por Janer Cristaldo
Sevilha, a capital política da Andaluzia, todos conhecemos. Famosa por sua Semana Santa, tem uma das mais esplendorosas catedrais da Europa. Faremos um templo para que os pósteros nos chamem de loucos — disseram seus construtores. Já Marchena, cidadezinha a cerca de 60 quilômetros da capital andaluz, com cerca de 20 mil habitantes, é bem menos conhecida.
Do AVE, também temos notícias. Trem de alta velocidade espanhol, liga — entre outras cidades — Madri, Sevilha, Barcelona e Málaga. Atinge 300 quilômetros por hora e faz Madri-Atocha e Barcelona-Saints em 2h38m. A distância entre Madri e Toledo, que em trem normal se fazia em uma hora, hoje se faz em 25 minutos. Os trens de alta velocidade na Europa são excelentes alternativas a vôos de uma a três horas. De avião você faz Madri-Barcelona em 1h10min. Mas se contar deslocamentos até aeroporto, check in, espera de embarque, vai dar umas quatro ou mais horas. Por outro lado, o AVE sai do centro de uma cidade e o deixa no centro da outra.
Quanto às avutardas, são pequenas aves pernaltas, de uns oito centímetros de longitude da cabeça à cauda, de vôo curto e pesado. Gerou inclusive um adjetivo no espanhol, avutardado, pessoa semelhante ou parecida à avutarda.
Mas que tem a ver o AVE com as avutardas? Em janeiro de 2007, comentei o perigo que os ornitólogos representam para o desenvolvimento de um país. A idéia que temos destes senhores é a de pacatos cidadãos que adoram observar essas maravilhas da natureza, os passarinhos. Até pode ser. Mas sempre é bom desconfiar quando ornitólogos apresentam um pássaro na televisão. Normalmente, há grossa sacanagem de ONGs e ambientalistas atrás disto.
Dito e feito. O AVE quer expandir seu trajeto de Sevilha até Marchena, que se prolongaria até Osuna e Antequera, ao custo de 280 milhões de euros. As obras já foram iniciadas, faltando apenas a instalação das vias e fiação. Aí é que em entram os ornitólogos. Leio hoje no El País que uma certa entidade — Ecologistas em Ação — denunciou no ano passado o projeto por entender que constituíam uma ameaça à Zona Especial Protección para las Aves (ZEPA), em Campiñas de Sevilha, refúgio para espécies como a avutarda, em perigo de extinção na Andaluzia.
Atendendo às reivindicações dos ecologistas, a Comissão Européia, sediada em Bruxelas, quer impedir a construção dos três novos ramais do AVE. Alega “possíveis não-cumprimentos do direito comunitário” sobre a proteção do meio ambiente, das aves silvestres e seus habitats naturais e da flora e fauna silvestres. Segundo a Comissão, a normativa européia obriga que os projetos sejam avaliados de maneira adequada antes de sua aprovação para evitar conseqüências indesejáveis para o meio ambiente.
Os Ecologistas em Ação defendem a idéia de que a linha atravessa durante 16 quilômetros a ZEPA, que entrou em vigor em setembro de 2008. Nesses 16 quilômetros, existiriam 80 ou 90 avutardas. Os perigosos ornitólogos alegam que as aves poderiam colidir com a fiação, com as catenárias ou com a dupla margem de segurança. A direção geral européia de Meio Ambiente decidiu então iniciar um 'procedimento de sanção' contra a Espanha”.
Ou seja, em função destes delírios ornitológicos, Bruxelas quer decidir como a Espanha deve administrar seu sistema ferroviário. Ora, existem pelo menos mais cinco zonas avutarderas na Espanha, distribuídas de norte a sul do país. Por 80 aves que habitam uma extensão de 16 quilômetros, os ecochatos querem — e não duvido que consigam — impedir um transporte mais rápido entre três cidades e sabotar um projeto de 280 milhões de euros. Sem falar que consideram as avutardas, além de lentas, míopes. Se não conseguem enxergar fios ou catenárias, provavelmente vivem dando cabeçadas em ramos de árvore.
Se a Espanha ceder, estará pagando cerca de 28 milhões de euros por avutarda. Que mandem as pernaltas para a Galícia, País Basco, Catalunha, Castilla, ora bolas. Para que conheçam novas línguas e novas avutardas. ONGs já engavetaram mais de trezentos projetos de barragens no mundo, especialmente na África, Ásia e América Latina. Estas organizações estão cometendo crimes contra a humanidade, ao condenar milhões de pessoas a viver longe da água potável e energia elétrica. Os avutardados querem agora privar de bom transporte toda uma região da Andaluzia.
Reproduzo infra a crônica de 2007.
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Ano passado, comentei o perigo que os ornitólogos representam para a economia de um país. A idéia que temos destes senhores é a de pacatos cidadãos que adoram observar essas maravilhas da natureza, os passarinhos. Até pode ser. Mas sempre é bom desconfiar quando ornitólogos apresentam um pássaro na televisão. Normalmente, há grossa sacanagem de ONGs e ambientalistas atrás disto.
Nos dias em que vivi no Paraná, durante semanas foi vedete dos noticiários televisivos um pequeno pássaro, uma espécie de pardal, que estaria ameaçado de extinção. Chamava-se curiango-do-banhado e habitava nos arredores de Curitiba. Durante longos minutos, o bichinho era exibido em seus ângulos mais simpáticos, sempre com a mensagem: corre perigo de extinção. Ano seguinte, foi a vez de uma nova espécie de tapaculo, da família Rhinocryptidae, batizada com o nome popular de macuquinho-da-várzea. Também vivia nos arredores de Curitiba. Algumas semanas mais tarde se soube ao que vinham o curiango-do-banhado e o macuquinho-da-várzea. Para preservá-los, era preciso preservar seu habitat natural. E para preservar seu habitat natural, as tais de ONGs fizeram uma ferrenha campanha para impedir a construção de uma barragem que abasteceria a capital paranaense. Me consta que o projeto de barragem morreu na casca.
Há alguns anos, vi uma reportagem no 60 Minutes sobre uma região da Índia que abrigava quarenta milhões de habitantes. O programa começava mostrando mulheres e crianças carregando em baldes, para próprio consumo, uma água preta e lamacenta. Outras juntavam esterco de vaca, usado como combustível. Havia um projeto de uma represa para abastecer de energia elétrica e água potável a região toda. Uma ONG vetou o projeto junto ao Banco Mundial, com a argumentação de que a represa ameaçava uma espécie qualquer de tigre. A represa gorou e quarenta milhões de pessoas continuaram a beber água podre e cozinhar com esterco de vaca.
A reportagem entrevistava em Nova York, em um elegante apartamento, a porta-voz da ONG que conseguiu sepultar a represa. Não sei se a moça percebeu a ironia, mas o repórter a filma enchendo um copo de límpida água de torneira. O repórter quer saber porque privar milhões de pessoas de água limpa. A moça dizia mais ou menos o seguinte (cito de memória): não queremos que aquelas populações adquiram os hábitos de consumo do Ocidente. É como se dissesse: esses hábitos do Ocidente são privilégios de ocidentais. Vocês aí, continuem catando esterco de vaca.
Claro que a moça jamais viveu naquelas condições. Eu, água preta à parte, vivi. Em meus dias de guri, esterco de vaca era um dos combustíveis que usávamos. Outro era gravetos de chirca, um arbusto daninho que invade os campos. E também madeira de árvores, particularmente de eucaliptos. Mas hoje o Ibama proíbe derrubar qualquer árvore. Quanto à água, tinha-se água limpa. O problema é que tinha de ser buscada, operação que tomava uma boa hora de cada dia. Primeiro era preciso encilhar um cavalo, atrelar uma rasta com uma barrica, levar a barrica até a cacimba — a mais de quilômetro de distância —, enchê-la pacientemente balde a balde, usando um pano qualquer para coar a água. A fauna macroscópica ficava se contorcendo sobre o pano. Quanto à microscópica ninguém ligava e jamais vi morrer alguém por beber daquela água. A água gelada daquela cacimba até hoje me dá saudades. Quando migrei para a cidade, vi a água correndo da torneira como se estivesse diante de um milagre. Todas as casas de Roma tinham água encanada antes de Cristo. No Brasil, até hoje, milhões de pessoas não dispõem deste conforto.
Mais de trezentos projetos de barragens já foram engavetados no mundo, especialmente na África, Ásia e América Latina, por obra de ONGs. Estas organizações estão cometendo crimes contra a humanidade, ao condenar milhões de pessoas a viver longe da água potável e energia elétrica. Seus militantes são sempre oriundos de países desenvolvidos, todos pontilhados de represas. Sua ação sempre incide sobre países do Terceiro Mundo, que precisam de energia para abandonar esta condição. É preciso olhar com cautela para os defensores aguerridos da fauna. Tigres ou passarinhos, bichinhos comoventes tipo o mico-leão-dourado, constituem uma ameaça ao desenvolvimento de países pobres quando manipulados por ongueiros.
Semana passada, dois simpáticos passarinhos ameaçados de extinção ilustraram uma reportagem na Folha de São Paulo, o papa-formigas-de-topete-branco e o rapazinho-carijó. Segundo recente estudo feito por cientistas brasileiros — e americanos, como não poderia deixar de ser — as unidades de conservação pequenas têm potencial limitado na conservação da biodiversidade na Amazônia quando se trata de espécies de pássaros. A conclusão é de um novo estudo de cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, a partir de levantamentos feitos desde 1979 numa área desmatada perto de Manaus. Os cientistas tentam entender qual é fator mais crucial para a sobrevivência de espécies em um determinado fragmento de mata que tenha restado numa região desmatada. É mais importante que esse fragmento seja grande ou é mais importante que ele não esteja muito isolado de outros trechos de mata?
Seja qual for a conclusão, é óbvio que se oporá a qualquer iniciativa para desenvolver a região. "Fragmentos de cem hectares perdem a metade do número de espécies de ave em cerca de 15 anos", diz o pesquisador, que alerta para um problema: "Para diminuir dez vezes a velocidade de perda, é preciso aumentar cem vezes a área". Confesso que não sei o que está sendo projetado para a região. De qualquer forma, desde quando passarinho é prioritário ante um projeto de agricultura ou pecuária? Por outro lado, pássaros voam. Se um território tornou-se hostil, eles buscam outro. Pássaros migram. Não é preciso ser ornitólogo para saber disto. Quando migram, não migram a pé. Asas vão longe e a Amazônia é vasta.
Isto pode ser observado no Sul do país. Afugentadas pelos agrotóxicos, muitas aves do campo estão buscando as cidades. O quero-quero, ave campestre que jamais pousou em árvores, já aprendeu até mesmo a pousar em cumeeiras de casas. Necessidade obriga. Mais algumas décadas e talvez estejam pousando em fios de telefone. Se é que até lá existirão fios de telefone.
Nos anos 70, uma foto feita por um fotógrafo do Estadão ganhou prêmios internacionais, a foto de um ninho de pomba. Isolada na urbe, sem a matéria-prima usual para a construção de seu ninho — folhas e gravetos — a pomba inovou: fez um ninho de clips. Man tager vad man haver, dizia uma profunda escritora sueca, Kajsa Varg. Em bom português: a gente pega o que a gente tem. (Em tempo: Kajsa Varg é autora de livros de culinária). Os pássaros se adaptam. Quem não se adapta são os ambientalistas, aferrados a seus dogmas ecológicos.
Esses estudos que surgem de tempos em tempos nos jornais, visando criar santuários para pássaros, não passam de pretextos de ecochatos para impedir projetos agrários, usinas, estradas. Num país que não consegue sequer dar segurança a seus cidadãos, ainda há quem queira preservar o bem-estar dos pássaros. Os pássaros-vítimas-do-desenvolvimento — ou animais — têm de ser simpáticos para comover a opinião pública. Ninguém se comoveria com a preservação dos morcegos. Que nojo! Muito menos de aranhas, escorpiões ou lacraias. Já o mico-leão-dourado é podre de charme.
Assim, quando você vir ornitólogos passeando pela floresta, de binóculos em punho, como quem inocentemente observa pássaros, cuidado: algo devem estar tramando contra a humanidade.
Fonte: Janer Cristaldo
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