sábado, 21 de abril de 2018

Colômbia - Historias de Infiltrados no Crime - Parte 1/2

por Nelson Matta Colorado
Em tempos de ataques com drones, espionagem satelital e hackeamento eletrônico, a inteligência humana segue tendo um valor incalculável. E de modo particular, aquela realizada por agentes encobertos, homens e mulheres que estão atrás das linhas inimigas, metidos na boca do lobo. 
Na Colômbia, a DNI (Dirección Nacional de Inteligencia), a Polícia e as Forças Militares realizam Operações encobertas. Os procedimentos são regulamentados pela Lei de Inteligência e Contrainteligência (Lei nº 1.621, de 2013), pelo Código de Processo Penal (Art 242), por diretrizes ministeriais e decisões da JIC (Junta de Inteligência Conjunta).  
Graças à coragem desses agentes, importantes golpes tem sido dados nas guerrilhas, cartéis e quadrilhas que afligem o país há décadas.
Na sequência, apresentaremos quatro histórias de membros das Forças de Segurança que se infiltraram em grupos criminosos. Uns conseguiram alcançar seus objetivos e saíram ilesos, outros só sacrificaram suas vidas e seus lares na empreitada.

O policial interiorano que se infiltrou no Clã do Golfo
Alvo:  “Tommy”
Entre os integrantes da quadrilha, diziam que se pegassem um 'sapo' ("boca grande"), o penalizavam. Eu não acreditava, até que me contaram a historia de ‘Willy’, um antigo companheiro deles, e me mostraram por celular as fotos de suas pernas, braços e partes esquartejadas. Aí engoli em seco e pensei que o mesmo me podia acontecer se me descobrissem”.
O Policial Meléndez(*), de 29 anos, tem vivo na memória essa experiência, pois esteve 12 meses como agente encoberto na organização criminosa "Clã do Golfo". Foram tempos brutais, em que sua vida esteve a borda do precipício. Seu relato continua assim:
Me designaram a missão em junho de 2016. O objetivo era identificar os cabeças e membros da "frente Jorge Iván Arboleda", uma subestrutura do Clã que delinque no Nordeste e no Magdalena Médio, na Antioquía e se dedica às extorsões, narcotráfico, sicariato e mineração ilegal de ouro.
A cobertura era entrar na zona como empregado de chácara. Fui escolhido porque conhecia esses municípios e me criei em uma picada com camponeses, conheço os trabalhos do campo.
Cheguei pedindo trabalho e me ajudaram em uma granja. A jornada era das sete às dezesseis horas, ordenhando vacas, remediando terneiros, consertando cercas e arando terras.
Uma vez, chegou na granja uma esquadra composta por 'Hernán', o chefe da equipe, e sete seguranças. Descansaram ali. Foi a primeira vez que o vi, e reportei ao meu Oficial de Controle o tipo de armamento que portavam e suas descrições físicas.
Em quatro meses, já conhecia os 'pontos', assim denominam as pessoas que fazem a vigilância em lugares fixos. Para ganhar a confiança deles, eu lhes avisava quando via policiais ou gente diferente no povoado.
Quando completou seis meses que estava na zona e eles estavam acostumados à minha presença, me ofereceram $480.000 (cerca de 480 reais) para ser olheiro. Este foi o meu ingresso na organização. Com o tempo, me deixaram ir aos acampamentos e assim conheci o 'Tomy', o comandante da 'frente', e a seu irmão 'Brandon'". 

Mais um deles
“Me recrutaram em janeiro de 2017, por um pagamento de $800.000 mensais, e me tornei patrulheiro do Clã do Golfo no monte. Também servia de 'pássaro', que é como eles denominam os escoltas de civil, e acompanhava a ‘Hernán’ a todas partes, fazia compras e buscava as prostitutas que chegavam de Medellín em Vegachí , garotas entre 18 e 23 anos, não muito bonitas.
A rotina com eles não era fácil. Havia ex-paramilitares impiedosos que não tinham coração, e alguns membros que foram recrutados mediante engôdos choravam porque se desertassem eram homens mortos. Quando já formava fila na esquadra, vi como castigavam sem piedade a sua tropa. A um garoto, acusaram de 'sapo' e lhe deram o castigo: o comandante o golpeava a coronhadas de fuzil, pontapés, socos e com paus, ou o enforcavam até que desmaiava;  quem quisesse podia unir-se à surra. Eu me mantive quieto, olhando como seis deles batiam no rapaz.
Um dos momentos de maior risco foi em março de 2017, quando nos ordenaram ir a Yondó lutar contra o ELN, para recuperar o controle desse município. Nos deslocamos durante 15 dias, com armamento pesado, e eu pensava ‘¿que vou fazer agora?’. Havia probabilidade de morrer, porque na Força Pública ao menos há um apoio, e aqui sequer sabíamos o que fazer. Por sorte, quando estávamos em Puerto Berrío, mudaram a ordem e mandaram outra 'frente'.
Toda vez que podia, me comunicava com o Oficial de Controle, via chat de celular, para informar o que se passava. Eu tinha uma bolsa e uma mochila equipadas com câmaras diminutas, e um localizador satelital em uma bota. Com isso, marcava as coordenadas dos lugares onde acampávamos.
Por volta de junho de 2017 já havia identificado a 60 integrantes. Minha missão chegava ao fim, mas minha fuga ainda estava pendente. ¿Como ia fazer para não levantar suspeitas?
O Oficial de Controle me advertiu que uns pelotões do Exército estavam chegando à área. O medo era que se armasse um tiroteio, porque aí ninguém pergunta quem é quem. Tinha que me ir já, fosse como fosse.
Por pura coincidência, estávamos fazendo um deslocamento pela selva, caí e torci o tornozelo. Aproveitei a situação, exagerei a dor e disse ao chefe de esquadra que não podia caminhar. Me disse que eu era um fraco, um 'cu-de-cachorro' e me deu socos no estômago. Me chutou no chão, me tirou a arma e o uniforme camuflado, deixando-me descalço e de bermudas.
Quando se foram e me deixaram, caminhei varias horas e saí em uma picada de Maceo. Cheguei a uma granja onde me deram botas e um moletom, mas por medo, porque sabiam que eu era do Clã do Golfo. Depois fui ao distrito La Susana, onde estava o Exército, e me entreguei, simulando uma desmobilização para que a estória ficasse redonda. Estando na guarnição militar liguei para meu chefe e este esclareceu a situação ao Coronel do Batalhão, e meus companheiros foram recolher-me com o pretexto de me processar. Assim pude sair da zona.
Graças à informação que consegui durante esse ano de encoberto, a Polícia fez quatro operações contra a 'frente Jorge Iván Grisales'. Em 14 de maio de 2017, em Yalí, foi capturado Heder Cabrera Quejada, vulgo ‘Hernán’, com sete subalternos e um arsenal; em 19 de junho seguinte detivemos a outros nove em Yolombó e San Roque, ainda que nesse procedimento eles nos mataram o patrulheiro Luis Javier Ruiz Palomino.
Em 18 de janeiro de 2018, em uma chácara da vereda La Alondra de Yalí, foi morto o chefe William Soto Salcedo (’Tomy’) e um escolta que chamavam de ‘Gorra’. E em 9 de março capturamos a Heiner Soto Salcedo (’Brandon’), nesse mesmo município.
“Tomy” (no destaque) e seu escolta “Gorra” morreram em um enfrentamento com a Polícia, em Yalí.
FOTO CORTESÍA
Me lembro que nas reuniões, ‘Tomy’ sempre dizia que não se deixaria prender, que antes se mataria. Ninguém se alegra pela morte de alguém, mas eu sou do campo, sei como sofrem os campesinos por culpa desses grupos. Por isso, completar esta missão foi gratificante”.

Uma Traição Transforma a Operação em Armadilha Mortal
Alvo:   “Megateo”
A operação foi planejada corretamente, o problema é que se rompeu o sigilo”, confessou o então diretor do DAS (Departamento Administrativo de Seguridad - extinto em 2011), Andrés Peñate, assumindo a responsabilidade por uma das maiores calamidades que já atingiram a Inteligência colombiana em sua historia.
A tragédia começou quando o informante Óscar Murillo se acercou do organismo estatal, em janeiro de 2006, dizendo que podia facilitar a captura do ex-guerrilheiro e narcotraficante Víctor Ramón Navarro Serrano, vulgo “Megateo”, chefe da "frente Libardo Mora Toro", uma dissidência do EPL. Este homem delinquía na região do Catatumbo, limítrofe com Venezuela, uma zona de ordem pública complexa, onde também atuavam as FARC e o ELN. Entrar ali era muito difícil, por isso não se podia perder esta oportunidade.
O caso foi destinado ao meu companheiro José Elvar Cárdenas Bedoya. Ele era de meia idade, de muita experiência, com uns 17 anos de serviço”, relata o detetive Pares(*), que conheceu os detalhes do sucedido.
José Elvar, por intermédio do informante Murillo, contatou “Megateo”. Sua "cobertura" era a de um traficante de armas, e depois de varias semanas de negociação, foi pactuada a venda de um lote de 50 fuzis.
O plano do DAS era capturar o alvo durante a entrega do arsenal, em 20 de abril de 2006. Para o procedimento selecionaram 10 detetives com treinamento tático de combate e seis militares das Forças Especiais, que se reuniram um dia antes no Batalhão Santander, em Ocaña.
Na base acondicionaram o "cavalo de Troia": um caminhão com carroceria gradeada de transporte de caixotes, no meio dos quais ia acondicionado um caixão blindado. Dentro desse cofre iriam os soldados e oito agentes armados até os dentes, cada um com 15 carregadores de munição.
O caixão blindado havia sido usado antes, dentro de um caminhão-tanque de leite. Saíamos a caçar barreiras da guerrilha na estrada de Florencia a San Vicente, em Caquetá”, detalha o funcionário.
Se tudo saísse segundo planejado, “Megateo” chegaria com dois escoltas ao ponto de encontro, e aí seriam capturados. No caso de haver um tiroteio, os uniformizados poderiam aguentar 10 minutos dentro da cápsula encouraçada, até que chegasse o apoio. Perto do local estariam três pelotões da Brigada 30 do Exército e outros 30 detetives, como reforço ao grupo principal.
Ao amanhecer do dia definido, o caminhão partiu ao seu destino, uma paragem rural no município de Hacarí, Norte de Santander. O condutor era o investigador Jesús Antonio Rodríguez e de co-piloto ia José Elvar.
Às 9:30 a.m. passavam por uma estrada de terra do setor Mesa Rica, quando duas bombas sacudiram o mundo. O veículo se destruiu como una casca de ovo em um punho fechado. Ninguém sobreviveu.
As equipes de reação acudiram de imediato, porém explodiu uma terceira bomba a 500 metros da detonação inicial. A onda jogou pelos ares um tronco de árvore, que acertou o pescoço e a cabeça do Cabo-Segundo Jorge Ayure Rátiva, tirando-lhe a vida. Logo se armou um tiroteio com os dissidentes, que durou até o crepúsculo e deixou três feridos.
Quando, por fim, chegaram ao ponto da tragédia, encontraram as latas retorcidas do caminhão, incrustadas na ladeira da montanha. O estado dos corpos era indescritível. As lâminas blindadas ficaram separadas por toda a cena e, sobre uma delas, os verdugos deixaram sua assinatura com spray vermelho: EPL.
O que sobrou do caminhão em que se deslocavam os 10 detetives e seis militares que iam capturar “Megateo” (destaque), en Hacarí, Norte de Santander. FOTOS: CORTESÍAS
Segundo arquivos da imprensa, as vítimas, além de José Elvar, Jesús Antonio e o Cabo Ayure, foram os detetives José Acosta, Alexis López, Dubián Moncada, Oliverio Cañón, Luis Albarracín, John Castellanos, Rubén Vacca e José González; o Sargento-Segundo Alfonso Catalán, o Cabo Norberto Burgos e os Soldados Luis Gutiérrez, Julio Ochoa, Edwin Ramírez e Carlos Cordero.
Recursos Humanos mandaram psicólogos a todos os grupos do DAS. Foi um momento muito difícil”, acresce Pares.

O Contragolpe
Era claro que o ocorrido em Hacarí havia sido uma armadilha, ¿mas onde houve a fuga de informação? Nos meses seguintes, vários agentes encobertos foram enviados à zona, uns como camponeses, outros de transportadores e comerciantes. O primeiro achado foi o corpo do informante Murillo, que estava como "NN" em um cemitério de Ocaña. Seus assassinos o torturaram, queimaram seus dedos para apagar as impressões digitais e arrancaram seu rosto.
A segunda pista obtida no terreno foi que um sujeito apelidado “Rastrillo” havia vendido a “Megateo” a informação sobre o plano de captura, para que o 'capo' pudesse preparar a armadilha mortal.
“Rastrillo” era um olheiro que trabalhava para quem melhor pagasse. Fingia cooperar com o Exército, inclusive saia fardado com a tropa para conduzi-la a depósitos e laboratórios de drogas no Catatumbo, mas também passava segredos ao inimigo.
No dia em que os funcionários prepararam o caminhão, ele estava presente no Batalhão Santander, e assim se inteirou da trama.
Eu estava lá quando capturamos ‘Rastrillo’ no batalhão, em dezembro de 2006. Ia sair com os soldados, mas o chamamos ao gabinete do comandante e lá o algemamos. Depois o levamos a um quiosque, enquanto aguardávamos a chegada do transporte. Me tocou ver como chegaram vários companheiros e, um a um, lhe esbofetearam”, disse a fonte.
Na mesma operação foram detidos 15 integrantes da rede de apoio de “Megateo”, mas ele escapou nesse momento e em outras duas oportunidades: em um choque armado sobreviveu a um disparo no abdome; e quando se jogou da traseira de uma caminhonete em que o levavam algemado.
O DAS o perseguiu até o último dia, até que o Governo desmantelou a instituição em 2012”, observa Pares.
Por fim, “Megateo” não se saiu bem. Nove anos mais tarde outros agentes encobertos do Exército infiltraram seu anel de segurança, desta vez com o disfarce de vendedores de explosivos. Em 2 de outubro de 2015 combinaram um encontro em um prédio na vila San José del Tarra, em Hacarí. E quando estava dentro de uma casa que funcionava como armaria, fizeram explodir uma das bombas que lhe prometiam vender.
Quando foi divulgada essa morte, o DAS já não existia, mas restavam as marcas daquele brutal atentado em seus antigos integrantes. Pares não pode evitar sentir-se aliviado.

(*) Os nomes dos agentes foram modificados para proteger sua segurança.
Fonte:  tradução livre de El Colombiano
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