sábado, 21 de junho de 2008

Caso do Morro da Providência Revela o Caos

EPISÓDIO DO MORRO DA PROVIDÊNCIA EXPÕE O CAOS NUM BRASIL QUE SE RECUSA A ADMITIR QUE ESTÁ PERDENDO PARA AQUELES QUE QUEREM DESTRUÍ-LO EM NOME DE OUTROS PROJETOS DE PODER
por Rebecca Santoro
Pelo menos três militares do Exército, que atualmente exerce operação permanente na favela do Morro da Providência, no Centro da cidade do Rio de Janeiro, detiveram três rapazes (David Wilson Florêncio da Silva, 24, Wellington Gonzaga Costa, 19, e Marcos Paulo da Silva, 17) por desacato, depois de serem abordados, por suspeita de estarem armados. Os jovens foram levados para a Delegacia Judiciária Militar, onde o capitão responsável não quis autuá-los, determinando que fossem liberados.
O tenente que liderava o grupo que deteve os rapazes, em flagrante desobediência às ordens do capitão, teria entrado em acordo com seus subordinados para que os jovens (que provavelmente tivessem contato com os traficantes da Providência, onde moravam) fossem levados, num caminhão do Exército, dentro do qual estavam 11 militares, para o Morro da Mineira, no Catumbi, zona norte do Rio, onde agem traficantes rivais. Sem cobrar dinheiro ou favor dos criminosos, entregaram as vítimas aos traficantes da Mineira e foram embora. Como previsível, os três jovens ‘inimigos’ foram mortos.
O tenente já confessou ter comandado a ação contra os três rapazes e, todos os 11 militares já estão presos em unidades da Polícia do Exército. Segundo o delegado-titular da 4ª Delegacia de Polícia Civil, Ricardo Dominguez, que está apurando o caso, no depoimento prestado pelo tenente, ele teria demonstrado frieza, calculismo e total falta de arrependimento.
Por outro lado, outras fontes não oficiais, revelaram-me que estão trabalhando sob outra perspectiva em relação ao caso. Primeiro, estão levando em consideração o fato de que uma tropa do EB foi destacada para prestar serviço no Morro da Providência, por ordem do comandante supremo das FFAA, diga-se o presidente da república, prestando um papel, suspeita-se, de ‘cabo eleitoral’ do bispo e senador Marcelo Crivela, apesar das explícitas recomendações do Comandante Militar do Leste em contrário e ainda sob o total desconhecimento da ação por parte das autoridades competentes cariocas.
De acordo com estas fontes, os militares passaram a ficar expostos à constantes atitudes de desrespeito e agressão verbal por parte de moradores da favela, por ordem dos traficantes. Houve, inclusive, um caso envolvendo um outro tenente que teve que ser retirado da missão, depois de ter sido ameaçado de morte. Diante desta situação, os ânimos estavam ficando cada vez mais acirrados entre os militares e os moradores. No caso do tenente que levou os três rapazes, supostamente ligados ao tráfico da Providência, para entregá-los a traficantes de quadrilha rival no morro da Mineira, a vulnerabilidade e a inconseqüência, podem tê-lo levado a tomar as providências que achou cabíveis, para impor o respeito às FFAA e ao Estado — abandonados que estavam, à própria sorte, aqueles militares, por ordens deste mesmo Estado que lhes impunha uma missão, na qual eram obrigados a sofrer humilhações verbais, diuturnamente, sem poder esboçar reação que viesse a se traduzir em justa punição aos que lhes desacatavam — e as FFAA — com todo o tipo de ofensa.
A melhor reportagem sobre o ocorrido, publicada no jornal carioca Gazeta do Povo, revela que, em depoimento à polícia, ‘um soldado, que mora em uma outra favela da zona norte do Rio, confessou ter guiado a guarnição até à Mineira, mas negou conhecer os traficantes. De acordo com o delegado, o caminhão com os 11 militares entrou no morro da Mineira. Os militares contaram que procuraram um lugar seguro para se abrigar e que o sargento, um morador da Baixada Fluminense, há cinco anos no Exército, iniciou uma negociação por meio de sinais com os traficantes. Um criminoso apareceu desarmado e levou as vítimas até os demais criminosos. A cena foi presenciada por vários moradores que confirmaram a informação a investigadores... O delegado tem a informação de que houve um contato prévio entre os militares e os traficantes do morro da Mineira. Os moradores afirmam que pelo menos dois soldados, entre os 11 militares presos, são moradores do morro da Mineira’.
A matéria revela ainda a mentalidade do tenente: “Um corretivo para não perder o prestígio diante da tropa. Esta foi a justificativa que o jovem tenente capixaba, 25 anos, deu ao delegado, para levar os três jovens... até traficantes rivais do morro da Mineira. A explicação do oficial é a de que foi um corretivo porque os jovens teriam ofendido os militares”.
Mais uma vez, a mídia de modo geral, as ONGs e todo o think-thank da esquerda terá arranjado um novo motivo para ‘bater’ nas FFAA. Dessa vez, entretanto, com razão, se ficassem presos apenas à má conduta dos militares envolvidos nessa ação, agravada pelo fato de terem cometido o delito usando fardas, armas e condução das FFAA, mas se, IGUALMENTE, porém, com a mesma ênfase, aproveitassem para chamar a atenção para a rapidez com que os elementos foram identificados, interrogados e detidos, além de, é claro, exigir punição exemplar e condenar, com a mesma veemência, o bárbaro crime de tortura e de assassinato dos três rapazes cometido pelos traficantes da Mineira. E sem também esquecerem de cobrar esclarecimentos sobre esse acordo entre Lula e Crivela, feitos à revelia das recomendações em contrário do CML e sem o prévio consentimento, ou mesmo um aviso sequer, dos órgãos competentes do Estado do Rio de Janeiro.
Em rigorosamente nenhuma das entrevistas veiculadas pelos meios de comunicação se ouviu sequer o mais remoto pronunciamento sobre a necessidade de identificar e de punir, com os rigores da lei, os traficantes executores do assassinato das três vítimas e muito menos se ouviu quem quer que fosse condenar estes traficantes por flagrante desrespeito aos direitos humanos. Tratados como monstros, somente os militares, em óbvia atitude discriminatória. Que espécie de senso de justiça é esse o dessas pessoas?
É inacreditável: Como revela reportagem da Folha Online de hoje, 18 de junho, quatro dias após o assassinato de três jovens nem a Polícia Militar nem a Civil fizeram nenhuma investida na favela da Mineira para tentar prender os traficantes apontados como assassinos e para fazer ao menos uma perícia do local onde as vítimas teriam sido executadas. Ninguém foi preso e nem mesmo formalmente acusado pelo crime. A própria Secretaria da Segurança do RJ informou que simplesmente não há nenhuma operação em curso e nem prevista para a Mineira e que eventual ação na favela ficará a cargo das delegacias especializadas. Que instituições são estas? Que estado de Direito é esse?
Gente capaz de cometer crimes existe em tudo quanto é lugar. Ainda mais em situações adversas. Por isso, o importante é agir com rapidez para identificá-las, detê-las e assim lhes manter até que sejam julgadas e, finalmente punidas. Não pode haver corporativismo entre membros de uma classe ou de uma instituição para proteger quem quer que tenha cometido crime. E não está havendo. Há que se ressaltar, também, que o Comandante Militar do Leste, Luiz Cesário da Silveira Filho, tomou, ainda, a iniciativa de convocar os parentes das vítimas para lhes pedir desculpas formais, em nome das FFAA.
O leitor tem visto essa eficiência toda por aí? Não, é claro. Não se vê a mesma reação em relação a uma imensidão de outros tipos de crime, mais ou menos graves, e até mesmo alguns do mesmo calibre, mas que foram cometidos por gente que faz parte de outras instituições, ou por gente chegada ao governo, ou por gente que faz parte de determinadas corporações, de movimentos chamados populares, de grupos étnicos patrocinados por ONGs, etc.
Até agora, o Exército tem reagido exemplarmente ao trágico acontecido. Repito: age com rigor exemplar. Mas, entretanto, não usou deste mesmo rigor para cuidar de seus próprios homens, que ficaram expostos a situações humilhantes, sem ter como reagir contra seus agressores, numa missão estressante e coberta de irregularidades. A tragédia que aconteceu no morro da Providência era eminentemente previsível e poderia perfeitamente ter sido evitada se o Planalto e o Ministério da Defesa entendessem alguma coisa de ações militares e, por sua vez, se o Comando do EB não estivesse tão preocupado em forjar (porque só forjando mesmo) uma situação almejada de bom relacionamento com aqueles que se apropriaram do Estado brasileiro e o transformaram num refém do governo petista — situação que qualquer um que tenha mais de dois neurônios é capaz de avaliar não se pretender como apenas transitória.
Desesperada atrás de verbas, as FFAA vêm caindo sistematicamente em contos enfeitados por discursos ufanistas de falsos patriotas (cuja pátria é, na verdade, a grande aldeia global socialista) que acenam com incentivos de reforma e de reaparelhamento inseridos num contexto de ascensão da era da nova democracia — que todos sabem perfeitamente tratar-se de uma mal disfarçada ditadura populista. Os livros estão cheios de exemplos que mostram exatamente como é que terminam histórias assim. Ninguém estuda mais História nesse país?
Voltando à tragédia da Providência, outra coisa que não está sendo divulgada pelos meios de comunicação televisivos e nem por jornais de grande circulação é que a polícia tem ciência do fato de que duas das vítimas tinham passagens pela polícia: Wellington, quando era menor, foi detido para averiguação, ocasião em que recebeu ligações de dois supostos gerentes do tráfico da Providência e David foi detido há mais de dois anos por porte de arma e corrupção de menores. Sabe-se também que, apesar da ocupação parcial do Exército no morro, o tráfico continua atuando, apenas tendo se deslocado dos pontos da favela que estão ocupados pelos militares.
Além disso, há outros dados importantes que não saem na TV, veículo de alcance incomparável. A colunista da Folha de São Paulo, Eliane Cantanhêde, divulgou em sua coluna (1706/2008) o “parecer encampado pelo Comando do Exército, em Brasília, o Comando Militar do Leste (CML) alertou para os riscos da participação militar no projeto Cimento Social no morro da Providência”... “O comandante do CML, general-de-exército Luiz Cesário da Silveira Filho, enviou o parecer ao comandante do Exército, general Enzo Peri. Discorreu sobre os riscos do contato de militares com bandidos, falou sobre a possibilidade de haver tiroteios e até mortes de civis com balas perdidas. Seu temor era que os militares estariam em áreas conflagradas, mas sem flexibilidade legal para real combate ao crime”... “Foi, porém, voto vencido. O Palácio do Planalto seguiu a sugestão do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) e o projeto virou convênio dos ministérios de Cidades e da Defesa”.
A jornalista Lúcia Hipólito, em sua coluna, ressalta que maior escândalo maior ainda é “a população do Rio de Janeiro — e do Brasil — ter sido informada, da forma mais chocante possível, que um destacamento do Exército está sendo utilizado para reformar casas e pintar fachadas no morro da Providência, como parte de um projeto eleitoral do ex-bispo e senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), candidato a prefeito da cidade do Rio de Janeiro... Isso mesmo: o Exército Brasileiro foi privatizado para atender aos interesses eleitorais de um candidato, correligionário do vice-presidente da República e membro atuante da base aliada do governo”.
Ela cita, ainda, como agravante o fato de o Comando Militar do Leste ter dado parecer contrário à operação, que foi encampado pelo comando do Exército. Diz a jornalista: “mas, o Palácio do Planalto deu sinal verde para que fosse realizado um convênio entre o Ministério das Cidades e o Ministério da Defesa para viabilizar a atuação do Exército na comunidade”, reformando fachadas e telhados de casas populares. Informa também que “a Secretaria de Segurança do governo estadual não foi informada da operação. Só recentemente o secretário de Segurança declarou, em depoimento na Câmara dos Deputados, que ficara sabendo da presença do Exército no morro”.
O mais grave, entretanto, que revela esse infeliz e condenável ocorrido, eu suponho, não vai passar nem perto de ser abordado em todos os pontos de vista que serão divulgados pela grande imprensa sobre o caso. Não se trata de nenhuma novidade — ao contrário, é preocupação antiga, cada vez maior, e da mais óbvia conclusão. Basta saber um pouco de matemática e fazer os mais simples exercícios de lógica.
Em agosto do ano passado, por exemplo, num dos artigos que foram escritos sobre a crise aérea, Sangria no Ar, entre outras considerações, havia trechos em que se falava exatamente sobre os problemas de pessoal que afetavam as FFAA:
 Não é de hoje que as FFAA vêm tendo seus salários aviltados e suas verbas para operações, para compra de equipamentos e para o desenvolvimento de projetos fortemente contingenciadas — para não dizer, criminosamente, boicotadas. Uma criança de 10 anos poderia prever algumas das mais óbvias conseqüências: abandono da carreira por parte de pessoas mais qualificadas — o que é um desperdício do investimento nelas feito; desinteresse pelo ingresso na carreira militar por parte daqueles indivíduos mais bem preparados intelectualmente dentro da sociedade — o que gera, por outro lado, o rebaixamento do nível de exigência, em termos de preparação educacional, para que se ingresse na carreira, na medida em que se precisa de um contingente mínimo. A longo prazo, isso certamente acaba (ou acabará) fazendo com que, lá na frente, tenham-se pessoas intelectualmente despreparadas para comandar nossas Forças Armadas.
Isso sem falar nas probabilidades estatísticas de correlação entre as causas deste despreparo intelectual e de possíveis problemas relacionados ao déficit no recebimento de transmissão de valores importantíssimos para a formação do indivíduo, adquiridos dentro do convívio familiar sadio, que são imprescindíveis para que se formem bons seres humanos e cidadãos.
 Podem ser nefastas conseqüências deste despreparo, entre outras coisas, dentro das FFAA, problemas com o aumento do índice de corrupção, de roubos de armas e de equipamentos, do uso de drogas e ainda com o aumento do contingente de pessoas facilmente influenciáveis pela pregação de um nacionalismo ufanístico que pode vir a favorecer a sustentação de governos comunisto-populistas, etc. E o pior: o surgimento futuro de uma classe de comando — ora mais preocupada com seus próprios benefícios do que com os das tropas, ora desmotivada pela incapacidade mesma de compreensão, por parte destas tropas, do significado que deveria haver por trás das fardas que vestem. Tropas de mentalidade curta e sem preparo intelectual  esse é o maior dos desastres.
 Hoje, já não se fala nem mais nessa questão de fundamento — que seria o sucateamento do indivíduo militar —, mas, sim, do sucateamento dos equipamentos e das instalações... É preciso cuidado nesse ponto. Antes de aparelhar a Força, é necessário que se paguem salários melhores. Por todos os motivos que já foram acima citados. Mas, suspeita-se que isso não acontecerá enquanto o governo não tiver a mais absoluta certeza de que os beneficiários deste justo aumento não sejam aqueles que tenham as condições de lhe ameaçar seus planos de poder... Quem não quiser enxergar o óbvio que finja que não é nada disso...
 Antes ainda do artigo acima citado, publicação, em junho de 2005, no site Inforel (http://www.inforel.org/), trazia uma série de dados alarmantes. Revelava que, segundo dados do governo, em 2005, os servidores do Executivo custavam, em média, R$ 4.413 por mês cada um. Contabilizados os gastos com os inativos, a média por militar ficava em R$ 2.507 e continuava sendo a mais baixa entre o funcionalismo dos três Poderes. No Legislativo, a despesa média por servidor era de R$ 8.640 e, no Judiciário, de R$ R$ 8.704. As estatísticas do governo revelavam ainda que, na última década, as despesas com militares ativos eram as que menos haviam crescido. Havia dez anos, o servidor civil do governo federal custava em média 50% mais que o militar. Em 2005, essa diferença era de 121%. Em 1995, o gasto médio por funcionário do Legislativo e do Judiciário era 309% e 172% maior que os dos membros dos quartéis, respectivamente. Em 2005, a diferença estava em torno de 360% em ambos os casos.
E hoje, depois de toda a ‘novela’ que foi conceder um pagamento maior para os militares, que está, digamos, há anos luz de poder ser chamado de reajuste e muito menos de aumento (leiam detalhes aqui: Imortais Guerreiros), ainda houve Comandante das FFAA que tenha agradecido efusivamente ao ministro da defesa pela ‘conquista’. Crise entre as FFAA e Nelson Jobim? Parece que, pelo menos em relação aos comandos das Forças, não. Jobim freqüenta muitas das solenidades e festividades comemorativas tradicionais das FFAA. Em algumas delas, como convidado VIP, sua presença chega a fazer com que alguns destes eventos sejam, inclusive, modificados — não completamente, porém de forma bastante perceptível —, pelos organizadores, em sua estrutura e mesmo em seus propósitos, tudo na tentativa de agradar ao ministro.
No plano de ação militar, a tendência, parece, é a de que as FFAA como um todo estejam interessadas em compor o máximo de alinhamento com as diretrizes políticas e militares estabelecidas pelo governo, com o propósito firme de conseguir mais recursos para o reaparelhamento das mesmas. Nesse sentido, correm, livres, leves e soltos, por Brasília, os comentários de que o ministro Mangabeira Unger ignoraria solenemente as opiniões de muitos dos militares que ‘tentam’ trabalhar com ele. Dizem que ele faz o que quer — não se sabe se por conta dele ou do governo.
Qual será o preço que as próprias FFAA e a sociedade brasileira pagarão por esta ‘estratégia’ de relacionamento dos militares com o governo petista não se pode responder com exatidão. Ressalte-se, aqui, que os danos às FFAA não são privilégio nem invenção do governo Lula — é coisa que vem de longe e num crescendo, a partir de 1985.
Mas, com certeza, uma das conseqüências apareceu, notória e publicamente, esta semana, com a ação dos 11 militares, que agindo sob aparato militar, e demonstrando uma burrice inacreditável (* observações que não podem deixar de ser lidas), praticaram um crime injustificável e pelo qual devem ser exemplarmente punidos, como deveria acontecer com todos aqueles que têm cometido todo o tipo de crime e de barbaridade pelo país.
O ministro da justiça Tarso Genro, sobre este fato, perdeu mais uma das muitas oportunidades que já teve de permanecer calado. Ele disse, em declarações à imprensa, que o episódio era prova de que as FFAA não estão qualificadas para atuar no combate ao crime organizado urbano. Falou como se isso fosse válido genericamente, desconsiderando-se as especificidades de cada ocasião em que as FFAA podem ser empregadas para este tipo de atuação. O ministro deve, certamente, ler os jornais e deve saber, perfeitamente, que as tropas militares brasileiras que estão no Haiti, fazem por lá um trabalho difícil, porém, extraordinariamente bem feito, agindo em ambientes e situações bastante semelhantes às que ocorrem em muitas das favelas brasileiras. Muitos haitianos os consideram verdadeiros heróis. Nunca aconteceu no Haiti nada que se assemelhasse, nem de perto, com o que foi feito, por pelo menos 3 dos 11 militares do EB que estão detidos.
Por que este contraste? Resposta a perguntas como essa já são motivo de debates entre especialistas cujos resultados podem ser encontrados com facilidade na internet. O assunto é extremamente polêmico. Alguns acham que depende apenas de que se estabeleçam leis e regras específicas para a atuação das FFAA no combate ao crime organizado urbano aqui no Brasil. Eu, particularmente, acho que há outros problemas bem mais sérios que precisariam ser equacionados antes de qualquer simples regulamentação de forma de atuação dos militares neste campo. Mas, não falarei sobre isso neste artigo.
O fato é que, assim como acontece com grande parte do contingente das polícias civil e militar, especificamente as do Rio de Janeiro, nossos soldados, cabos, sargentos, tenentes e até capitães das FFAA, devido aos salários que percebem, residem dentro ou nas vizinhanças das favelas, locais que os colocam, e também a seus familiares, em pleno alcance dos criminosos dos quais podem se tornar vítimas ou até mesmo camaradas, ainda que nesse último caso isso não signifique, necessariamente, que deva haver uma relação de cumplicidade criminosa.
Não, a pobreza não leva um indivíduo, obrigatoriamente, a se transformar num criminoso. Há milhares de exemplos que podem comprovar isso. Mas, sem dúvida, tudo o que está ligado ao ambiente da pobreza, não em qualquer lugar do mundo, mas especificamente em algumas das grandes cidades brasileiras, não há como negar, pode contribuir bastante para essa transformação. E a realidade é que grande parte das pessoas que ainda têm interesse em seguir a carreira militar das FFAA crescem exatamente nestes ambientes, ou bem próximos a eles.
O que é que a sociedade pode esperar de uma situação como essa? Que, por exemplo, ao vestir uma farda das FFAA, muitos desses indivíduos simplesmente passarão por um processo miraculoso de redenção e se transformarão em pessoas desprovidas de passado? E quando muitas destas pessoas estiverem lá no generalato, o que esperar? Um dia, por obra, graça e inevitabilidade do simples passar do tempo, estaremos todos a viver exatamente esta situação, se nenhuma providência for tomada agora, já, imediatamente.
Esperar o quê? Que homens do nível de especialização da grande maioria dos sargentos mais antigos que ainda temos atualmente na Força, ou que homens da capacidade intelectual e profissional que também ainda compõem, hoje, as fileiras de oficiais superiores de nossas FFAA, nas gerações futuras, por um ato de insanidade, venham a se interessar em cometer uma espécie de suicídio vocacional, optando por uma carreira militar que os fará passar o resto de suas vidas suportando o achincalhamento da mídia, o desprezo dos governos sucessivos por suas condições salariais e de trabalho, condições estas que os levarão à frustração profissional e, muito provavelmente ligada a ela, à frustração pessoal e familiar? Quem é que, em nossa sociedade, pode, sinceramente, contar com este tipo de milagre?
O leitor acredita que o governo esteja minimamente interessado em tomar as providências, tão necessárias, para resolver esse grave problema? Deixo esta pergunta para sua reflexão.
Rebecca Santoro
Imortais Guerreiros - Imortais Guerreiros
(*) A ação dos militares envolvidos no crime é tão ‘auto-denunciatória’, tão cercada de elementos que facilmente conduziriam à descoberta dos criminosos, que até parece ter sido cometida por encomenda de gente que quisesse provar, dessa vez, cabalmente, que não se pode confiar nas FFAA — no preparo pessoal e profissional de seus elementos. Coisa de gente que joga pra valer nessa estória de cumprir com metas necessárias para conquistar e para permanecer no poder. É impressionante a rapidez com que se mobilizam, quase que por fenômeno premonitório, os defensores dos direitos humanos: um dia depois de descobertos os corpos dos rapazes, já havia sido confeccionada uma boa quantidade de camisetas temáticas com as fotos das três vítimas, e que passaram a ser usadas pelos parentes e amigos.
Coincidentemente, desde as falas do General Heleno sobre a Amazônia, a política indigenista e o perigo da demarcação em terras contínuas da reserva indígena Raposa da Serra do Sol, estranhamente, não pararam de se suceder tentativas de envolver as FFAA em escândalos que as desmoralizassem perante a opinião pública. Finalmente, depois da morte de civis, não importa se de criminosos ou não, pelas mãos de gente que fazia parte das FFAA, pode ser que surta o efeito pretendido por estes ‘agentes do além’, por obra do acaso ou não, ou talvez por mais sorte de uns do que de outros.
Estranho também é o fato de que, desde que as denúncias a respeito da participação da Casa Civil e, conseqüentemente, do Planalto, em operações ilegais e lesivas ao patrimônio nacional, nas compras e nas vendas do complexo da Varig, o MST e movimentos congêneres, apesar de já passado o tradicional Abril Vermelho — mês em que costumam promover ações coordenadas de invasões e de quebra-quebra por todo o país - resolveram, em pleno mês de junho, retomar estas mesmas práticas, chamando, obrigatoriamente para si, boa parte da atenção que precisa ser dispensada pela mídia para dar conta de informar sobre tudo o que está acontecendo de mais importante no país.
Com tanta coisa para noticiar, o caso gravíssimo da Bancoop, por exemplo, que envolve suspeita de assassinato e de repasse ilegal de dinheiro para campanhas eleitorais, incluindo a de Luis Inácio Lula da Silva, para presidente, em 2002; e o das cartas de um dos chefões das FARC colombianas, Raul Reyes, morto recentemente por tropas militares da Colômbia, dirigidas ao nosso excelentíssimo senhor presidente da república, e que foram encontradas, entre outras coisinhas também comprometedoras de envolvimento do governo brasileiro com os terroristas, nos computadores de Reyes apreendidos na mesma operação em que ele foi morto — são alguns dos casos que estão sendo tratados pela cobertura midiática com relevância muito aquém do destaque que mereceriam, tamanha importância que têm no próprio destino do país.

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