verdade não passa de demoniocracia).
Tudo se resume ao seguinte. Essas novas gerações de classe média naqueles países, incluindo jovens sedentos por consumo (os que na verdade fomentaram e lideraram a “Primavera Árabe”), também tiveram acesso à Internet e às redes sociais, enfim, ao mundo virtual. E, por esse caminho, acabaram desvendando finalmente as delícias do paraíso consumista ocidental. Já dotadas de poder aquisitivo para adquirir aqueles bens (graças às ditaduras em seus países), essas gerações quiseram, então, experimentar da mesma fruta (quem resiste?).
Foi quando perceberam que estavam impedidas, que o acesso ao paraíso consumista ocidental era apenas privilégio de algumas minorias. Que ditaduras como a de Kadafi, de forte cunho nacionalista, vinham dificultando a entrada desses produtos e também a instalação de multinacionais (principalmente, para a exploração de petróleo). Daí a revolta dessa gente, no que veio a se chamar de “Primavera Árabe”.
Kadafi nunca foi flor que se cheire, era incômoda pedra no sapato tanto do capital quanto do “socialismo real”. Chegou a aliar-se a Bush Filho. Na verdade, mantinha um pé na canoa do capitalismo e outro na do “socialismo real”, e levava a Líbia à sua moda, sanguinariamente. Em 1969, dez anos depois de a Líbia ter descoberto petróleo (vivia em total miséria até então), Kadafi liderou golpe de estado que acabou com a monarquia líbia e afastou as grandes companhias (todas estrangeiras) do controle do petróleo do país. A guerra estava armada.
Com isso, aumentou a arrecadação e mudou a Líbia. Reduziu consideravelmente o analfabetismo, elevou de forma significativa o PIB e a renda per capita nacional, até criar essa classe média que recentemente se voltou contra ele. Assim, abriu guerra ao capital, que viria a matá-lo pelas mãos da “Primavera Árabe”.
Isto é, as novas gerações árabe-muçulmanas também estavam impedidas, na Líbia, de ter acesso fácil até aos bens de consumo mais corriqueiros. No caso da mulher, estavam impedidas, ainda, de desfrutar da tão decantada, mas aparente e falsa, liberdade que goza hoje a mulher ocidental. Foi por aí que essas novas gerações árabe-muçulmanas se mobilizaram e se rebelaram, justamente para acabar com as ditaduras que inibiam o seu poder de consumo.
Portanto, nada mais previsível e anunciado do que a morte de Kadafi. E não há outro caminho possível para o mundo árabe-muçulmano, apesar de toda a sua resistência. É rara a instituição que não esteja hoje voltada para a consolidação das forças do capital no Planeta, do Estado à política, à polícia, à família e à religião, entre todas as outras. Só está faltando o mundo árabe-muçulmano sucumbir.
E não é ruim que sucumba à democracia, digo, à demoniocracia (a democracia é o governo do capital, pelo capital e para o capital, não sabia?). Atenção, eu disse: não é ruim que sucumba à demoniocracia. A maior parte do mundo árabe e persa (Irã) vive no atraso, com direito a apedrejamento de mulheres etc. Há que chacoalhar o que temos por lá. Só a demoniocracia (o capitalismo), com a correlação de forças que temos hoje, é capaz de revigorar aqueles países, ensejando um mínimo de avanço, para um possível futuro mais promissor (será?).
O mais curioso de tudo é que, até bem pouco tempo atrás, o capital se valia das ditaduras, que tanto apoiava, para consolidar suas posições. Mas logo descobriu, com Kadafi e similares, que as ditaduras não retribuem à altura, quando guindadas ao poder. Que não são generosas com o capital como se imaginava. Que tomam gosto pela coisa, têm essa mania de enveredar por um nacionalismo exacerbado e “impertinente” (criam reservas de mercado etc.) e até acabam chutando que as pôs lá.
Isto aconteceu até mesmo com a Ditadura Militar no Brasil. O capital não queria mais aqueles milicos nacionalistas e chatos com suas reservas de mercado e inventou, então, a “abertura política”, que veio a nos brindar com a “abertura econômica”.
Exemplos clássicos de ditaduras assim, que tanto desagradaram depois ao capital, são as de Sadam Hussein e Muamar Kadafi. Para acabar com Sadam, gastaram trilhões, que é o quanto custou a invasão ao Iraque e a guerra por lá, até hoje. Já para matar Kadafi, o custo foi quase zero, pois a “Primavera Árabe” — como os militares no Brasil de 64 — deram plena conta do recado. Deve ter ficado muuuuuito mais barato que a operação que matou Bin Laden.
E mais vem por aí. O capital não vai desperdiçar essa chance de ouro de tomar conta do mundo persa-muçulmano e árabe-muçulmano, agora que conta com a “Primavera Árabe” para fazer tudo quase que de graça, bastando a OTAN mandar meia dúzia de soldados e tanques para ficar de olho e não deixar a peteca cair. Resta saber se vai conseguir e se esses países não cairão em novas ditaduras, piores ainda para o capital/demoniocracia.
Tom Capri é Jornalista.
Fonte: Roraima em Foco
transcrito no Alerta Total
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Atravanca um palpite aqui: