quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O Que Franklin Escrevia Quando Ainda Era Jornalista

por Reinaldo Azevedo
Eis que me chega às mãos, por motivos vários, um livrinho realmente precioso chamado “Jornalismo Político”. Seu autor é Franklin Martins — sim, o próprio. Ele o publicou pela editora Contexto, em 2005, quando ainda era jornalista. Vamos ver o que nos ensinava a Escolinha do Professor Franklin Martins.
Na introdução, depois de falar da experiência de 40 anos em todas as mídias, em pequenas e grandes empresas, na clandestinidade e ao ar livre, Franklin diz que chegou à conclusão de que pode ajudar a juventude a entender melhor o tema. É um livro direitinho. Até meio bobinho. Começa com uma comparação entre a imprensa de 1950 e a de 2002. Comparam-se manchetes, e a conclusão é sempre título dos capítulos. “1950: os jornais entram em campanha”; “2002: a imprensa cobre a campanha”; “Mais notícia e menos opinião para um leitor mais plural”. E por aí segue. Na página 93, há uma preciosidade. Gostaria de saber se ele próprio suportaria a leitura em voz alta. Leiam o que escreve em “Denúncias e Escândalos” (vai em vermelho; comento em azul):
Mas não é só durante as CPIs que a cobertura política parece cobertura de polícia. Faz parte do nosso cotidiano também investigar denúncias sobre irregularidades na administração pública, desvios de recursos, armações em concorrências e negócios escusos com dinheiro do Estado.
O “nosso”, vocês entenderam, refere-se aos jornalistas — ele ainda era um deles. Pelo visto, tal trabalho era uma rotina quando o PT estava na oposição. Quando se tornou governo, aí a investigação jornalística passou a fazer parte de uma conspiração golpista.
Algumas vezes as denúncias referem-se a mordomias indevidas, deslizes com cartões de crédito e passagens aéreas ou uso de aviões da FAB em viagens de lazer. Não são irregularidades capazes de quebrar o país, mas nem por isso a imprensa deve deixá-las de lado. A sociedade tem o direito de saber como o dinheiro público é gasto e se as normas de moralidade que devem reger a administração do Estado estarão sendo obedecidas.
Viram? Era assim quando FHC era governo. Cumpria ao jornalismo o rigor máximo. Quando Lula chega ao poder, apurações dessa natureza passam a ser acusadas de “udenismo” e “desvio de direita”, e a imprensa é tratada como “partido de oposição”.
Ministros de Fernando Henrique viajaram em aviões da força Aérea para férias em Fernando de Noronha. Está errado. Os regulamentos são claros: os jatinhos só podem ser usados a serviço. Nos jardins do Palácio da Alvoradas foram plantadas flores formando uma estrela do PT? Também não pode. Governo é governo, partido é partido. Prédios públicos não podem exibir símbolos e inscrições partidárias.
Franklin, então, ainda se esforçava, para ser um jornalista equilibrado, isento, com críticas aos dois lados e tal… Não sei exatamente em que mês de 2005 o texto foi publicado. Sei que é o ano em que vem à tona a denúncia do mensalão e também aquele em que ele começa a se despedir da carreira jornalística. A Folha publicou a entrevista com Roberto Jefferson no dia 6 de junho. A gente conhece o resto  da história. O “professor” Franklin Martins dedica-se, então, à tarefa de negar que o mensalão tenha existido, adota a tese de que o PT nada mais fez do que o que todos sempre fizeram e passa a flertar com os que acusam a cobertura da lambança de golpismo.
Normalmente, as autoridades flagradas nessas derrapadas ficam irritadíssimas com a imprensa. Acusam-nos de fazer tempestade em copo d’água, dando importância excessiva a assuntos menores. Muitas vezes, rompem relações com o repórter responsável pela matéria ou dão instruções aos assessores para deixarem-no na geladeira. É do jogo. Cada um faz seu trabalho e aprende com seus erros como pode.”
Viram? Recentemente, descobriu-se que a pasta de Franklin fez uma licitação a toque de caixa, vencida por uma empresa em que trabalha o … filho de Franklin. A “autoridade flagrada ficou irritadíssima com a imprensa e acusou o jornalista de fazer tempestade em copo d’água”… Franklin, apesar dos descalabros evidentes, era contrário à demissão de Erenice Guerra. Achava que tudo não passava de coisa da … imprensa.
Adjetivo não combina com matéria de denúncia, especialmente sobre irregularidade administrativa ou infração de normas éticas. Ironia, muito menos. Deboche, nem pensar. A matéria tem de ficar de pé por si mesma, sem anabolizantes. Se a denúncia for quente, não precisa ser esquentada; se não for tão quente assim, deve ser mais bem apurada antes de ser publicada. O leitor desconfia de denúncia feita com muito prazer. Tem razão. Afinal, estamos apenas cumprindo nossa obrigação.
Esse negócio sobre o adjetivo, a depender do caso, e só conversa mole. Mas vá lá… Gostei foi de ver que uma das obrigações do jornalista é apurar a notícia e ponto final.
Mas, muitas vezes, topamos com casos bem mais cabeludos. São esquemas de corrupção pesadíssimos, com ramificações em diversas áreas, envolvendo desvios de recursos milionários.
É verdade!
Algumas vezes, as denúncias chegam-nos por intermédio de um funcionário público ou de um técnico que descobriu o esquema; em outras, a iniciativa é de alguém que fazia parte da turma e foi escanteado; em outras, a dica é de um desafeto ou inimigo dos chefes da quadrilha.
Perfeitamente! É assim mesmo!
Pouco importa. Como já vimos, fonte não precisa ter caráter, mas informação. Cabe ao repórter não ser bobo e fazer a própria investigação.
Exato! Fonte não é pra casar (embora aconteça…), não é pra ser nosso genro ou nossa nora. Cumpre ao jornalismo fazer a sua apuração em vez de ficar refém dela. Franklin está certo. Por isso, o esforço da área de comunicação do governo e dos petistas para desqualificar Rubnei Quícoli, o sujeito que botou a boca no trombone com a lambança da turma da Casa Civil no caso do pleito encaminhado ao BNDES, era ridículo, né? Debocharam do rapaz, que responde a processos, sustentando ser um absurdo levá-lo a sério. O chato é que ele tinha uma penca de provas evidenciando o tráfico de influência.
O livrinho de Tio Franklin para os jovens pode ser elementar, mas diz, no geral, coisas corretas sobre a profissão. Pena que ele tenha esquecido os próprios ensinamentos ao chegar ao poder, e o que antes via como tarefa indeclinável do jornalismo passou a ser encarado como “golpismo”, daí a sua determinação em, como é mesmo?, fazer “o controle social da mídia”.
Reinaldo Azevedo
COMENTO:  é como diz o velho ditado. Pimenta no conde bêbado alheio não dói nem tem dono!

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