por Janer Cristaldo
O acordo ortográfico ideado por Antonio Houaiss diz finalmente ao que vem. Leio na Veja que o governo abriu licitação para a compra de 10 milhões de dicionários que serão distribuídos em cerca de um milhão de salas de aulas da rede pública ainda este ano. É a primeira compra de dicionários desde 2006 — ou seja, os que estão hoje disponíveis são pré-acordo ortográfico.
Isto é só o começo. Depois terão de ser transpostos à nova norma os livros didáticos, os paradidáticos e toda a literatura nacional já publicada. Mais as eventuais reedições de traduções. A indústria editorial deve estar esfregando as mãos de felicidade. A negociata é de proporções colossais.
Portugal, a nação onde a língua nasceu, não gostou do acordo. E continua escrevendo como dantes. Um Conselho de Ministros deu um prazo — 2014 — para que os lusos passem a escrever segundo o acordo. Até lá, muita água ainda há de correr sob a ponte sobre o Tejo.
A tentativa de unificação das diferentes variantes do português, além de inútil, é estúpida. Mesmo que se unifique a grafia, resta o que mais diferencia as línguas. Me atenho ao português e brasileiro, já que desconheço as variantes de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau ou Timor-Leste.
Quando passo em Lisboa, tenho às vezes vontade de falar outra língua, para comunicar-me melhor. Certa vez, em uma estação de trens, perguntei a um luso onde ficava os banheiros.
— O senhor quer banhar-se?
Não, respondi. Queria apenas urinar.
— Ah! O mingitório. Fica ali.
Tente traduzir este anúncio de metrô:
Senhor utente: se for descer na paragem tal, dirija-se aos carros à frente do comboio
Pode traduzir. Mas já será outra língua. Ou ainda, este anúncio nos banheiros:
Antes de sair, carregue no cataclisma.
Cataclisma é a descarga. Nos cafés, você não pede um café, mas uma bica. Mais surpreso você ainda ficará ao encontrar em uma ementa — isto é, cardápio — pratos como bifanas e safadinhas, pregos e sopa de grelos, febras de bacorinho ou punhetas de bacalhau.
E por aí vai. De que serve unificar a grafia, quando os idiomas já são dois? Quando falo em língua brasileira, nunca falta um fanático para me corrigir: língua portuguesa. Não é o que pensam os tradutores da Europa e dos Estados Unidos. Nos créditos de uma tradução, encontramos tradução do português. Ou do brasileiro. Já fui inclusive convidado para traduzir uma tradução do português ao brasileiro. Como a tarefa não me entusiasmou, recusei.
O acordo ortográfico é um embuste, cujo primeiro beneficiário foi Antonio Houaiss. Antes mesmo de o acordo ser assinado, seu dicionário já estava redigido segundo as novas normas. A indústria editorial brasileira logo percebeu as vantagens. Terá mercado cativo para as próximas décadas.
A eliminação de acentos só serve a analfabetos que não sabiam lidar com a língua. A eliminação do acento em pára, do verbo parar, torna confusas as manchetes. O saudoso Nestor de Hollanda dizia ser o acento diferencial fundamental para a compreensão do discurso. A virgem diz: ai. A viúva diz: aí.
Quando vejo escrito plateia, assembleia, Coreia, assim sem acento, minha tendência é pronunciar platêia, assemblêia, Corêia. Resumindo: a reforma revelou-se confusa, incoerente e só serve para dar lucros ao mundo editorial.
A universidade e os jornais foram covardes. Poderiam tranqüilamente recusar-se à proposta absurda. Os editores, é claro, jamais se recusariam. De minha parte, resisto. Continuo a escrever na boa e velha grafia e ninguém vai demover-me disto.
Jozé Joaqim Leão de Qorpo Santo, nos estertores do século XIX, em sua Ensiqlopedia ou seis mezes de uma enfermidade, fez uma proposta mais radical, coerente e sensata. Ocorre que, além de ser gaúcho, era tido como louco.
Houaiss fala uma linguagem que os editores entendem: lucro.
Isto é só o começo. Depois terão de ser transpostos à nova norma os livros didáticos, os paradidáticos e toda a literatura nacional já publicada. Mais as eventuais reedições de traduções. A indústria editorial deve estar esfregando as mãos de felicidade. A negociata é de proporções colossais.
Portugal, a nação onde a língua nasceu, não gostou do acordo. E continua escrevendo como dantes. Um Conselho de Ministros deu um prazo — 2014 — para que os lusos passem a escrever segundo o acordo. Até lá, muita água ainda há de correr sob a ponte sobre o Tejo.
A tentativa de unificação das diferentes variantes do português, além de inútil, é estúpida. Mesmo que se unifique a grafia, resta o que mais diferencia as línguas. Me atenho ao português e brasileiro, já que desconheço as variantes de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau ou Timor-Leste.
Quando passo em Lisboa, tenho às vezes vontade de falar outra língua, para comunicar-me melhor. Certa vez, em uma estação de trens, perguntei a um luso onde ficava os banheiros.
— O senhor quer banhar-se?
Não, respondi. Queria apenas urinar.
— Ah! O mingitório. Fica ali.
Tente traduzir este anúncio de metrô:
Senhor utente: se for descer na paragem tal, dirija-se aos carros à frente do comboio
Pode traduzir. Mas já será outra língua. Ou ainda, este anúncio nos banheiros:
Antes de sair, carregue no cataclisma.
Cataclisma é a descarga. Nos cafés, você não pede um café, mas uma bica. Mais surpreso você ainda ficará ao encontrar em uma ementa — isto é, cardápio — pratos como bifanas e safadinhas, pregos e sopa de grelos, febras de bacorinho ou punhetas de bacalhau.
E por aí vai. De que serve unificar a grafia, quando os idiomas já são dois? Quando falo em língua brasileira, nunca falta um fanático para me corrigir: língua portuguesa. Não é o que pensam os tradutores da Europa e dos Estados Unidos. Nos créditos de uma tradução, encontramos tradução do português. Ou do brasileiro. Já fui inclusive convidado para traduzir uma tradução do português ao brasileiro. Como a tarefa não me entusiasmou, recusei.
O acordo ortográfico é um embuste, cujo primeiro beneficiário foi Antonio Houaiss. Antes mesmo de o acordo ser assinado, seu dicionário já estava redigido segundo as novas normas. A indústria editorial brasileira logo percebeu as vantagens. Terá mercado cativo para as próximas décadas.
A eliminação de acentos só serve a analfabetos que não sabiam lidar com a língua. A eliminação do acento em pára, do verbo parar, torna confusas as manchetes. O saudoso Nestor de Hollanda dizia ser o acento diferencial fundamental para a compreensão do discurso. A virgem diz: ai. A viúva diz: aí.
Quando vejo escrito plateia, assembleia, Coreia, assim sem acento, minha tendência é pronunciar platêia, assemblêia, Corêia. Resumindo: a reforma revelou-se confusa, incoerente e só serve para dar lucros ao mundo editorial.
A universidade e os jornais foram covardes. Poderiam tranqüilamente recusar-se à proposta absurda. Os editores, é claro, jamais se recusariam. De minha parte, resisto. Continuo a escrever na boa e velha grafia e ninguém vai demover-me disto.
Jozé Joaqim Leão de Qorpo Santo, nos estertores do século XIX, em sua Ensiqlopedia ou seis mezes de uma enfermidade, fez uma proposta mais radical, coerente e sensata. Ocorre que, além de ser gaúcho, era tido como louco.
Houaiss fala uma linguagem que os editores entendem: lucro.
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