quinta-feira, 3 de março de 2011

Nem Uma Mão ao Amigo e Irmão??

por Janer Cristaldo
Sob as ruínas do tirano — este é o título da reportagem de capa da Veja (nº 2206 - 2 de março de 2011), que saiu hoje nas bancas.
A revista assim abre a reportagem:
Irmão Líder, Guia da Revolução, Rei da Cultura, Imã de todos os Imãs, Profeta dos Profetas, Pai da África e Reitor dos Governantes Árabes são alguns dos títulos que Muamar Kadafi se atribuiu. Para a história, ele passará simplesmente como um criminoso internacional da pior estirpe. Entre as inúmeras malfeitorias do ditador líbio está o financiamento de atentados no exterior e a ajuda a golpes de estado em outros países africanos”.
A revista retoma o assassinato de atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique em 1972, a explosão de uma discoteca em Berlim freqüentada por soldados americanos em 1986 e o atentado ao avião da Pan Am sobre Lockerbie, na Escócia, em 1988, no qual morreram 285 pessoas. Mais os golpes liderados por Charles Taylor na Libéria e por Idi Amin Dada, em Uganda. Mais o pagamento de milícias para participar do genocídio na região de Darfur, no Sudão, que matou 400 mil pessoas.
As voltas que o jornalismo dá! Quando Lula se encontrou com Kadafi em Tripoli, em dezembro de 2003, não lembro de ter lido, em jornal algum, qualquer manchete tipo
— LULA VISITA TIRANO ÁRABE
Ou talvez:
— LULA ENCONTRA DITADOR LÍBIO
Ou ainda:
— LULA ENCONTRA CRIMINOSO INTERNACIONAL DA PIOR ESTIRPE
Lula encontrou o hoje tirano mais três vezes. Na Nigéria, em 2006 e mais duas vezes em 2009. Uma em Sirte, na Líbia, quando chamou Kadafi de "amigo e irmão", e mais uma outra em Isla Margarita, na Venezuela, quando o hoje ditador chegou a propor uma aliança militar entre países da América Latina e da África, nos moldes da OTAN. Ora, as ações terroristas de Kadafi eram então amplamente conhecidas.
E admitidas pelo próprio terrorista. Tanto que a Fundação Internacional Kadafi pagou 35 milhões de dólares às vítimas do atentado cometido contra a discoteca La Belle, em Berlim. Em 2003, mesmo ano em que Lula foi ao encontro de seu amigo e irmão, a Líbia assumiu a responsabilidade pela bomba de Lockerbie. Alguns anos mais tarde, não só indenizou com 2,7 bilhões de dólares os familiares das vítimas do atentado de Lockerbie como também tratou da reparação do atentado contra um avião francês com 170 passageiros a bordo, derrubado em 1989, sobre Níger.
Quantos jornalistas no mundo todo Kadafi terá comprado para ser absolvido pelo Ocidente? Não sabemos. De suas compras só testemunhei uma. Aconteceu em Porto Alegre, final dos anos 70, após o assassinato dos atletas israelenses em Munique, quando um grupo de jornalistas gaúchos, comunistas e venais, foi à Líbia a convite do Imã de todos os Imãs. Na volta produziram uma gorda revista laudatória à ditadura de Kadafi, edição de luxo, em papel couché. Que não deve ter vendido sequer um exemplar. Mas demonstrava a gratidão dos jornalistas ao Irmão Líder da Grande Jamahiriya Árabe Líbia Popular e Socialista.
O Ocidente recebeu de braços abertos o Profeta dos Profetas. As armas com as quais Kadafi hoje mata seus compatriotas foram fornecidas por Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália, Espanha e mesmo pelo Brasil. Os dirigentes ocidentais começam a pôr as barbas de molho e pedem a cabeça do Pai da África.
Sic transit gloria mundi! Quanta ingratidão, meu Deus! Será que nem mesmo Lula, conhecido por sua generosidade para com os seus, não vai estender uma mão ao amigo e irmão, neste difícil transe de sua existência?

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