por Olavo de Carvalho
Na mesma semana em que pela primeira vez a classe militar esboça uma reação coletiva à perseguição de seus membros acusados de tortura, o juiz Baltasar Garzón desembarca no Brasil anunciando que vai puni-los se o governo local não o fizer, e dois porta-vozes da ONU aparecem nos jornais pontificando que "está mais do que na hora de o Brasil enfrentar esse assunto da anistia". Está mais do que na hora, digo eu, é de os nossos militares entenderem que as tentativas de rever a Lei da Anistia não são mero "revanchismo" e sim uma vasta operação internacional, montada com todos os requintes do planejamento racional, da execução cuidadosa e do timing preciso, para quebrar a espinha das Forças Armadas latino-americanas e obrigá-las a escolher entre colocar-se a serviço da estratégia esquerdista continental ou perecer de morte desonrosa. A astúcia com que o governo brasileiro pulou fora de um confronto direto com os oficiais reunidos no Clube Militar, deixando a parte suja do serviço para seus aliados estrangeiros que com sincronismo admirável se ofereciam para a tarefa, é mais do que suficiente para ilustrar o que digo.
O tratamento dado a essas notícias pela mídia nacional também não é mera coincidência e sim um componente vital da trama. Um despacho da Agência Estado, reproduzido por toda parte, apresenta os dois homens da ONU como "peritos". O termo visa a dar ares de isenção científica ao que dizem contra a Lei da Anistia, mas para que esse engodo funcione é preciso sonegar ao leitor, como de fato os jornais sonegaram, qualquer informação substantiva sobre o curriculum vitae dos entrevistados. O primeiro, Miguel Alfonso Martinez, foi nomeado para a Comissão de Direitos Humanos da ONU por Fidel Castro em pessoa, o que significa que está lá para encobrir os crimes da ditadura cubana sob uma cortina de acusações a governos bem mais inofensivos. O segundo, Jean Ziegler, suíço, entrou na mesma comissão em abril deste ano, sob os protestos de mais de 20 países, que não gostaram de ver nesse cargo um notório amigo e protetor de ditadores truculentos como Robert Mugabe, do Zimbábue; Muamar Khadafi, da Líbia; Mengistu Haile Mariam, da Etiópia, e o próprio Fidel Castro. Ziegler criou mesmo o "Prêmio Muamar Khadafi de Direitos Humanos", que soa mais ou menos como "Prêmio Mensalão de Ética e Transparência". Se o leitor soubesse dessas coisas, entenderia que os dois patetas falam apenas na condição de paus-mandados do comunismo internacional, e que ao apresentá-los como "peritos", sem mais, a mídia nacional desempenha papel exatamente igual ao deles.
Mesmo o sr. Baltasar Garzón, por trás de sua fachada de campeão dos direitos humanos, permanece um desconhecido para a multidão dos brasileiros. Em 2001, ele recebeu um vasto dossiê contra Fidel Castro, mas respondeu que nada faria a respeito porque seu tribunal não tem jurisdição sobre governantes em exercício. O critério jurídico aí subentendido já é por si uma monstruosidade abjeta, pois significa que, para escapar ao senso justiceiro do sr. Garzón, tudo o que um ditador tem de fazer é permanecer no governo até a morte, em vez de devolver o poder ao povo como fez o general Pinochet. O caso torna-se ainda mais escandaloso porque Fidel Castro agradeceu publicamente ao juiz a gentileza da sua reação e porque anos depois, quando Castro apeou do poder, Garzón não deu o menor sinal de perceber que ele tinha ipso facto caído sob a sua jurisdição.
Da minha parte, não tenho a menor dúvida de que essas pomposas iniciativas contra violadores de direitos humanos, sempre unilaterais e escancaradamente alheias ao senso das proporções, que é a essência mesma da justiça, têm no fundo um único objetivo: acostumar a população mundial à idéia de que assassinatos em massa são um direito inalienável e até um dever moral dos ditadores de esquerda, ao passo que qualquer violência incomparavelmente menor praticada contra comunistas é um crime hediondo cujo autor deve ser exposto à execração universal.
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