terça-feira, 8 de junho de 2010

São Muitas as Saúvas do Brasil

por Arnaldo Jabor
Este ano eleitoral, vivemos um Fla x Flu maluco: "Eu sou de esquerda, você é de direita! Eu sou socialista, você é neoliberal".
Acontece que nossa vida social é movida por outras categorias, muito além dessa dualidade. Temos de tudo. Há paranoicos, esquizofrênicos, psicopatas, narcisistas e, descendo mais de nível, temos os imbecis em geral e um vasto catálogo de vícios. Vamos começar pelos caretas.
A caretice é uma visão de mundo que passa despercebida, mas é raiz de terríveis males. O careta é antes de tudo um forte. Está sempre atrás de certezas, ou melhor, já chega com elas. Olha o mundo com um olho só e só vê o que já sabia. A diversidade da vida é recusada como um desvio, a dúvida, como fraqueza. O careta tem sempre um sorriso pronto ou uma cara fechada, dependendo se é do tipo "careta legal" ou "careta severo". Sua cara é uma careta — daí o nome — uma máscara fixa que denota uma ideia só na mente. A caretice não é uma posição política, é um sistema operacional. Ele finge aceitar as diferenças, mas não vê o "outro". O chamado "outro" é um mal inevitável que ele tem de suportar para controlá-lo, para que ele não o inquiete com surpresas. Careta odeia novidades. O careta é linear — tem princípio, meio e fim.
O careta tende mais para o que se chamava de "direita": só ele existe, com suas idéias indiscutíveis. Há muitos caretas de "esquerda" que só querem uma sociedade sob controle, pois só eles sabem o que é bom para nós, os alienados. Existe até o careta drogado, o bicho-grilo chamado "muito louco". Como disse um amigo meu: "Pior que careta só o "muito louco"...
Temos também a categoria da burrice, que, como dizia Nelson Rodrigues, é uma "força da natureza". Antigamente, os cretinos se escondiam pelos cantos, roídos de vergonha, hoje, eles andam de fronte alta e peito estufado. Nunca a burrice fez tanto sucesso. Há no mundo da política e da vida social a restauração alegre da estupidez. Lá fora, "Forrest Gump", o herói idiota foi o precursor, Bush foi seu efeito, como outros hoje em dia: há o Chávez, há aquele ratinho do Irã que o Lula vai visitar ... tantos. Bush se orgulhava de sua burrice. Uma vez em Yale, ele disse: "Eu sou a prova de que os maus estudantes podem ser presidentes dos USA". E nosso Lula não se gaba de não ter lido nada? Inteligência é chato, traz angústia, com seus labirintos. Inteligência nos desampara, burrice consola.
A burrice está na raiz do populismo. Para muitos, a burrice é a moradia da verdade, como se houvesse algo de "sagrado" na ignorância dos pobres, uma sabedoria que pode desmascarar a mentira "de elite". Só os pobres de espírito verão a Deus — reza a tradição. A burrice dá mais ibope, é mais fácil de entender. A burrice é a ignorância com fome de sentido. O problema é que a burrice no poder chama-se "fascismo".
Outra saúva que nos ataca é a incompetência. Existe muito mais na chamada "esquerda" que entre os velhos "neoliberais". Os "ideológicos" vivem de idéias "puras". Nada mais chato para eles do que a realidade, apesar de falarem nela o tempo todo. A realidade brasileira para eles é um delírio, com meia dúzia de "contradições" óbvias. Antigamente, era latifúndio, burguesia nacional e imperialismo. Agora é a tentativa de tomar o Estado por dentro da democracia. Eles dizem que a competência é um tecnicismo que pode ser usado para mascarar "táticas demoníacas" do capitalismo.
Outro vício que nos rói é a liberdade. Sim... Não a "boa", mas a liberdade como fetiche, vulgar produto de mercado. É a democracia vivida como zona: êxtases volúveis de clubbers, celebridades saltitantes de "liberdade" dentro de um chiqueirinho de irrelevâncias, a vida vivida como um reality show esquemático, buscando ideais como bundas querendo subir na vida, próteses de silicone na alma, o sucesso sem trabalho, o marketing sexual, a troca do mérito pela fama. A arrogância individualista das celebridades é uma das saúvas do país.
Outro vício nacional além da esquerda e direita é a política do espetáculo. Guy Debord "A sociedade do espetáculo" cita Feuerbach:
"Nosso tempo prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser." Debord: "O espetáculo não quer chegar a outra coisa senão a si mesmo; ..., onde o mentiroso mente a si próprio. O espetáculo é inseparável do Estado moderno." No Brasil, a política do espetáculo foi descoberta por Jânio Quadros. Lula é um bom aluno.
Outro vício é o "passadismo rancoroso", mais praticado pela "esquerda" burra: a República é tratada no passado. Vivem a nostalgia de torturas, heranças malditas, ossadas do Araguaia e nenhum projeto claro para nosso futuro. Há um passadismo regressista, regado pela vingança de fracassos coletivos e individuais, como se a vida social de hoje fosse a decadência de um passado que estaria no rumo certo. Há uma fome de marcha a ré nacionalista, terceiro-mundista, de voltar para a "taba" ou para o casebre com farinha, paçoca e violinha.
Também adoram condenar injustiças que já houve... Este vício emprenha "coisas muito nossas", como a falta de imaginação política para o futuro, a retórica das impossibilidades, a vida pública em câmera lenta, onde a única coisa que acontece é que não acontece nada.
Mas há mais ... há mais... Temos os egoístas, os psicopatas, os ladrões compulsivos, os fracassomaníacos, temos as imensas multidões dos babacas, comandados pelos boçais, cafajestes, oportunistas, ladrões de todas as cores.
De modo que não podemos nos contentar com a velha dualidade "direita/esquerda": o mundo é muito mais vasto, oh, "raimundos" e vagabundos!
E mais: principalmente no Brasil, não podemos esquecer os batalhões que crescem a cada dia, os exércitos invencíveis: a brilhante plêiade dos FDPs.
Fonte: O Globo - 11 Mai 10
COMENTO: aproveito para postar um vídeo sobre o maniqueísmo que habita na política, não só no Brasil, mas praticamente em todo o mundo. A luta entre os "bons" e os "maus" é selvagem e muitas vezes foge à lógica! Eventualmente, surge alguém colocando os "pingos nos ii" como essa oradora lembrando que Franco não foi tão isolado politicamente como hoje a chamada "esquerda" quer fazer acreditar.

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