por Janer Cristaldo
Sou de uma época em que sexualidade fora do casamento era incompatível com religião. A primeira pergunta que o padre fazia no confessionário era: você pecou contra a carne? E depois vinha a outra: quantas vezes? Esta era a filosofia da Igreja Católica. Só havia uma forma de não pecar contra a carne, era sexo dentro do casamento. E olhe lá! Certas práticas menos ortodoxas constituíam grave pecado. Homossexualismo, nem pensar.
Escrevi outro dia que castidade é coisa da Igreja Católica, palavra que não existe na Bíblia. Um leitor me diz que Judite, 15, 11, fala da castidade, com todas as letras, e de como é bem vista por Deus que recompensa quem a pratica. Depende da tradução. Na edição do Centro Bíblico de São Paulo, realmente temos a palavrinha. Mas eu prefiro pautar-me pela Bíblia de Jerusalém, das Edições Paulinas. Nem sombra de castidade. Se consulto a tradução francesa Alliance Biblique Universelle, muito menos. A palavra também não consta da tradução clássica de João Ferreira de Almeida. Aliás, desta versão não consta sequer o livro de Judite.
Mas constam, isto sim, os exemplos de castidade de Ló, o único homem justo de Sodoma, que oferece aos sodomitas suas duas filhas virgens, para preservar dois hóspedes da sanha de seus conterrâneos. Mais tarde, terá relações com as duas. Como também consta a castidade do rei Davi, que tinha setecentas esposas e trezentas concubinas. Em minha vida, sempre tentei pautar-me pelo exemplo do sábio rei. Mas faltou-me cacife.
No entanto, consta de todas as bíblias a condenação do homossexualismo com a morte. Assim sendo, me causa espécie a nota publicada hoje na coluna de Mônica Bérgamo, na Folha de São Paulo, de que um padre irá testemunhar em favor de um casal homossexual que move processo por homofobia contra a doceria Ofner.
O gerente de vendas Lúcio Serrano e seu namorado afirmam que foram repreendidos por um segurança após trocar carinhos em uma loja da rede nos Jardins, em 2010, e levaram o caso à Justiça. Eles chamaram o pároco Carlos Alberto, da Igreja Nossa Senhora de Lourdes, que frequentam no Planalto Paulista, pra falar sobre sua "boa conduta".
Os homossexuais estão virando místicos. Isto ficou evidente na última Parada Gay, quando evocaram o Cristo e outros santos da Igreja como patronos da bicharada. Um padre agora sairá em defesa de um casal homossexual, contrariando o livro no qual se fundamenta sua fé.
Ainda na Folha de hoje (4/7), o ministro Ayres Britto, do STF — aquele para quem “o órgão sexual é um plus, um bônus, um regalo da natureza. Não é um ônus, um peso, um estorvo, menos ainda uma reprimenda dos deuses” — afirma que a isonomia entre uniões estáveis hétero-afetivas e homo-afetivas é para todos os fins e efeitos.
O ministro, aliás, se pretende o criador do neologismo hétero-afetivo. Já homo-afetivo seria de autoria da desembargadora aposentada e jurista Maria Berenice Dias, consoante a seguinte passagem: “Há palavras que carregam o estigma do preconceito. Assim, o afeto a pessoa do mesmo sexo chamava-se 'homossexualismo'. Reconhecida a inconveniência do sufixo 'ismo', que está ligado a doença, passou-se a falar em 'homossexualidade', que sinaliza um determinado jeito de ser. Tal mudança, no entanto, não foi suficiente para pôr fim ao repúdio social ao amor entre iguais”.
Bem que eu desconfiava que cristianismo, catolicismo, marxismo, socialismo, espiritismo e outros ismos eram doenças, e das mais graves. Pelo jeito, a intenção é retirar o sexo do homossexualismo. Tesão já era. O que agora existe é afeto. Se você se pretende heterossexual, desista. Agora você é hétero-afetivo. Isso de sentir desejo por um homem ou uma mulher é coisa do passado. Agora se sente afeto. Considerando-se que o vernáculo é de todos e de ninguém, proponho mais dois outros neologismos. Isso de bissexual é coisa de brutos dominados por instintos animalescos. Melhor biafetivos. Transexuais também é pejorativo. Melhor transafetivos.
Afeto é bom, sem dúvida alguma. Sexo com afeto, melhor ainda. Mas sexo a frio, sem maiores afetos, não é de se jogar fora. Sempre foi prática corrente ao longo da história. Os vultures do Supremo estão legislando sobre a natureza dos sentimentos humanos. Mais um pouco, se você sentir apenas desejo por outra pessoa, será considerado um criminoso. Tem de sentir afeto. Abaixo o sexo casual. Trepada é para a eternidade.
Estamos assistindo a uma reviravolta curiosa neste início de século. A bicharada está se cristianizando. Não se fazem mais homossexuais como antigamente. O sonho das bonecas, hoje, é casar de véu e grinalda com a benção de um sacerdote.
Fonte: Janer Cristaldo
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