segunda-feira, 16 de março de 2009

A Vontade de Sujeitar e a Sujeição Voluntária. Ou: "Coroné, Vai Me Usá Hoje?"

É claro que a opinião da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) sobre a relação de Lula com o jornalismo reproduz o que de fato acontece. O governo montou uma espécie de aparelho para desqualificá-lo. Mas acho que a avaliação prescinde de algo que eu chamaria de autocrítica. Primeiro vamos ao que está certo. Depois trato da omissão.
Os petistas tratam a imprensa aos chutes desde o primeiro dia de governo. A imprensa, que o próprio Lula já reconheceu como uma aliada na sua, vá lá, escalada rumo ao poder, passou a ser vista como adversária pelo PT. José Dirceu, hoje com apenas um pé fora da máquina, é um bom exemplo disso.
Quando na oposição, era o maior hortelão da República. Poucos, como ele, conseguiram tanta eficiência em pôr a favor do partido, e a seu próprio favor, uma engrenagem que harmonizava partido, Ministério Público e imprensa. A coisa era assim: Dirceu reunia elementos para uma denúncia (falsa ou verdadeira, pouco importa), passava para um jornalista, que a publicava, o que gerava uma investigação do MP, destinada a se arrastar por anos a fio. O investigado, evidentemente, era sempre alguém que estava no caminho do PT.
Quando Lula foi eleito, o natural é que o alinhamento do jornalismo e do MP se desse, então, com os novos oposicionistas, a quem se transferiria o papel de vigiar o poder. Aconteceu só em parte. Jornalistas e MP, na sua maioria, continuaram fiéis à legenda. Promotores tornados estrelas do “jornalismo investigativo” tomaram chá de sumiço. Repórteres antes dedicados a escarafunchar o poder começaram a se especializar em justificá-lo. Mas, com efeito, alguns continuaram na sua tarefa de descobrir as mazelas dos poderosos, pouco importando a sua cor partidária.
E esse jornalismo, é fato, o PT e os petistas não suportam, a começar do chefe. Foi assim que a investigação do mensalão passou a ser chamada pelos petistas de “tentativa de golpe”. Intelectuais foram mobilizados para fazer essa acusação. A sacerdotisa desse credo se chama Marilena Chauí. A imprensa, que “cumpria sua missão” quando denunciava irregularidades e supostas irregularidades do governo FHC, passou a ser “golpista” quando começou a noticiar as lambanças do PT. E o combate se deu em várias frentes:
— tentativa de censurar a imprensa por meio da criação de um Conselho Federal de Jornalismo, que previa até cassar a licença de profissionais;
— tentativa de expulsão de um repórter estrangeiro que fez uma reportagem que Lula considerou ofensiva;
— manipulação de verbas publicitárias para privilegiar veículos que são simpáticos ao governo;
— criação de uma TV Pública que seria realmente “imparcial”, para contrastar com o que chamam "emissoras comerciais";
— criação de, como direi?, uma espécie de (sub)jornalismo paralelo, composto por funcionários do regime — alguns sem medo de ser felizes: são assalariados mesmo!;
— estímulo, por meio de ONGs amigas, ao debate para limitar drasticamente a publicidade, o que tornaria as empresas de comunicação mais dependentes da verba estatal;
— esforço para extinguir o sigilo da fonte nas reportagens;
— mobilização de esbirros na PF e na ABIN para bisbilhotar o trabalho jornalístico.
Tudo isso esteve ou está em curso. E decorre, é óbvio, de uma concepção autoritária de poder: o PT acredita que pode vigiar seus adversários, mas não quer ser vigiado por ninguém. Não se conforma que possa existir um jornalismo que não seja alinhado com o partido. Assim, sem dúvida, o governo Lula convive mal com a liberdade de imprensa.
As culpas
Mas também é preciso reconhecer: boa parte do adesismo a que assistimos é sujeição voluntária mesmo. Que o PT pretende enquadrar o jornalismo, isso é óbvio. Mas me pergunto se, às vezes, a relação não lembra uma situação narrada por um colega, numa crônica sobre sua própria terra, no interiorzão do Brasil. Cercado por suas concubinas, o coronel local toma a fresca da tarde. Uma das moças aparece à janela.
— Coroné.
— Que foi, mia fia?
— Vai me usá hoje?
— Vou não!
— Então só vou lavá os pé.
Entenderam? Lula não precisa de muito esforço para usar setores do jornalismo, não. Eles se oferecem ao coronel de forma desabrida. E ainda podem se "lavá" em sinal de respeito. O emblema dessa rendição é a cobertura que se faz do PAC. Jamais uma peça de ficção política mereceu tal volume de notícias. Na esmagadora maioria das vezes, elas se resumem ao proselitismo oficial, com os números inflados, sempre projetados no futuro.
Não destrinchá-los faz mais mal ao jornalismo e ao país do que qualquer uma das tolices que Lula diga sobre a imprensa.

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