por Olavo de Carvalho
Um amigo americano pede-me detalhes sobre o episódio Quartim de Moraes. Se aproveito a ocasião para fornecê-los também aos leitores do Diário do Comércio, é porque, embora o caso tenha se passado vários meses atrás, há aspectos nele que nunca foram discutidos na mídia brasileira.
Em três momentos da sua carreira as atividades do personagem aqui mencionado tiveram relação direta com os EUA:
1) Nos últimos anos, junto com tipos como Noam Chomsky, Danny Glover, Rigoberta Menchu, Ramsey Clark e outros cuja presença é infalível nesse gênero de empreendimentos, ele é um destacado participante da campanha organizada pelo movimento comunista mundial para exigir a libertação de cinco espiões cubanos presos no território americano.
2) Ele é o principal mentor e engenheiro de uma vasta operação destinada a restaurar a "esquerda militar" no Brasil. Mediante infiltração, propaganda e lisonja, essa operação visa a transformar as Forças Armadas brasileiras em instrumentos da política comunista, alinhando-as com as FARC e o "exército bolivariano" de Hugo Chávez numa frente militar antiamericana.
3) Em 1968, ele era um dos três dirigentes máximos da VPR, Vanguarda Popular Revolucionária, organização terrorista que assassinou o capitão do Exército americano Charles Rodney Chandler, sob o pretexto, jamais provado e aliás intrinsecamente absurdo, de que o oficial estava no Brasil "ensinando tortura" aos soldados brasileiros.
Essa criatura apareceu nos meus artigos nas seguintes circunstâncias: em 2001, em entrevista ao jornal da Universidade Estadual de Campinas, Quartim, interrogado sobre o assassinato do oficial americano, afirmou: "Essa ação me valeu dois anos de condenação. Não participei diretamente, mas eu era da direção do grupo."
Se Quartim quisesse modificar ou corrigir essa declaração, não teria a menor dificuldade para isso, já que trabalha na mesma universidade como professor e dirigente de um Núcleo de Estudos Marxistas e é ali considerado uma das glórias maiores da intelligentzia esquerdista. Mas ele não teve o menor interesse em fazê-lo, pois, decorridos sete anos, a declaração, inalterada, ainda consta da página desse jornal na internet (v. a entrevista "O inventário inacabado"), sem qualquer adendo ou retificação.
Foi ali que a encontrei em janeiro de 2007, entendendo-a como qualquer pessoa alfabetizada e no pleno domínio das suas faculdades mentais entenderia: Quartim, dirigente da organização responsável pelo assassinato do capitão, tinha sido condenado como mandante do crime, do qual foram executores materiais os militantes Pedro Lobo, Marco Antonio Braz de Oliveira e Diógenes José de Carvalho. A brevidade do tempo de prisão para crime tão grave explicava-se automaticamente pela anistia, sobrevinda em 1979.
Aconteceu que, tão logo publiquei em 8 de fevereiro de 2007 a informação tal qual a colhera da própria boca do declarante, este se encrespou todo, dizendo que tinha sido "caluniado" e acusando-me de ser um "extremista de direita". Quanto a esta rotulação, desafio Quartim e o mundo a encontrar em toda a minha obra publicada uma só linha ou palavra que sugira ou apoie medidas políticas extremadas de qualquer natureza contra quem quer que seja ou o que quer que seja.
Quartim, por seu lado, além de sua militância terrorista direta, não hesita (v. Um outro olhar sobre Stalin) em se proclamar adepto de Josef Stalin - coisa que a maioria dos esquerdistas teria pudor de fazer em público mas que ele se gaba de ser "um ato de coragem intelectual" - e é hoje membro de um partido maoista, adepto do regime culpado de assassinar pelo menos 75 milhões de pessoas. Um exemplo de moderação e tolerância.
Quanto à "calúnia" que supostamente lhe fiz, Quartim alega que não foi condenado pelo assassinato do capitão, e sim por outros crimes, menos graves. Mas, se é assim, por que ele permitiu que sua confissão falsa permanecesse no ar por sete longos anos, tendo todos os meios de corrigi-la se quisesse? A resposta é simples: no ambiente entusiasticamente esquerdista da Universidade Estadual de Campinas, passar por mandante do assassinato político de um representante do "imperialismo" é vantajoso, cobre o sujeito de uma aura de heroísmo guerrilheiro. Quando, por meu intermédio, a informação vazou para o público maior e politicamente mais neutro do Diário do Comércio e do Jornal do Brasil, ela se tornou retroativamente prejudicial à imagem do declarante, que então tratou de atribuir a mim a mentira da qual ele mesmo fora o único inventor e responsável.
Mais significativo ainda é que, mesmo depois de publicados os meus artigos do começo de 2007, o infeliz não teve nenhuma pressa em desmentir a declaração falsa que lhe servira de fonte, mas esperou para fazê-lo só em agosto daquele ano, em entrevista ao jornal do partido maoísta (Quartim: acusação pela morte de Chandler é deslavada mentira), bem depois de colocar em circulação um manifesto furioso contra mim, assinado por 1.500 militantes e simpatizantes comunistas. No meio de tantas e tão eloquentes palavras de indignação fingida (v. Solidariedade a João Quartim de Moraes) esse singular documento ainda se esquivava espertamente de desmentir a balela de 2001, preferindo manter no ar a impressão de que o autor dela fora eu, e não o próprio Quartim.
Entre outras assinaturas, o manifesto trazia as do presidente nacional do partido governante, sr. Ricardo Berzoini, e do assessor especial da presidência da República, sr. Marco Aurélio Garcia, elemento de ligação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Foro de São Paulo, coordenação estratégica do movimento comunista na América Latina e berço da "revolução bolivariana" do sr. Hugo Chávez.
Mas ainda há um detalhe interessante a observar. A auto-acusação falsa que João Carlos Kfouri Quartim de Moraes fez ante os estudantes da Unicamp foi uma mentira em sentido estrito ou um "ato falho" freudiano?
Sendo um dos três dirigentes máximos da organização terrorista que determinou o assassinato do capitão Chandler, ele não pode ter ignorado essa decisão, da qual foi portanto, na mais branda das hipóteses, cúmplice moral passivo. E a maior prova disso é que até hoje ele justifica o homicídio, alegando que "mortes são da lógica dos conflitos armados" e voltando a insistir na história de que o oficial estava no Brasil como "instrutor de tortura".
Em entrevista ao jornal Zero Hora em 12 de dezembro de 2005 (v. Os órfãos da ditadura), o filho do capitão assassinado, Todd Chandler, explicou o óbvio dos óbvios: seu pai não estava no Brasil nem com a missão alegada por Quartim de Moraes nem aliás com missão alguma. "Pensem nisto: os EUA jamais mandariam a família civil junto com um oficial que estivesse em qualquer tipo de missão." Isso é absolutamente irrespondível.
Charles Rodney Chandler estava no Brasil como estudante, num dos programas de intercâmbio que prosseguem até hoje entre as escolas militares brasileiras e americanas. Esse estudante foi assassinado a sangue-frio, diante dos olhos de sua esposa e de seu filho, e o dirigente da quadrilha que fez isso, depois de confessar o crime ante uma platéia que o aplaudia por esse feito macabro, se diz "caluniado" quando suas próprias palavras são levadas a sério.
Até hoje Todd Chandler pergunta: "Por que levaram meu pai? Por que destruíram uma família?" A única resposta, sr. Chandler, é que à mentalidade revolucionária tudo é permitido: mentir, trapacear, matar, caluniar as vítimas e depois ainda se fazer de coitadinha, principalmente se com base nisto pode colher alguma vantagem publicitária ou financeira.
Sob este último aspecto, convém lembrar que um dos participantes do assassinato do capitão, Diógenes José de Carvalho, que mais tarde se tornaria ainda mais tristemente célebre com o apelido de "Diógenes do PT" quando de seu envolvimento num escandaloso caso de corrupção em 2002, foi o mesmo que em 20 de março de 1968 jogou uma bomba na biblioteca do consulado dos EUA em São Paulo, arrancando a perna de um transeunte inocente, Orlando Lovecchio Filho.
Recentemente, o criminoso recebeu uma indenização de aproximadamente US$ 200 mil do governo, como ex-prisioneiro político, ao passo que Lovecchio jamais recebeu indenização nenhuma. Por esses detalhes, sr. Chandler, o senhor pode imaginar que tipo de pessoas a sra. Condoleezza Rice, durante sua viagem ao Brasil, disse considerar parceiras leais dos EUA na guerra contra o terrorismo.
Fonte: Diário do Comércio
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