por Guilherme Fiuza
A crise do dossiê que levou o pandemônio à campanha de Dilma Rousseff está sendo mal avaliada. O teor dos papéis que supostamente tentam incriminar a família de José Serra é o de menos. Como nos filmes de faroeste, o que importa nesse caso, mais do que o enredo, é a paisagem. O cenário é conhecido. Como se sabe, Dilma não é Lula. Dilma é Dirceu. Foi ungida à Casa Civil por seu antecessor, acusado pela Procuradoria-Geral da República de chefiar o mensalão. Flagrado, cassado, proscrito, José Dirceu caiu em desgraça por causa daquela que o PT sempre considerou sua maior virtude: a gana de tomar o poder, e depois conquistar mais poder. A qualquer preço.
Trata-se de uma escola. E Dilma é discípula aplicada. Entranhar companheiros na máquina pública, torpedear adversários, conspirar — são suas especialidades. Não à toa, sua chefe de gabinete no ministério, apontada por testemunhas como a operadora do dossiê contra Fernando Henrique e Ruth Cardoso (o famoso "banco de dados"), é hoje ministra-chefe da Casa Civil.
O Brasil que assiste placidamente à afirmação dessa obscura cadeia de comando não pode estranhar mais um dossiê. Ou dois, ou três. A secretária da Receita Federal vem a público dizer que sofreu interferência de Dilma — a quem não era subordinada — em processo fiscal contra a família Sarney, e fica assim. O país esquece, e volta a ver a candidata de Lula como a "gestora" que precisa superar a falta de experiência política.
Experiência política é o que não falta a Dilma Rousseff. Se há uma coisa que ela passou a vida fazendo, é política. E o eleitorado não tem direito de dizer que não conhece seus métodos. O que mais seria preciso saber sobre uma pessoa que se faz passar por Norma Benguell, contrabandeando uma foto da atriz para seu site oficial? Se Dilma vira Norma numa passeata contra a ditadura, pode-se imaginar do que seja capaz para virar Lula.
Mas o Brasil não está nem aí. Surge a denúncia da preparação de um dossiê, dentro do comitê da candidata, contra seu adversário eleitoral, e Dilma some. Onde estaria ela? Também não é segredo: estava mergulhada numa reunião, no próprio comitê, com ninguém menos que José Dirceu — o político banido por suas ações na penumbra. É mais ou menos como reagir a uma acusação de adultério consolando-se com o amante.
Dilma é discípula aplicada da escola de entranhar companheiros na máquina pública, torpedear adversários, conspirar.
Tudo normal. Um dos "aloprados" de 2006 — flagrado comprando um dossiê contra adversários do PT — já foi até preso por outro delito. Mas a mala de dinheiro para a negociata eleitoral sumiu na poeira da história. Por que mudar os métodos?
E vem o escárnio. Diante de questionamentos sobre a presença assídua de um empresário na mansão da campanha de Dilma em Brasília, o deputado petista Virgílio Guimarães esclarece: ele não tem nada a ver com a campanha, e "não é Marcos Valério". Ah, bom. Seja lá o que for, pelo menos está garantido um enredo novo na velha paisagem.
O tal empresário tem contratos com órgãos federais colocados sob suspeita pelo Tribunal de Contas da União. Aparentemente, o governo Lula continua sendo um pai para os amigos que entram sem bater nas mansões do PT. Resta saber se cada amigo desses também está se tornando um pai para o grupo político de Lula — como foi o saudoso Valério.
Isso tudo seria problema deles se o dinheiro em questão não fosse seu. E se neste momento os gastos públicos do governo Lula não estivessem batendo seus próprios recordes, alcançando 18,6% do PIB. Mas, num contexto em que José Dirceu preside a campanha sucessória e se habilita a homem forte de um governo Dilma — numa boa —, quem vai prestar atenção nesse varejo enfadonho de contratos estranhos?
De qualquer forma, se esse enredo de dossiês e arranjos subterrâneos começar a pegar mal, já se sabe de quem será a culpa: desses aloprados que insistem em orbitar em torno do governo popular.
Fonte: Revista Época
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