domingo, 31 de dezembro de 2017

O Indulto a Fujimori

.
O Peru é uma sociedade dividida, e não há elementos de coesão à vista. Kuczynski já perdeu seu crédito. O indulto a Fujimori, de novo, deixa ver a dupla medida frente aos DD.HH.
Dezessete anos depois de sua renuncia à Presidência do Peru, Alberto Fujimori segue sendo o grande fator de divisão da sociedade em seu país.
Exerceu o cargo durante dois mandatos. Após o primeiro deles, donde passou de um desconhecido engenheiro agrônomo, solitário candidato e imprevisto triunfador contra Mario Vargas Llosa, foi reeleito em 1995 por ampla maioria. Havia logrado uma recuperação econômica e deixou à beira da extinção o grupo terrorista Sendero Luminoso, uma agrupação de extremistas de exacerbado instinto criminoso que mantinha em xeque à institucionalidade peruana.
Vladimiro Montesinos
ao centro
Sem dúvida, sua segunda administração, devorada pela corrupção, os abusos de poder, as violações aos direitos humanos e, sobretudo, a nefasta influência do chefe dos Serviços de Inteligencia, Vladimiro Montesinos, que corrompeu a praticamente toda classe política peruana, empurraram Fujimori a renunciar via fax desde o Japão, para onde viajou buscando eludir as responsabilidades judiciais que já se acercavam.
Em paralelo ao repudio de boa parte da opinião pública, das organizações defensoras dos direitos humanos e à vergonha que significou para o Peru a descoberta paulatina dos desaforos do regime Fujimori-Montesinos, se manifestava também uma corrente política que não escondia sua adesão às políticas executadas pelo ex-mandatário. Corrente que não só se manteve, e que nas eleições presidenciais do ano passado, liderada por Keiko Fujimori, esteve a ponto de regressar à Presidência. Não obtiveram o poder Executivo, mas sim o controle do Legislativo. Sua maioria no Congresso mantém o atual presidente, Pedro Pablo Kuczynski, em situação de ingovernabilidade e, finalmente, empurraram a que o Chefe de Estado cedera e descumprisse uma de suas promessas de campanha: que não indultaria a Alberto Fujimori.
O indulto ocorreu à noite, na véspera do Natal, esgrimindo razões humanitárias pelo mau estado de saúde do ex-presidente. Fujimori havia solicitado a graça presidencial na segunda semana de dezembro, enquanto no Congresso se preparava a abertura de um processo de declaração de afastamento presidencial contra Kuczynski pelos vínculos de uma empresa sua com Odebrecht na década passada, e que o presidente ocultou. Não foi cassado do cargo porque dez parlamentares fujimoristas, encabeçados por Kenji Fujimori, se abstiveram de votar. Horas depois, Kuczynski liberou Fujimori-pai da prisão. 
O presidente em exercício do Peru está fazendo todo o esforço por fazer ver sua decisão como tomada para proteger o interesse superior nacional. Ninguém acredita. É só política. É sua sobrevivência no cargo, assim, foi levado a sacrificar sua precária bancada no Congresso. Vários aliados anunciaram sua saída da coalizão governamental. 
Fujimori levava dez anos na prisão, condenado a 25, por delitos de lesa humanidade. Ontem (26/12) pediu perdão “aos compatriotas que ludibriei”. Pagou mais cadeia efetiva que a que pagarão, por exemplo, os que na Colômbia se verão beneficiados pelas normas da Jurisdição Especial de Paz. Aquele cometeu seus delitos desde o Governo, amparado na estrutura institucional do poder, o que lhe faz merecedor de um julgamento jurídico e moral mais severo. 
Seu caso, como outros tantos, revela também como a suposta proteção aos direitos humanos se subordina a interesses políticos, e também como alguns dos que dizem defender esses direitos humanos só se alarmam quando a impunidade ampara aos que não são de sua própria corrente ideológica. 
Fonte: tradução livre de El Colombiano
COMENTO: por aqui, também os interesses ideológicos, mais que os humanitários, fundamentam as decisões sobre indultos e anistias. A própria Lei de Anistia, de 1979, foi questionada mais de uma vez por incluir em seus beneficiários os agentes do Estado que combateram os terroristas criminosos de meados do Século passado. Enquanto autoridades se prestam a homenagear de diversas formas Gregório Bezerra, Marighella, Lamarca e outros criminosos sanguinários, heróis como o Coronel Ustra sofreram perseguição por meio de processos que os desgastaram e fizeram com que gastassem seus parcos recursos com advogados para se defenderem em processos sem fundamento, movidos com o único objetivo de os desgastarem. Mais recentemente, enquanto o ladrão condenado Paulo Maluf, capitalista e apoiador da "dita-mole", é recolhido ao xadrez - muito correta e tardiamente -, independente de sua idade avançada e seus problemas de saúde e o empresário Luis Estevão, outro capitalista explorador, cumpre sua pena sem tungir nem mugir; vemos outros condenados entrarem e saírem das celas (Garotinho et caterva; Genuíno, Zé Dirceu, Pizzolatto, mais recentemente, e outros), sem contar os que como o Cachaceiro Maldito que ainda não enfrentaram o xilindró, favorecidos por decisões unicamente justificadas pela simpatia ideológica. Na cadeia, mesmo, só o Vaccari porque não encontraram um meio de livrar sua cara e o abobado Marcos Valério, que acreditou que "alguém" livraria sua cara.
.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O Militar, a Obediência e a Cidadania

por Sérgio Pinto Monteiro*
Recentemente, o General Villas Bôas, digno e respeitadíssimo Comandante do Exército Brasileiro, em seu Twitter, relembrou Samuel Huntington, consagrado economista e pensador americano, professor de Ciência Política das Universidades de Harvard e Columbia: 
"A lealdade e a obediência são as mais altas virtudes militares; mas quais serão os limites da obediência?" E conclui o ilustre chefe militar: “O Estado, ao nos delegar poder para exercer a violência em seu nome, precisa saber que agiremos sempre em prol da sociedade da qual somos servos.
Excluídas, por inverídicas, as manifestações de alguns esquerdopatas de que a referida postagem seria uma ameaça à democracia, o tema, deveras polêmico, nos remete a algumas indagações e reflexões.
Caberia às Forças Armadas, diante de um quadro de caos social — e institucional — agirem em defesa da nação? (leia-se da sociedade nacional, ou ainda, do povo brasileiro). A resposta, positiva e óbvia, está muito clara na postagem do General Villas Bôas. E o que seria um cenário de caos social? População desassistida pelo poder público? Hospitais abandonados e à míngua? Ensino público em estado calamitoso? Funcionários públicos sem pagamento? Banditismo generalizado nas ruas? Criminosos, altamente organizados e armados, derrotando a polícia na guerrilha urbana? População acuada, impedida de sair à noite, enjaulada em suas casas e sem a opção de portar uma arma em busca da defesa que o Estado é incapaz de lhe proporcionar? Propriedades rurais — e até urbanas — invadidas, lavouras destruídas, criações dizimadas — impunemente — por “movimentos sociais” que se autoproclamam “exércitos”, sob a complacência e conivência de diferentes níveis de autoridades? Doze milhões de desempregados? Definitivamente, o caos social já é uma triste realidade em nosso país.
E a insegurança institucional? Confronto entre poderes? Já os temos, explicitamente. Membros dos Legislativos — federal, estadual e municipal — comprometidos com a corrupção e crimes correlatos? São notórios. Governantes dos Executivos — nos três níveis — incompetentes, ineficientes, desacreditados, desmoralizados, envolvidos em todo tipo de tramoias, muitas vezes presos ou denunciados? Basta ver a mídia diária e as pesquisas populares. Integrantes do Judiciário, em especial das mais altas cortes, exercitando o seu poder e sabedoria jurídica — muitas vezes duvidosa — para proteger e dar guarida a políticos, administradores, empresários e governantes corruptos, postergando julgamentos, anos a fio, em busca de prescrições fraudulentas e outras benesses? Tudo isso, e muito mais, configura uma reconhecida e constrangedora realidade. Não seria, então, o caos institucional?
Dir-se-á que órgãos como o Ministério Público e a Polícia Federal estão combatendo a criminalidade, ao lado de alguns membros do Judiciário. É verdade. São patriotas que, dignamente, enfrentam todas as dificuldades imagináveis para processar e punir os quadrilheiros que de há muito se apossaram do país. Estão enfrentando bandidos muito poderosos, governantes, legisladores e até julgadores. Tememos por eles e suas famílias.
Resta-nos abordar a situação dos militares. Anos atrás, quando se iniciou a era populista no Brasil, as forças armadas foram alijadas do centro do poder nacional com a criação do Ministério da Defesa. Venceu a doutrina de que os militares devem estar submetidos ao poder civil. Foram anos de ofensas, agressões, inverdades e até humilhações. Comissões da Verdade foram implantadas, onde a verdade era o que menos importava. Tentaram, inutilmente, denegrir o Exército Brasileiro e impuseram dor e sofrimento a antigos combatentes — e seus familiares — cujo único “crime” foi cumprir o seu dever e o juramento de defender a Pátria.
Hoje, aqueles derrotados do passado e seus aliados oportunistas, que se apoderaram do país e implantaram o caos em que vivemos, ainda temem os princípios e valores que norteiam as ações e sentimentos dos militares. Como detêm o poder, controlam a mídia e mantêm ativas as rotinas gramscistas. Por isso, o pavor diante de eventuais manifestações de militares. Os políticos da oposição vociferam diuturnamente contra o atual governo federal. Não poupam o presidente da república, ministros de estado e seus métodos de governo. A todo o momento os acusam, livre e impunemente, da compra de votos de parlamentares, negociatas e outras supostas falcatruas. Afinal, segundo os opositores, estamos num regime democrático onde a liberdade de expressão é o esteio do estado de direito. Mas bastou um — apenas um — militar da ativa, em traje civil, num ambiente fechado, manifestar a sua opinião, para provocar a ira dos poderosos, os mesmos que fogem da palavra “pátria” como os vampiros de Hollywood fogem da cruz. Teria o General Mourão que, repito, fez um comentário em seu nome pessoal, infringido o Regulamento Disciplinar do Exército? Não me cabe julgar. Mas defendo o inalienável direito do brasileiro Hamilton Mourão, em pleno gozo de sua cidadania, após mais de quarenta anos de excelentes serviços prestados ao exército e à nação, expressar o seu desencanto sobre o infortúnio que se abateu sobre o nosso país.
Ao concluir essas breves reflexões, reitero as palavras de Samuel Huntington tão bem lembradas pelo Comandante do Exército Brasileiro: "A lealdade e a obediência são as mais altas virtudes militares; mas quais serão os limites da obediência?(grifo meu). 
* membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil,
da Academia Brasileira de Defesa e do Instituto Histórico de Petrópolis.
COMENTO:  Este é um assunto muito incômodo aos militares pois envolve a relativização de valores como disciplina e hierarquia, considerados pilares fundamentais ao segmento castrense da sociedade. tratamos sobre ele aqui e vimos que não só no Brasil, alguns incidentes mostram que Comandantes Militares sempre aceitam ser comandados por civis, desde que esses não extrapolem suas atribuições colocando o país em risco. Já tivemos alguns casos em que Oficiais Generais expuseram, com a franqueza peculiar dos que labutam na caserna, seus pontos de vista divergentes de autoridades civis. Os políticos não gostam de enfrentar essa verdade: cargos políticos são temporários, cargos militares são vitalícios. A profissão Militar é a única que exige o juramento de defender a Pátria com o sacrifício da própria vida. Pode parecer demagogia, mas é a verdade. Não há cidadão mais preocupado com os destinos da Nação do que um militar consciente de seu papel social ante a Pátria.
Lembro duas frases marcantes na História do Brasil, formuladas no início do século passado. A primeira do General Bertholdo Klinger (1884-1969), que referindo-se a importância do cargo de chefe do Executivo diz: “O posto supremo do País é problema de Estado-Maior.
A outra frase é do também General, Pedro Aurélio de Góis Monteiro (1889-1956), em seu livro A Revolução de 30 e a Finalidade Política do Exército: (...) sendo o Exército um instrumento essencialmente político, a consciência coletiva deve-se criar no sentido de se fazer a política do Exército e não a política no Exército. A política do Exército é a preparação para a guerra e esta preparação interessa e envolve todas as manifestações e atividades da vida nacional, no campo material — no que se refere à economia, à produção e aos recursos de toda a natureza (...).
.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Colômbia - Valores Invertidos

.
A vergonhosa e inoportuna manifestação, sem propósito e incompatível com os fatos, além do histórico do delinquente, apresentam muitas questões a uma sociedade onde ainda se busca exemplo em bandidos e corruptos.
As imagens falam por si: centenas de pessoas acompanham o féretro de Luis Orlando Padierna Peña, vulgo "Inglaterra", chefe do "Clã do Golfo", na tarde de segunda-feira (27/11/17) no município de Carepa. Alguns assistentes levam balões brancos e vestem camisetas onde se lê: "Viverás para sempre em nossos corações". A Polícia Nacional, que abateu na semana passada a esse conhecido delinquente, vigia para que não haja distúrbios nem excessos entre a multidão.
Já no sábado e domingo anteriores havia ocorrido manifestações similares quando o cadáver chegou a essa localidade do Urabá Antioquenho. Caravanas de automóveis e motocicletas a partir das quais era louvada a figura de um homem com um prontuário revelador de suas realizações e qualidades: aparecia na Lista Clinton por operações financeiras de lavagem de dinheiro; estava pedido em extradição para os EUA por tráfico de cocaína; em 2001 esteve preso por homicídio e fugiu da cadeia; liderava a "Frente Carlos Vásquez" do Clã do Golfo e se mudou para a fronteira com Venezuela para estabelecer corredores de drogas e outras atividades ilícitas da organização.
Em sua perseguição, em agosto de 2015, um helicóptero da Polícia caiu na zona rural de Carepa, causando a morte de dezessete agentes. Mais ainda, sendo parte da cúpula dessa quadrilha era, também, responsável pelo "plano-pistola" [NT: série de assassinatos seletivos] que entre abril e maio passados deixou dez policiais mortos e 37 feridos.
¿O que estará acontecendo com um país onde um grupo considerável de cidadãos vai ao enterro de um criminoso tão daninho e perigoso, para despedi-lo como se fosse um herói?
A primeira explicação que surge é a universal, histórica e cultural, da fascinação e identificação de comunidades e cidadãos com vilões e anti-heróis com máscaras de benfeitores dos despossuídos, que protagonizam resistências e atos de violência e desacato contra outros poderes e setores, legais ou ilegais.
Na história da Colômbia proliferam figuras surgidas de levantes e projetos contra-estatais e paraestatais, e de fenômenos de delinquência que, em diferentes momentos e conjunturas, obtiveram a atenção, simpatia ou submissão de camadas da população, nem sempre marginais periféricas ou desatendidas.
A romaria por "Inglaterra" não nos mostra somente pessoas de estratos afetados pela pobreza e a miséria. Vimos alguns comerciantes e outros urabaenses cuja esfera sugere identidade mais preocupante, com os delitos e a ilegalidade.
É nessa Colômbia em que a bandidagem e a corrupção fizeram carreira como estados de "normalidade e enriquecimento aceitáveis" e que motivam admiração e reflexo. Crimes que não provém só de atores fora da lei, mas também de dentro da ordem e até mesmo do Estado.
A multidão que carrega e corteja o ataúde de um delinquente de larga carreira obriga a pensar nas responsabilidades institucionais públicas e privadas, na tarefa individual e coletiva de liderança e no desafio como sociedade e Estado que temos, para desmontar tantos valores invertidos e essa atitude de anomia (indiferença e passividade) ante o ilegal e o antiético.
Não podem ser pabloescobares, carloscastaños, inglaterras e outroras timochenkos”, nem tampouco os fraudadores do erário, os que convoquem e sirvam de guia, exemplo e inspiração para um país necessitado de dar o salto para a modernidade, os direitos e à paz, em uma democracia legítima.
Fonte: tradução livre de El Colombiano
COMENTO:  esta inversão de valores não é privilégio dos colombianos. Por aqui, também temos uma grande parcela da população que não tem pejo em demonstrar sua simpatia para com bandidos de toda espécie. Os maus exemplos vão desde os que - apesar de todas as provas, jurídicas ou não - se negam a aceitar a culpa de grandes ladrões do erário, chegando a nomina-los de "guerreiros do povo brasileiro", até os traficantes e chefes de milícias que se adonam das favelas por todo o país, com a cumplicidade da população que se nega a auxiliar as autoridades omitindo informações que as levem a esses criminosos chegando aos "protestos" por ocasião da prisão ou morte desses bandidos. A cultura popular é dinâmica, e na América Latrina essa dinâmica conduz à estrumeira!
.