terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Como a Espionagem Comunista se Infiltrou no Governo de Dois Ex-presidentes Brasileiros

O ministro da Economia de Cuba, Ernesto “Che” Guevara, e o presidente Jânio Quadros durante encontro no Brasil, em 1960  -  Arquivo - FolhapressArquivo
Dois pesquisadores resgatam a trajetória do serviço secreto da Tchecoslováquia, que foi muito atuante no Brasil nas décadas de 1950 e 1960 e enviou informações para Moscou
por Tiago Cordeiro
Existem espiões em todas as épocas e todos os lugares, especialmente durante conflitos ou situações de tensão entre blocos de países. É natural imaginar que, durante a Guerra Fria, havia agentes e informantes em todos os cantos do planeta.
O Brasil, o maior país da América Latina, era um território estratégico, principalmente depois que um pequeno grupo de guerrilheiros transformou Cuba em uma ilha socialista a poucos quilômetros dos Estados Unidos. Mas quem exatamente circulou no Brasil? Que informantes utilizaram? Que estratégias adotaram
É conhecido o interesse da CIA em interferir nos rumos políticos brasileiros nos anos 1950 e 1960. Afinal, o país abriu boa parte de seus arquivos e o que se sabe já indica que Washington acompanhou bem de perto o contexto do país. Chegou a se preparar para dar apoio militar aos adversários do presidente João Goulart, uma medida que acabou não sendo necessáriaNo caso do bloco soviético, os arquivos em geral permanecem fechados, ou de difícil acesso. Com uma exceção muito importante: a Tchecoslováquia.
O país era influente no Brasil. Empresários importantes, filhos ou netos de tchecos, eram respeitados, principalmente no Sul e Sudeste. Não eram necessariamente adeptos do comunismo, é claro, mas sua presença oferecia bela fachada que os agentes tchecos aproveitaram ao longo dos anos 1950 e 1960. 
Melhor ainda: depois da redemocratização realizada a partir dos anos 1990, a Tchecoslováquia abriu quase todos os seus arquivos que documentam a atuação de seu serviço secreto. Só faltava quem fosse até lá com muita disposição e conhecimento mínimo do idioma.
Com a publicação de 1964: O Elo Perdido, Mauro Kraenski e Vladimir Petrilák começam a suprir essa lacuna. A obra traça um panorama detalhadíssimo a respeito da atuação da Státní Bezpečnost (StB), a polícia secreta tcheca, no Brasil, entre 1952 e 1971. Conclui que assessores muito próximos de pelo menos dois presidentes brasileiros atuaram fornecendo informações para o lado de lá da cortina de ferro. 
Arquivos abertos 
Ao fim da Segunda Guerra Mundial e a formação do bloco de países aliados da Rússia, diferentes serviços secretos surgiram para investigar as populações locais e também espionar e agir no exterior. Sabemos que, no Brasil, agentes da Polônia, da Alemanha Oriental, de Cuba e da Tchecoslováquia moraram no país. Todos repassaram informações para suas sedes. Dali, os relatórios seguiam para Moscou. Quando necessário, os russos interferiam, pedindo mais informações ou assumindo o controle de determinadas operações. 
É realmente impressionante que o serviço de inteligência da pequenina Tchecoslováquia tenha sido capaz de atuar em tantos países do mundo. Foi um verdadeiro serviço de inteligência global em suas atuações. Possuiu suas rezidenturas (sedes) em vários países latino-americanos, como Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela, Bolívia, México, Equador”, diz Mauro Kraenski, tradutor versado em polonês, com boas noções do idioma tcheco.
Mauro passou dois anos digerindo as informações disponíveis nos arquivos de Praga, a capital. Quando encontrou dificuldades, foi socorrido pelo coautor, o colunista tcheco Vladimir Petrilák. 
Não foi nem um pouco difícil ter acesso aos documentos”, diz Vladimir. “O arquivo é público e está aberto para qualquer um que deseje pesquisar. Não houve censura de documentos, somente em alguns poucos casos recebemos a informação de que determinada pasta deveria passar por um tipo de avaliação. Trata-se de uma formalidade, mas ao fim, depois de um curto período de tempo, estas pastas também foram liberadas”.
O site oficial do livro apresenta alguns desses documentos. 
Visão negativa dos brasileiros
A StB começou a agir entre nós no Rio de Janeiro, com um único agente, o barbeiro por profissão Jiří Kadlec, codinome Treml. Tinha 27 anos e só havia feito um curso de espionagem de dois meses. Seu maior objetivo estava bem claro: “A missão mais importante era a luta contra os Estados Unidos da América e muitas das tarefas tinham como objetivo desacreditar os americanos e prejudicar a sua imagem”. 
Ele vivia sozinho num apartamento que funcionava como a “rezidentura”, o nome das instalações de agentes no exterior. Na mesma época, a rezidentura da StB em Nova York abrigava sete agentes; a de Buenos Aires, quatro. Treml agiu sozinho por dois anos e, em seus relatórios, reclamou muito. Primeiro, porque não tinha estudado português o suficiente antes de se mudar. Segundo, porque seu apartamento mal tinha móveis. Ele não tinha autorização para mobiliá-lo nem verba para levar informantes para passear ou jantar. Poucos anos depois, a situação havia mudado bastante. 
Em 1962, depois de dez anos de atividades, já viviam no Rio vários agentes, que mantinham uma boa rede de relacionamento. Também havia um espião vivendo em Brasília e contatos esporádicos em São Paulo. 
Um manual básico sobre o Brasil para novos espiões, datado dessa época, descrevia o país da seguinte forma:
O funcionário do serviço de inteligência no Brasil terá contato principalmente com a população das grandes cidades, ou seja, com a chamada classe média, da qual procedem a maioria dos funcionários públicos federais. Um brasileiro, ao contatar com um estrangeiro, possui uma tendência em fazer uma grande quantidade de promessas, já supondo que não cumprirá nenhuma delas. São pessoas preguiçosas e bem levianas, com as quais não se pode contar.
O texto continua: “No Brasil, por regra, encontramos pessoas ignorantes, que, mesmo com numerosos títulos científicos, não chegam aos pés da nossa gente com formação primária.” 
Contato com Jânio e Jango 
Além de fazer este tipo de estudo sobre as características sociais, políticas e comportamentais do país, os tchecos tinham um objetivo claro: convencer formadores de opinião nacionalistas, incomodados com a influência dos Estados Unidos sobre o Brasil. Um dos critérios para descartar um possível informante, inclusive, era sua participação em partidos de esquerda, que fariam dele um alvo fácil demais, capaz de expor a própria StB
O serviço de inteligência tchecoslovaco determinava alvos de interesse”, diz Mauro. “No Brasil, podemos citar: Ministério das Relações Exteriores, Congresso Nacional, instituições científicas, polícia, serviço de inteligência, partidos políticos, jornalistas, Petrobrás, Exército, Confederação Nacional da Indústria”. A exceção mais notável foi Francisco Julião: a StB se mostrou muito interessada no líder das Ligas Camponesas e chegou a avaliar seriamente sua capacidade para liderar uma revolução comunista. 
Foi ao buscar este perfil de pessoas, capaz de influenciar a imprensa e a economia, que os agentes tchecos alcançaram figuras de alto escalão no cenário político brasileiro pré-1964, incluindo jornalistas com acesso ao presidente e aos bastidores de eventos, assessores de ministros e diretores de departamentos estratégicos em Brasília. 
Dois casos, em especial, chamam a atenção. O tradutor Alexandr Alexeyev, agente da KGB, ficou próximo de Jânio Quadros quando o então presidente visitava Moscou como político de oposição, em 1958. Nesse caso, os arquivos da StB fornecem um vislumbre da ação do alcance da KGB no Brasil. Alexeyev estava em Cuba quando Jânio foi eleito. A StB ajudou a conseguir o visto para que ele entrasse no Brasil. Graças a um contato dos agentes tchecos em Brasília, o agente russo conseguiu, em 5 de maio de 1961, realizar uma reunião com o presidente. Ouviu de Jânio a promessa de que as relações diplomáticas do Brasil com a URSS seriam reatadas  o que de fato aconteceria, em novembro. 
E há a história da aproximação com João Goulart. Jango visitou a Tchecoslováquia em dezembro de 1960, como vice-presidente. Da visita, os agentes relataram uma impressão positiva. E ficaram mais bem relacionados ainda com Raul Francisco Ryff, um assessor muito próximo de Jango. Durante todo o governo de João Goulart, a StB foi mantida muitíssimo bem informada sobre as intenções do presidente. 
Pró-Cuba
A StB também liderou uma frente de formadores de opinião pró-Cuba. Chegou a formar um grupo, a Frente Nacional de Apoio a Cuba (FNAC), que em 1963 organizou em Niterói o Congresso Continental de Solidariedade a Cuba. Também emplacou artigos em jornais e revistas a favor de Cuba e dos soviéticos e contra os Estados Unidos. 
Ainda assim, a influência junto a essas figuras e a capacidade de organizar eventos em solo nacional não permitiu que a StB percebesse nem a renúncia de Jânio, em 1961, nem a aproximação do golpe militar de 1º de abril de 1964.
Os próprios agentes fazem a autocrítica a respeito dessa falha grave: “A deposição de Goulart foi realizada diretamente pela extrema reação de círculos civis e militares, ou seja, por aquelas mesmas pessoas que realizam golpes em pequenos países centro-americanos”, apontam em seu relatório. “O fato é que nestes círculos nós não possuímos nem nossa rede de agentes, nem contatos secretos”. Sinal de que a meta de se aproximar dos militares nunca foi atingida. 
Reação ao golpe 
Depois do golpe, a StB tentou ajudar a reação. Fez contatos com Leonel Brizola, genro de João Goulart e possível líder de uma reação armada. Mas Brizola adiou a ação, alegando que ainda não havia espaço para uma reação consistente. 
A partir de então, começou a terceira fase do serviço de espionagem tcheco em solo brasileiro. Ela acabou se mostrando um esforço cada vez mais perigoso, na medida em que o regime militar brasileiro aumentava o cerco sobre estrangeiros originários do Leste Europeu. Isso não quer dizer que a permanência não tenha dado nenhum resultado.“A StB sabia que Cuba apoiava a guerrilheiros e inclusive, no âmbito de uma operação que se chamava Manuel ajudou no transporte, via Praga, de latino-americanos, inclusive brasileiros, que faziam treinamento de guerrilha em Cuba”, diz Mauro. 
Em 1971, o escritório da agência foi definitivamente fechado. Em algum momento o serviço de espionagem tcheco teria sido capaz de induzir um golpe de esquerda no Brasil? Não, mas conseguiu ser influente o suficiente para influenciar parcelas da imprensa e municiar Moscou de boas informações sobre os bastidores do governo brasileiro. Não é pouca coisa. As pesquisas de Mauro e Vladimir continuam, mas, por enquanto, já foram localizados mais de três dezenas colaboradores brasileiros. 
Não temos a intenção de denegrir a imagem de ninguém; não somos nós que estamos afirmando que alguém foi um colaborador, são os documentos do arquivo da polícia secreta da Tchecoslovaquia comunista que o dizem”, afirma Vladimir. “Por enquanto, pudemos encontrar informações sobre cerca de 30 colaboradores brasileiros, descritos como agentes ou contatos secretos. Estamos falando de, por exemplo, diplomatas, economistas, jornalistas”.
Fonte:  Gazeta do Povo
COMENTO:  recomendo a leitura, para quem não leu, do livro Camaradas, de Willian Waack  um dos motivos dele ser detestado por parcela dos comuno-socialistas brasileiros, apesar de ter recebido auxílio de um dos filhos de Luis Carlos Prestes na sua elaboração. Aparentemente, o livro tratado nesta postagem, segue no mesmo ritmo, documentando a atuação anti-patriótica e pró-comunista de muita gente que se diz "democrata".  São conhecidos diversos maus brasileiros que em nome de uma ideologia totalitária se submeteram (conscientemente, diga-se de passagem) a fazer parte de redes de espionagem a serviço da extinta União Soviética. Acredito que seja uma boa leitura.

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Pensando Como um Analista de Inteligência - Parte 1

.
Todos nós gostamos de pensar que tomamos decisões lógicas. Afinal, se decidimos um problema, nossa conclusão faz sentido para nós, ou então não teríamos chegado a essa conclusão, certo?
Além disso, quando descobrimos que outros analisaram a mesma questão e chegam a uma conclusão diferente, o que fazemos? Se formos honestos, a maioria de nós pensará que os outros estão errados e imediatamente procuramos evidências para provar isso.
A verdade é que somos todos suscetíveis a pensar de forma errada. De fato, os processos intelectuais que ajudaram a raça humana a crescer e prosperar são os mesmos processos que nos deixam suscetíveis a um julgamento equivocado.
Esses são os processos que o Analista de Inteligência deve deixar para trás.
Oratória versus Pensamento Crítico
Os Analistas de Inteligência reúnem enigmas. Eles analisam informações de várias fontes para tentar entender o que os adversários estão fazendo e o que é provável que façam a seguir. O pensamento crítico é a chave para o sucesso.
O problema é que muitos de nós não sabem como pensar de forma crítica. David T. Moore, um profissional de IC e autor de "Pensamento Crítico e Análise de Inteligência", afirma que o pensamento crítico não é ensinado em muitos cursos universitários, apesar de muitos dos programas de estudos classificarem o "pensamento crítico" como um objetivo.
O mais próximo que muitos estudantes chegam do pensamento crítico, diz Moore, geralmente é quando aprendem o Método Científico. Por outro lado, é provável que os alunos de cursos não-científicos não tenham o treinamento necessário para serem bem-sucedidos. Isso porque o que é ensinado nas escolas mais frequentemente é uma espécie de retórica, a arte de argumentar para provar um ponto de vista. Começando no ensino médio, somos ensinados a desenvolver uma tese e a "provar" através da argumentação.
Infelizmente, a oratória reforça alguns dos processos mentais que tornam o pensamento crítico tão desafiador, como a busca seletiva de informações que confirmem nosso ponto de vista. E talvez nem tenhamos consciência de que estamos fazendo isso.
Modelos mentais: o bom e o mau
Nossas mentes estão cheias de informações que acumulamos ao longo dos anos, desde a infância até hoje. Nossos cérebros fazem o trabalho maravilhoso de usar essa informação para criar modelos mentais do mundo. Usamos esses modelos mentais diariamente para tomar decisões sobre a vida. Eles fornecem um atalho intelectual que é altamente útil no dia a dia. Mas eles têm um lado ruim.
Richards J. Heuer, autor da "Psicologia da Análise de Inteligência", explica que os modelos mentais muitas vezes colorem e controlam nossa percepção de eventos em medida tão grande que podemos realmente não perceber o que está acontecendo na nossa frente. Em outras palavras, tendemos a perceber o que esperamos perceber.
Como exemplo, dê uma olhada na seguinte imagem *: o que você vê?
Imagem de “Psychology of Intelligence Analysis” de Richards J. Heuer.
Nossos modelos mentais podem nos concentrar nas três formas idênticas. Ou eles podem nos concentrar nos três termos ouvidos comumente. A maioria das pessoas, no entanto, não perceberá que os advérbios em cada uma das três frases são repetidos. (Se você notou, parabéns! Você está na minoria.) Como não esperávamos ver os advérbios repetidos, a maioria das pessoas simplesmente não vê a repetição.
Analistas de Inteligência, explica Heuer, desenvolvem expectativas sobre as motivações dos atores adversos. A evidência que se adapta a essas expectativas tende a ser facilmente assimilada, enquanto a evidência que contradiz essas expectativas tende a ser ignorada.
Esses modelos são notoriamente difíceis de quebrar. Mesmo quando nos são apresentadas evidências que invalidam o modelo, relutamos em ceder. Em vez de analisar a questão de forma objetiva desde vários pontos de vista, ficamos rodopiando a informação que valida aquilo em que já acreditamos.
Olhe ao redor e veja por si mesmo. Os discursos atuais são feitos por pessoas que fazem julgamentos desde modelos mentais muito diferentes. Um lado olha para o outro e simplesmente não consegue entender por que certos fatos não influenciam suas opiniões.
É porque não queremos que nossas opiniões sejam influenciadas. Queremos que os nossos modelos sejam validados. E faremos uma enorme ginástica mental para que isso aconteça.
Na próxima publicação, analisaremos uma amostra de técnicas utilizadas na Comunidade de Inteligência para quebrar esses processos e fazer o pensamento crítico justificar seu próprio nome.
Fonte: tradução livre de Intelligence Community