por Marcos Pontes
Excelentíssimo(a) Senhor(a) Senador(a),
Não é com boa surpresa que leio no sítio do Congresso Nacional que foi apresentado um Projeto de Emenda Constitucional, enumerada 3/11, de autoria do deputado federal Nazareno Fonteles, que autoriza o Poder Legislativo mudar decisões do Poder Judiciário. Para um cidadão minimamente informado e politizado como eu, tal medida é frontalmente contrária ao princípio republicano, e solidificado pela Constituição Federal, da independência dos Três Poderes.
O dito deputado baseia seu projeto no argumento de que já é previsto pela Constituição o direito do Legislativo sustar atos abusivos do Poder Executivo. Usa desse argumento para legislar em causa própria, uma vez que vê seu mandato ameaçado por ter o Supremo Tribunal Federal acordado que a suplência pertence ao partido do titular, não da coligação.
Não bastasse isso, a primeira argumentação do deputado também pode ser rebatida usando suas próprias palavras. Cabe ao Legislativo anular atos abusivos do Executivo, o que não parece ser o caso do Judiciário em relação à questão de a quem pertence a suplência.
Num outro ponto o deputado, da base governista, se atrapalha na própria argumentação. Ele cita a Constituição federal mais uma vez quando fala da competência dos três poderes, algo que qualquer adolescente dos tempos da Educação Moral e Cívica e da Ordem Social e Política Brasileira, ensinada nas escolas no tempo em que estudantes eram educados de verdade para serem cidadãos, sabia. "O Legislativo produz as leis, o Judiciário aplica as leis e o Executivo executa projetos”, diz, com razão, o deputado Fonteles. Esquece-se, porém, que nos últimos oito anos o Legislativo deu ao Executivo o poder de produzir leis, cabendo ao Congresso Nacional apenas a função de dar caráter legal às vontades do então presidente da República, prática que promete se repetir na atual legislatura.
O fato de permitir que a presidente decida por decreto — prática altamente condenada pelo partido do deputado e da presidente na época em que era oposição — é ferir os preceitos constitucionais, pois não? Sem querer ofendê-lo(a), caro(a) senador(a), mas sentindo-me ofendido por ver as autoridades descumprirem a lei, acho de muito mau agouro ver os nobilíssimos parlamentares, despreparados em sua maioria para executarem a função de legisladores (e podem me rebater com a argumentação de que foram escolhidos democraticamente pelo voto popular, o que aceitarei, porém não com conformismo), darem de mãos beijadas e lavadas ao chefe do Executivo e seus ministros o poder de criar leis, normas, taxas e o que bem entenderem, diante de seu aceno positivo com a cabeça baixa e joelhos em genuflexão, como fosse ele, o chefe do Executivo, o próprio Deus encarnado.
Não bastasse essa conivência vergonhosa, se o Judiciário interpreta a legislação de maneira contrária à desejada pelos legisladores é porque os textos são mal escritos, deixam brechas para interpretações, manobras e insatisfações.
Fossem os projetos bem elaborados, analisados sob as diversas ópticas, discutidos por especialistas antes de virarem leis, nem os juízes ou um cidadão comum, ou mesmo os próprios parlamentares discutiriam sua abrangência, intenções e previsões.
Que há uma necessidade antiga de reforma eleitoral e política, não resta dúvida, mas não deve começar com mudança de leis que ferem o desejo pessoal desse ou aquele cidadão. A Constituição federal mais parece uma colcha de retalhos, se comparada com aquela aprovada há 23 anos e essa retalhação da Carta Magna só se deu por falta de análise isenta de ideologias, no calor do fim da ditadura e sob a sanha reformista de políticos mais ansiosos em tomar o poder do que melhorar a realidade nacional com método e isenção moral e ideológica.
O deputado autor da PEC 3/11 assumiu o cargo porque o titular da vaga se licenciou para assumir uma secretaria de estado. Isso, sim, deveria ser proibido. É uma prática comum, mas enganosa. Se o cidadão candidatou-se a cargo parlamentar e foi eleito, pois que cumpra seu acordo com aqueles que o elegeram. Se seu desejo fosse uma secretaria estadual, que acordasse com o candidato ao executivo para evitar que traísse o desejo de seus eleitores. Por que a proibição de legislador eleito assumir cargo no executivo não entra na reforma política? Simples, e os(as) senhores(as) não podem negar: porque é sua prática legislar para si, não para o país.
O país, porém, falo em nome de milhões de brasileiros bem informados, não pode aceitar calado e de braços cruzados uma reforma constitucional como essa prevista pelo deputado Fonteles. Antes de acusar o Judiciário de invadir a esfera do Legislativo, o nobre deputado e todos os seus pares de ambas as casas legislativas federais deveriam abrir os olhos e proibir que o Executivo faça e desfaça leis a seu bel prazer.
Espero com esse e-mail abrir entre os senhores um debate mais cônscio sobre suas obrigações legais, despertar a consciência daqueles que esqueceram que são vossas excelências nossos, da população, representantes e é para o país inteiro que devem legislar e fiscalizar os atos da presidência da República e não criar leis olhando para seus interesses particulares, os de seus coligados, dos financiadores de campanha, do chefe do Executivo os dos particulares que sejam.
Respeitosamente, subscrevo-me.
Marcos Pontes
Fonte: Esculacho e Simpatia
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Atravanca um palpite aqui: