domingo, 1 de maio de 2011

Reminiscências de Um Gerente Aposentado

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No rádio portátil do passageiro sentado no banco atrás do meu, o Chico Buarque cantava a Banda; "Estava à toa na vida, o meu amor me chamou, pra ver a banda passar....". Eu sabia a letra de cor e cantava junto. A música era bem novinha ainda. Novembro/66. Estava feliz. Ia me encontrar com o meu primeiro emprego: Banco do Brasil, um velho sonho para um jovem de 20 anos.
A poeira vermelha pairava no ar, dentro do ônibus. Já tinha viajado mais de 10 horas pelas estradas de chão batido do Rio Grande do Sul na direção do meu objetivo. Pensava ver alguma tropa do Exército parando o ônibus para revistarem os passageiros. Nada. Nem um milico para atrapalhar a viagem. Três anos depois fiz o caminho de volta.. A poeira havia sumido. Alguém resolvera asfaltar a estrada. Uma beleza! Nenhum milico atrapalhou a viagem.
Nesses primeiros três anos de trabalho no "interiorzão" do Rio Grande, pude constatar alguns fatos: 
1º) optei pelo FGTS. Não precisava fazer isso, mas achei melhor;
2º) fiz planos para comprar um imóvel pelo BNH. Uma regalia para um jovem de 20 anos;
3º) realizei várias viagens pelo Brasil. Afinal, jovem gosta de viajar, ainda mais se tem o seu dinheirinho. Nenhum milico atrapalhou minhas viagens;
4º) no BB, a gente circulava pelo interior do município para levar o crédito ao homem simples do campo. Máquina de escrever, carbonos, propostas, contratos e nós, eu e mais uns dois ou três funcionários do BB, na caçamba de uma Rural Willys. Colocávamos a Rural embaixo de uma figueira. Ali funcionaria a "agência do BB". A "colonada" fazia fila. Eram todos atendidos. O BB financiava desde uma junta de bois para o serviço e uma vaca para tirar leite, até uma pequena lavoura para subsistência do colono. Juros do financiamento na faixa dos 3% a.a. Nunca apareceu um só milico para atrapalhar essas viagens. No rádio da "agência", o Caetano cantava "Alegria, Alegria".
Quando sai do "interiorzão", fui para uma cidade perto da capital gaúcha. Uma beleza! Finalmente poderia conhecer a tal de "Free-way" que tinham construído em direção às praias. Andei pra lá e pra cá na "Free-Way" várias vezes no meu Fuca/70. Às vezes ia para Floripa.. Cansei de dormir nas estradas. Nunca fui assaltado e nenhum milico apareceu para encher meu saco.
Já em Porto Alegre, a cidade que era meu sonho de consumo, ingressei na UFRGS pela via democrática do vestibular. Passei cinco anos na Faculdade de Direito, à noite. precisava de um curso superior para viabilizar minha carreira no BB. Meu valioso diploma veio em 1979. Nos cinco anos de UFRGS nunca apareceu um milico para encher o meu saco.
Nessa época, nos bancos universitários, já se falava em ProÁlcool, PIS, PASEP, Ponte Rio-Niterói, ITAIPU, ANGRA I e ANGRA II, além de outros grandes investimentos. Para mim, no entanto, a maior invenção foi o MOBRAL. Com ele, o Brasil começava a ser educado.
Minha carreira no BB decolou. Aos poucos fui percebendo que uns colegas malandros, ruins no serviço e no estudo, queriam ser chefe ou ganhar um salário igual ao do chefe. Para alcançarem isso ingressaram no Sindicato. Estudar pra quê? Lá bebiam, colocavam os pés em cima das mesas e faziam greves. Chamavam-me de pelego. O meu saco começou a encher.
O tempo passou. Eles provaram que eu estava errado porque não precisaram estudar para alcançar a chefia. Usaram os sindicatos e depois, acabaram com eles, numa típica ação "os fins justificam os meios".
Enfim, simplificando, acho que a falta de educação tomou conta do Brasil; o Chico conseguiu empregar a irmã que se encontrava"à toa na vida"; o Caetano, ainda na onda da "Alegria, Alegria", também deve ter dado uma mão para a mana criar o seu bloguinho de meio milhão de reais e, para tornar a história mais emocionante, começaram a torrar o saco dos milicos.
Felizmente, estou aposentado! Não fosse isso, meu saco explodiria!
Fonte:  Ternuma
COMENTO:  o texto também me foi remetido por correio eletrônico, atribuindo sua autoria a Renato Madrid, servidor aposentado pelo Banco do Brasil, porém não consegui confirmar este dado. É um depoimento que bem demonstra como viviam os cidadãos corretos, que não se deixavam levar pela cantilena comuno-sindicalista durante a segunda metade do século passado. E que hoje não se queixam de terem sido "reprimidos" pela dita-mole militar. Talvez alguns estejam arrependidos por não poderem gozar os privilégios de uma 'bolsa-ditadura' isenta de impostos, mas todos estão com suas consciências tranquilas por terem vivido honestamente naquele período. Outros, gozam seus benefícios materiais obtidos graças à adesão aos grupos ilegais que tentaram sabotar a democracia, mas suas consciências, certamente não estão em paz.
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