por Janer Cristaldo
Não está fácil saber o que mais indigna um cidadão neste país.Por um lado, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), negou nesta terça-feira qualquer irregularidade sua, como o uso de atos secretos. Está negando a evidência. Os atos secretos nomeando seus parentes e apaniguados foram amplamente divulgados pela imprensa. Anteriormente, o senador já havia sido flagrado recebendo ajuda de custo de R$ 3.800 mensais, mesmo podendo dispor da residência oficial. Mais 42 senadores, segundo os jornais, recebiam ilegalmente auxílio-moradia na casa presidida por Sarney. Na ocasião, o maranhense alegou não ter notado o acréscimo em sua folha de pagamento. Afinal, que são 3.800 reais? Para o comum dos mortais, mais de oito salários mínimos. Para um senador da República, argent de poche que passa despercebido no total de seus ganhos.
"A crise do Senado não é minha, a crise é do Senado — diz Sarney. É essa instituição que devemos preservar, ninguém tem mais interesse nisso do que eu". O que o senador está dizendo, no fundo, é: “a responsabilidade da quadrilha não é minha, é da quadrilha”. Óbvio que ninguém mais do que Sua Excelência tem todo interesse em preservar a quadrilha.
“Eu só conheço um ato secreto, durante o tempo do Presidente Médici, em que ele declarou que iria haver decretos secretos. Eu não sei o que é ato secreto. Aqui, ninguém sabe o que é ato secreto....”, afirma candidamente o senador. Ora, por baixo foram descobertos 280 atos secretos favorecendo amigos do rei. E se foram descobertos 280, claro está que são muitos mais. Como envolvem cupinchas de vários partidos, nem a sedizente oposição tem interesse em levar adiante as denúncias.
Talvez alguns percam seus cargos, para escarmento. Acabo de ler que Sarney vai afastar dos quadros do Senado sua sobrinha dileta, Vera Portela Macieira Borges, lotada no gabinete do senador Delcídio Amaral (PT-MT). Ora, por que afastar Verinha de suas funções, se nada errado houve em sua nomeação? E se houve, devolverá Verinha ao Erário o que foi indevidamente recebido? Duvido. Como duvido que qualquer um dos funcionários secretos da República devolva qualquer vintém ao Estado.
Será o senador conivente com a corrupção destituído de seu cargo de presidente da Casa corrupta? Ao que tudo indica, não. Não há ilegalidade alguma em proteger amigos e filhos de amigos. Quanto à ética? Ora, a ética... Isso é palavrinha que só serve para campanhas eleitorais.
E se for destituído, claro está que não será punido. Os poderes da nação estão podres. Podre a mais ou podre a menos, tanto faz como tanto fez. Interrogado por repórteres da Folha de São Paulo se seu neto fora nomeado em pagamento de favores a um outro colega de quadrilha, o senador foi olímpico:
— Você acha que eu, como presidente do Senado, tenho minha biografia, vou discutir uma coisa dessa? Não vou discutir um assunto desse. Minha resposta para vocês é essa.
É evidente que um presidente do Senado não vai se dignar a discutir tais picuinhas.
Por falar em podres poderes, esta foi a mesma reação de Caetano Veloso, ao ser apertado contra a parede pela repórter Adriana Küchler, do mesmo jornal. A moça o interroga sobre a contradição em afirmar para a revista Cult que a lei Rouanet era mais para o cinema e não para a música e ao mesmo tempo captar subsídios para seu show através da mesma lei. Caetano é curto e grosso:
FOLHA — E a tua opinião mudou? Era isso que eu queria entender.
CAETANO — Não, não mudou. Por que mudaria?
FOLHA — Porque hoje você acha que a música precisa de incentivo...
CAETANO — Quem disse que eu acho? Por que você tá me dizendo o que eu acho?
FOLHA — Porque o seu projeto está inscrito para [captar dinheiro pela Lei Rouanet]...
CAETANO — [interrompendo] Não, isso é outra coisa. Os projetos são todos inscritos. Entendeu? Eu não acho isso. Eu acho o que eu disse. Tá?
FOLHA — Tá bom.
CAETANO — Pode ir embora.
FOLHA — Tá bom. Tô indo.
CAETANO — Vá logo.
FOLHA — Tá bom.
CAETANO — Mas vá logo.
FOLHA — Tô indo, Caetano. Boa tarde.
Adriana aceita a humilhação de ter sido expulsa e vai embora. Faltou-lhe a coragem de mandar o baiano àquele lugar que merece. Qual a diferença entre o senador maranhense e o cantor baiano? No item enfiar a mão no bolso do contribuinte, nenhuma. Ambos as enfiam com gosto, sempre amparados por leis.
Da mesma forma, os homossexuais, travestis e transexuais, com as recentes cotas gays estabelecidas por José Serra e assumidas pela rede de hospitais públicos de São Paulo. Se alguma pobre alminha se sente instalada em corpo errado e quer trocar de sexo, quem paga a conta é o contribuinte. Onde se viu negar a um travesti o sagrado direito ao silicone e a hormônios? Já deveria estar inserido na Declaração dos Direitos do Homem.
Senadores, cantores, travestis, um mesmo combate: a competição acirrada para ver quem mais fundo enfia a mão em seu bolso.
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