por Lya Luft
No meio da tragédia do Haiti, que comove até mesmo os calejados repórteres de guerra, levo um choque nacional. Não são horrores como os de lá, mas não deixa de ser um drama moral. O relatório "Educação para todos", da Unesco, pôs o Brasil na 88ª posição no ranking de desenvolvimento educacional. Estamos atrás dos países mais pobres da América Latina, como o Paraguai, o Equador e a Bolívia. Parece que em alfabetizar somos até bons, mas depois a coisa degringola: a repetência média na América Latina e no Caribe é de pouco mais de 4%. No Brasil, é de quase 19%.No clima de ufanismo que anda reinando por aqui, talvez seja bom acalmar-se e parar para refletir. Pois, se nossa economia não ficou arruinada, a verdade é que nossas crianças brincam na lama do esgoto, nossas famílias são soterradas em casas cuja segurança ninguém controla, nossos jovens são assassinados nas esquinas, em favelas ou condomínios de luxo somos reféns da bandidagem geral, e os velhos morrem no chão dos corredores dos hospitais públicos. Nossos políticos continuam numa queda de braço para ver quem é o mais impune dos corruptos, a linguagem e a postura das campanhas eleitorais se delineiam nada elegantes, e agora está provado o que a gente já imaginava: somos péssimos em educação.
Pergunta básica: quanto de nosso orçamento nacional vai para educação e cultura? Quanto interesse temos num povo educado, isto é, consciente e informado — não só de seus deveres e direitos, mas dos deveres dos homens públicos e do que poderia facilmente ser muito melhor neste país, que não é só de sabiás e palmeiras, mas de esforço, luta, sofrimento e desilusão?
Precisamos muito de crianças que saibam ler e escrever no fim da 1ª série elementar; jovens que consigam raciocinar e tenham o hábito de ler pelo menos jornal no 2º grau; universitários que possam se expressar falando e escrevendo, em lugar de, às vezes com beneplácito dos professores, copiar trabalhos da internet. Qualidade e liberdade de expressão também são pilares da democracia. Só com empenho dos governos, com exigência e rigor razoáveis das escolas — o que significa respeito ao estudante, à família e ao professor — teremos profissionais de primeira em todas as áreas, de técnicos, pesquisadores, jornalistas e médicos a operários. Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso? Quando empregarmos em educação uma boa parte dos nossos recursos, com professores valorizados, os alunos vendo que suas ações têm consequências, como a reprovação — palavra que assusta alguns moderníssimos pedagogos, palavra que em algumas escolas nem deve ser usada, quando o que prejudica não é o termo, mas a negligência. Tantos são os jeitos e os recursos favorecendo o aluno preguiçoso que alguns casos chegam a ser bizarros: reprovação, só com muito esforço. Trabalho ou relaxamento têm o mesmo valor e recompensa.
Sou de uma família de professores universitários. Exerci o duro ofício durante dez anos, nos quais me apaixonei por lidar com alunos, mas já questionava o nível de exigência que podia lhes fazer. Isso faz algumas décadas: quando éramos ingênuos, e não antecipávamos ter nosso país entre os piores em educação. Quando os alunos ainda não usavam celular e iPhone na sala de aula, não conversavam como se estivessem no bar nem copiavam seus trabalhos da internet — o que hoje começa a ser considerado normal. Em suma, quando escola e universidade eram lugares de compostura, trabalho e aprendizado. O relaxamento não é geral, mas preocupa quem deseja o melhor para esta terra.
Há gente que acha tudo ótimo como está: os que reclamam é que estão fora da moda ou da realidade. Preparar para as lidas da vida real seria incutir nos jovens uma resignação de usuários do SUS, ou deixar a meninada "aproveitar a vida": alguém pode me explicar o que seria isso?
Fonte: Veja - Edição 2150
COMENTO: não me parece que a falta de recursos financeiros seja a causa do péssimo nível educacional do país. Parte desse pífio resultado se deve à falta de comprometimento de muitos professores, mais interessados em fazer proselitismo político do que transmitir e consolidar conhecimentos aos alunos. A postura descompromissada dos docentes, mascarada em "atitude democrática" incentiva o desinteresse dos discentes. Estes, por sua vez, comparecem às aulas tendo como motivação não o aprendizado, mas em número preocupante de casos, somente fazer jus ao recebimento das famigeradas "bolsas-miséria" distribuídas a rodo pelos governantes em âmbito municipal, estadual e federal, além de um diploma de formatura ao final de um período de tempo considerado por eles como extremamente entediante e inútil. Afinal, o sonho que lhes é incutido desde a tenra infância é o de ser jogador de futebol ou modelo participante de algum Big Brother qualquer pois isso é que "dá dinheiro". Pior é quando sonham tornar-se chefe de uma "boca de tráfico". Por outro lado, a política de não-reprovação, sob a desculpa esfarrapada de não desestimular os jovens, assim como a "política de cotas" que privilegia quem não teve capacidade de concorrer em pé de igualdade com os demais — muitas vezes, é óbvio, não por culpa individual, mas em função das diversas precariedades enfrentadas em sua vida — na realidade só se presta para inflar as estatísticas governamentais, exibidas cinicamente ante organismos internacionais, de que altos percentuais de brasileiros "estão na escola" ou "concluíram os ensinos fundamental e médio" durante o mandato de fulano ou cicrano. Na realidade não mentem, mas quando são cobrados resultados concretos a farsa vem à tona e o efeito é o que se vê.
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