quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Odebrecht e a Zona de Conforto

Editorial
Foram escutados os alarmas vindos do Brasil, mas na Colômbia ninguém parecia se dar conta. 
Temos leis anticorrupção, mas os controles seguem sendo inúteis. 
A Justiça está em dívida.
A empresa brasileira de construções Odebrecht e seus altos executivos vem sendo objeto de investigação há meses em seu país de origem, em um macro-processo judicial no qual se viram envolvidos políticos e governantes de muitos partidos. Entre eles, o ex presidente e antigo líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, acusado no último dia 15 de dezembro pelo Ministério Público Federal de haver realizado nomeações na Petrobrás, visando facilitar o recebimento de subornos da Odebrecht para que esta tivesse acesso a vultosos contratos.
O principal executivo da empreiteira, Marcelo Odebrecht, já foi condenado pela Justiça do Brasil a 19 anos de prisão por corrupção, em 8 de março do corrente ano. Começou a ser processado em 2015.
Há mais de um ano, então, se sabia que essa construtora, adjudicatária de grandes contratos de obras públicas na Colômbia, exercia práticas de corrupção. Em junho do ano passado, o Ministério dos Transportes da Colômbia afirmou que se inteirou dessas investigações pelos meios de comunicação, e que por respeito ao princípio de presunção de inocência e boa fé, devia esperar o resultado final das atuações judiciais para poder determinar quais medidas adotar.
Como as evidências derivadas da investigação no Brasil eram cada vez mais concludentes sobre subornos pagos além fronteiras, em 8 de março deste ano o mesmo Ministério emitiu o comunicado mais etéreo e burocraticamente inútil que se podia esperar, onde disse que "avaliaria a informação" para ver se a enviaria à Super Sociedades. Não mencionou a Fiscalia (equivalente ao Ministério Público brasileiro).
O que se vem sabendo não são só irregularidades, mas o cometimento de delitos transnacionais por parte da empresa (confessados ante autoridades norte-americanas, com pagamento de multas nos Estados Unidos e na Suíça).
Apenas agora a justiça colombiana começará diligências para determinar o alcance dos subornos pagos a funcionários colombianos. Para além do aspecto legal do assunto, ele deu margem a uma controvérsia política entre o governo atual e o anterior, onde ambos se mostram muito mal: tanto o anterior quanto o atual parecem limitar-se na enunciar as leis anti-corrupção aprovadas, as comissões de notáveis constituidas e as qualidades "incorruptíveis" de seus funcionários, antes de mostrar alguma eficácia de seus controles internos para evitar as propinas.
A mais recente pesquisa Gallup Poll mostra que a corrupção é considerada o pior problema do país por parte dos colombianos. Transparência Internacional coloca o país em 83º lugar entre os 138 menos transparentes. Já a presidente da Sociedade Colombiana de Engenheiros, Diana Espinosa, denunciou que o compromisso oficial para atacar a corrupção nas contratações estatais é muito baixo.
O escândalo Odebrecht na Colômbia latejava em muitos círculos, mas somente a confissão de seus diretores nos Estados Unidos parece ter impulsado ações por aqui, não obstante que esta época do ano é muito propícia para esquecimentos.  Sem dúvidas, deveria ser ativada uma verdadeira demanda cidadã pela verdade e a exigência de responsabilidades penais e políticas. 
Se sabe que o discurso dominante na política e nos governos é o de que a corrupção grave é sempre a dos outros, nunca a das próprias equipes. Somente uma justiça transparente e imparcial e uma opinião pública vigilante poderão mudar o curso dessa zona de conforto dos corruptos.
Fonte: tradução livre de El Colombiano
COMENTO:  acredito que quando a Polícia Federal iniciou a investigação de lavagem de dinheiro a que denominaram "Operação Lava-Jato", ninguém imaginava que estavam puxando o fio de uma tenebrosa teia criminosa com ramificações internacionais. Pobre imagem internacional do Brasil!
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sábado, 17 de dezembro de 2016

A Mentira Como Notícia

por David Santos Gómez
Este 2016, que passará à historia como um ano estranho, convulso e incompreensível  exemplo de esperanças e ao mesmo tempo janela para os maiores terrores —, também nos ensinou o quanto é fácil mentir a granel.
E não me refiro às frases que desviam a verdade e se acomodam aos discursos políticos do momento. Não. Isso tem ocorrido sempre. Trato de usar a mentira como centro das arengas populistas que pretendem direcionar a uma cidadania desiludida, desconfiada e temerosa. Porque tudo conduz à formação do medo como caminho para a tomada do poder.
Medo do outro. Medo das instituições. Medo do governo e até mesmo da democracia. O medo absoluto para que um sujeito (homem como Donald Trump, ou mulher, como Marine Le Pen) receba o encargo de fazer o que tenha que fazer para devolver a tranquilidade.
Nunca antes as mentiras foram verdades absolutas como agora porque são muito poucos os que se atrevem a questiona-las. É a preguiça intelectual. O afã de repetir o visto ou escutado como palavra de Deus. Sem confirmar fontes. O ritual tão contemporâneo de falar de tudo quando nada se sabe.
E isto tem consequências porque não são proclamas etéreas ou correntes de "chats" imaginárias que passam de grupo em grupo até tornarem-se tema de conversação de almoços e caírem no esquecimento. Tratam-se de falsidades que trazem implicações sociais, que geram comportamentos discriminatórios e, em alguns casos, podem até causar a morte dos implicados.
Foi o que se passou nesta semana em Washington. Nos agitados meses da passada campanha presidencial norte-americana, circulou a falsa notícia de que Hillary Clinton e seu chefe de campanha, John Podesta, dirigiam um centro de tráfico de crianças como escravas sexuais em uma pizzaria da cidade. Correu nas redes sociais a "hashtag" #PizzaGate até que Edgar Welch, um homem indignado, decidiu armar-se, entrar no restaurante e acabar à bala com o que considerava uma aberração democrata. Tudo era falso, exceto as balas que saíram de seu fuzil de assalto. Portava, também, um revólver, uma escopeta e um punhal. Estava decidido a matar e morrer.
Felizmente, o que poderia ser um massacre alimentado pela falsidade midiática finalizou sem feridos e com Edgar Welch atrás das grades. Talvez as próximas loucuras não terminem com um balanço tão bom.
Fonte: tradução livre de El Colombiano
COMENTO: a irresponsabilidade de pessoas com acesso a meios de divulgação — de jornalistas vendidos que propagam o que seus compradores determinam a idiotas úteis que divulgam estultices que não resistem a alguns segundos de reflexão, passando por equipes de militantes encarregados de difundir as "verdades partidárias" no mundo virtual — conseguiu avacalhar até com boas ideias como a do Facebook. As redes sociais, invadidas por esses sem-escrúpulos, atualmente, já não servem para informar, mas só para confundir os menos atentos, mesmo que as intenções não sejam desonestas. Um bom e recente exemplo foi o noticiário sobre a tragédia que vitimou a equipe de futebol do Chapecoense.
Logo após a certificação de que houve sobreviventes, particularmente os dois profissionais de transporte aéreo, alguém achou que poderia usar o fato com o bom objetivo de propagar os sempre úteis e ignorados "protocolos de segurança" em caso de acidentes aéreos. Assim, surgiu o boato de que um dos comissários de voo havia se salvado por ter adotado a "posição fetal", com uma mala entre os joelhos, ao perceber a proximidade do acidente ante o pavor dos demais ocupantes do avião. A versão foi repetida por diversos meios.
Posteriormente, o mesmo jornal que difundiu a versão do "protocolo de segurança" publicou outra versão, supostamente dada pelo mesmo tripulante, afirmando que ninguém havia se apercebido da iminência da tragédia, nem mesmo ele
Este foi só um exemplo das mentiras que nos são empurradas goela abaixo, todos os dias, pela "grande imprensa". São inverdades ou meias verdades forjadas, algumas vezes de acordo com pesquisas prévias, para angariar audiência (fofocas sobre as ditas "celebridades"  artistas, atletas, ou "socialites", porque não dizer "garotas de programa" glamourizadas , que na realidade não tem importância alguma são o exemplo mais fácil de ser verificado) ou "formar opinião" de acordo com os interesses das empresas, interesses esses, nem sempre virtuosos. Interesses econômicos, certamente, negociados com anunciantes, políticos, etc, em troca de algum benefício. Nem vou abordar, neste texto, o enorme destaque que é dado ao futebol e seus figurantes, como se o "esporte bretão" tivesse alguma importância,
E o pior é que, apesar dos inúmeros "códigos de ética", profissionais e das empresas, raramente se encontra um "erramos" ou "pedido de desculpas" feito pelos mentirosos. Afinal, neste mundo onde somos soterrados a cada minuto por uma avalanche de dados, verdadeiros ou mentirosos, nossa pobre memória se torna incapaz de fazer a devida diferenciação entre o relevante e o insignificante. E uma mentira a mais, uma mentira a menos, não nos faz diferença.
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domingo, 11 de dezembro de 2016

Captagón - Preparemo-nos Contra a Nova Desgraça do Narcotráfico

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Captagon, o Monstro Invisível da Guerra na Siria
por Mariana Escobar Roldán
Captagon. Uma droga sintética que leva à euforia; disfarça a fome, a fatiga e o frio, e aumenta a força e a destreza em cenários como os de uma batalha. Captagon. O estimulante que no Oriente Médio, sem fazer demasiado ruido, superou o número de apreensões de opiáceos. Captagon. A fonte perfeita de financiamento para os atores do conflito na Síria, e o narcótico de seus soldados e vítimas.
Sua base, a fenetilina, servia na Alemanha de 1961 como medicamento para crianças com transtornos de atenção. Mas logo foi proibido por seu caráter viciante e seus efeitos sobre o sistema hepático, e entrou no mercado negro para uso recreativo.
Os primeiros a usa-lo foram os búlgaros. O mundo estava entorpecido com a queda do Muro de Berlim. Nesse país que fazia parte do império soviético, as grandes empresas estatais se desmantelavam, boa parte delas da indústria química e algumas, inclusive, exportadoras do Captagon. 
Em função da cooperação política e técnica entre Bulgária e Síria, durante a Guerra Fria muitos sírios estudaram química na Bulgária e estabeleceram contatos que, se por um lado abriram o mercado entre os dois países, também traçaram o caminho do tráfico ilícito.
"Com uma grande força de trabalho tecnicamente capacitada e sem emprego, os químicos búlgaros se voltaram para fontes de subvenção ilegais porém lucrativas. A principal foi a das pastilhas de Captagon para a Síria e o resto do Oriente Médio, pela rota da Turquia", detalha Bejamin Crabtree, especialista em tráfico de drogas e crime organizado.
Ele elaborou uma radiografia do comércio flutuante dessa droga, depois de entrevistar mais de 20 agentes da lei e com dados atualizados sobre as apreensões (clique para aumentar a imagem).
Entre os anos noventa e começos deste século, os centros de produção de Captagon eram Bulgária e Turquia. Mas o incremento nos controles estatais transladaram o negócio para a Síria.

Síria entra no negócio
Neste país, segundo Crabtree, o negócio disparou em 2011, coincidindo com o início do conflito entre o regime de Bashar al Assad, os rebeldes e demais atores locais e estrangeiros que se enfrentam defendendo variados interesses.
Quatro fenômenos fizeram da Síria um caldo de cultura ideal para o negócio do Captagon: a ausência do Estado em zonas ocupadas pela oposição; a exígua fiscalização nacional e internacional onde o Governo se faz presente; a urgência de encontrar formas de financiamento ou de subsistência no meio de um conflito que deixou 85,2% da população na pobreza extrema; e um mercado crescente entre mais de 10 milhões de migrantes que fogem do conflito.
Apesar das limitações para aplicação da lei naquele país e às dificuldades para a coleta de informações oficiais, o investigador acha que o número de capturas da droga é superior a de outros países da região em melhores condições sociais. "Isto indica que o problema é muito maior do que se vê", adverte.  Somente em 2015 foram confiscados 24 milhões de comprimidos na Síria.
Chama a atenção o fato de que, para outras drogas, como a heroína de origem afegã, a instabilidade e o conflito conduziram a uma trajetória geográfica contrária: sumiram das zonas de conflito na Turquia e Síria.  
As redes de traficantes do Oriente Médio preferem uma vizinhança mais estável. Não obstante, os principais mercados de destino para o Captagon são os países da península Arábica, e ainda, os migrantes que se dirigem à Europa também são um público-alvo, segundo detectou Crabtree.
O Captagon, sem dúvida, tem uma história inusitada.

A História Incomum
A produção e o tráfico de Captagon se converteram em uma fonte perfeita de custeio para os atores do conflito na Síria. A simplicidade e a natureza móvel das instalações de produção, e os limitados conhecimentos químicos requeridos, são ideais (1).
De acordo com as observações de Crabtree em sua investigação, a produção de uma pílula custa cerca de 15 centavos de dólar e é rentável, apesar de seu preço no mercado ser variável, dependendo do país: na Síria, custa entre 5 e 10 dólares; na Jordânia, pode ir até 29 dólares; e alcança 50 dólares no sul da península Arábica.
Desde a Síria, a proximidade com os principais mercados de destino também ajuda. A isto se soma a crescente demanda interna do país, que oferece fontes altamente rentáveis com um baixo risco de interceptação, devido às debilidades na aplicação das leis.
Mais ainda, nesse país não só o crime organizado se beneficia desse tráfico, mas também atores estatais e não estatais díspares. (2) Destacando-se o Estado Islâmico (EI), que não deixa pistas de sua participação nesse mercado.
"Serem vistos apoiando ativamente o tráfico significaria graves implicações nos seus esforços de propaganda", destaca Sergio Moya, coordenador do Centro de Estudos do Oriente Médio, na Costa Rica. Acrescenta que o grupo divulga esforços ocasionais para demonstrar que está contra o narcotráfico: em março de 2016 executou cinco traficantes e teria tentado destruir plantações de cannabis descobertas em seu território.
A teoria de Crabtree é que, em função da queda nos preços do petróleo, os atores do conflito na Síria necessitam acesso a fontes novas e facilmente exploráveis de subvenção. O Captagon atende esse propósito e tem um efeito perverso: os soldados e rebeldes que o consomem se convertem em máquinas de guerra sem escrúpulos.
Mas há mais: "seis milhões de migrantes sírios refugiados em países vizinhos são uma comunidade de risco para o consumo de drogas e atuam como 'mulas' para pagar suas viagens a países europeus", aponta o especialista.
O Captagon, por exemplo, lhes tira o cansaço, a sede, e justo agora, quando se aproxima um violento inverno no Oriente Médio, poderá tornar-se elemento de primeira necessidade.
Em resumo, há uma guerra, uma droga e consumidores em todos os bandos. O que menos interessa aos traficantes é a proximidade da paz. 

Uma Droga de Guerra
Em todos os países em conflito da África e Oriente Médio onde esteve Camilo Kuan, especialista em saúde pública e drogas, as anfetaminas são mais comuns do que se acredita. "No norte da Síria, na fronteira com a Turquia, nas zonas muçulmanas da África, se cortam os alimentos, o abastecimento de gás e água. As pessoas sentem medo e devem fazer grandes deslocamentos, por isso as drogas se tornam o melhor amigo dos guerreiros e dos sofredores", afirma. 
De acordo com Hassan Turk, especialista em Oriente Médio, os grandes movimentos de populações, pelas migrações derivadas de conflitos armados, propiciam formas de transporte de drogas.
"Agora é mais fácil que antes. Entre migrantes e refugiados sírios há inocentes, mas também terroristas e traficantes, que aproveitam uma fronteira débil com a Turquia para movimentar um mercado negro que não percebemos."
Quando se formar algum tipo de acordo de paz na Síria será crucial desmantelar atividades ilícitas como o Captagon. Sem que isto fique claro, conclui Crabtree, "o narcotráfico criará instabilidade a longo prazo e atuará como um impedimento à paz e ao desenvolvimento".
Sem uma adequada intervenção dos governos, o Captagon seguirá sendo um monstro invisível no Oriente Médio. As consequências são indefiníveis a longo prazo. E Síria já as sofre diariamente.

Observações

(1) A Produção é Muito Simples
O Captagon se produz de maneira clandestina e simples: só se necessitam laboratórios caseiros e precursores químicos. Enquanto as substâncias base para fabricar esta droga são muitas vezes obtidas diretamente dos fabricantes, os traficantes de anfetaminas também compram ou roubam grandes quantidades de medicamentos para a tosse das companhias farmacêuticas ou farmácias que contenham norefedrina ou outros precursores similares. As pílulas medicinais são dissolvidas e reutilizadas em laboratórios clandestinos para criar comprimidos de anfetaminas, como o Captagon.

(2) Os Que Estão Detrás do Tráfico:

- Exército Sírio Livre e Forças Rebeldes Moderadas

Não só usam, mas também se beneficiam do tráfico de Captagon, segundo se pode identificar nas apreensões da droga, que mostram percursos desde a província de Hatay, onde esses grupos rebeldes exercem controle.
Apesar disso não significar necessariamente uma participação ativa e direta no mercado, de acordo com o grupo de investigações sobre Crime Organizado, Global Initiative, porém isso é muito provável: a droga proporciona uma fonte segura de financiamento para esses atores, sobretudo quando suas formas de sustentação mais tradicionais, como o petróleo e a extorsão, proporcionam escassos retornos, atualmente, aos grupos nesta parte da Síria.

- O Regime Sírio

Apesar do vínculo direto entre o tráfico de drogas e o regime não ser totalmente claro, Global Initiative evidencia que muitos dos grandes apresamentos realizados na Turquia e na Jordânia, e os confiscos marítimos frente às costas da Líbia, a partir de 2016, eram originárias de zonas sob completo controle do regime.
Além disso, a ausência de arrestos, desde 2011, no Aeroporto Internacional de Damasco, sugere acordos entre traficantes e o regime. Síria vem mantendo uma forte economia ilícita desde muitos anos. E isto pode ter sido agravado pelo alto índice oficial de desemprego e pela crise econômica: o Produto Interno Bruto (PIB) foi reduzido em 15,4% em somente quatro anos, até 55,8 milhões de dólares em 2014.

- O Estado Islâmico

A extinta repartição russa contra o narcotráfico, FSKN, informou em 2014 que o grupo Estado Islâmico auferiu mais de um bilhão de dólares com o tráfico de drogas e produção das mesmas. Ainda que não esteja claro para Global Initiative que os terroristas sejam exportadores de drogas, definitivamente há uma relação conflitiva com o narcotráfico.
Frequentemente são descobertas nos uniformes de combatentes mortos, bolsas com pílulas que são usadas como uma espécie de recurso de combate para fazer frente ao trauma e também como sedante. Mas o grupo tem uma dupla moral que se manifesta quando os traficantes capturados dentro de seu território, frequentemente são executados, conforme é mostrado nos seus vídeos de propaganda terrorista.

¿Como se Move o Captagon?

- Quando os envios são marítimos, vão através do Canal de Suez até os portos na Península Arábica ou na África Oriental. Também a partir da Turquia, para portos na costa mediterrânea.

- Por terra, para o sul, se move desde as zonas rebeldes da Síria até a fronteira terrestre com a Jordânia.

- Por terra, desde o oeste da Síria, sai para a Península Arábica através do Líbano.

- Há poucas provas de que o Captagon seja transladado em grandes quantidades desde a Síria, diretamente ao Iraque, por falta de segurança territorial para um tráfico consistente.

Encerrando

O tráfico do Captagon desde a Síria para o resto do Oriente Médio e África Oriental está sendo pouco tratado pelas autoridades e requer atenção para que se alcance a paz nesse país.
Fonte:  tradução livre de El Colombiano

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Sobre Cuba

Faz 5 dias que voltei de Cuba.
Escrevo este texto de um quarto de hotel em Boa Vista, Roraima, uma das cidades "invadidas" por venezuelanos que fogem da fome e do caos. 
O que vou relatar abaixo não tem a ver com o que vim fazer aqui, mas tem tudo a ver com os venezuelanos que eu encontrei pela rua. Tem tudo a ver com os cubanos. E comigo também.
Não fui a Cuba a trabalho. Mas ser repórter, para mim, é algo que vai muito além de trabalho. Se eu vim ao mundo para fazer algo, foi para contar para os outros o que eu andei vendo, ouvindo e sentindo por aí. Este texto é sobre isso.
Fui a Cuba com meu marido, o Diogo, o cara que eu amo, que eu escolhi para, junto comigo, fazer, parir e criar duas pessoas. Fui com o Diogo, um dos caras mais sérios, justos e comprometidos com a verdade dos fatos que eu já conheci na minha vida. O mais comprometido provavelmente. Tanto que, às vezes, acho que ele tem dificuldade de sonhar. E, talvez por isso, não mede esforços para realizar os MEUS sonhos. Ir a Cuba era um deles. Assim como foi pisar a neve pela primeira vez, cruzar a Amazônia, caminhar pelo Himalaia e atravessar um tapetinho até um altar improvisado vestida de noiva. 
Cuba foi nossa segunda lua de mel, a primeira viagem longa depois que tivemos filhos. Daqui a menos de dois meses, nossa primogênita, faz 6 anos. O fim da primeira infância dela é um marco. Comemorar era urgente. 
Por que Cuba? Porque Cuba, Fidel e Che me inquietam há tempos. Eu devia estar na sétima ou oitava série quando ouvi falar pela primeira vez de um lugar "onde todos eram iguais", mas as crianças pediam bala e canetas Bic aos turistas na rua. Lembro bem de uma professora que hoje, se estiver viva, deve ter uns 80 e tantos anos, dizendo que, quando menina, sonhava com Fidel fardado chegando em um cavalo branco para levá-la. Eu não entendia bem aquela paixão, era mais da turma das amigas da minha professora, as quais, dizia ela, eram apaixonadas por Che. 
Aos 15, ganhei dos meus amigos um poster do revolucionário argentino clicado por Alberto Korda. Preguei na parte interna do meu armário, onde ficou até eu deixar a casa da minha mãe, aos 24 anos. Na época em que ganhei o souvenir, nossa curtição era usar boina, fumar charuto e discutir sobre a revolução e o absurdo do capitalismo. De lá para cá, já perdi a conta da quantidade de vezes em que participei de discussões acaloradas entre a turma dos pró e a dos contra Cuba. Em todas elas, sempre havia um sujeito que tentava calar o opositor com o argumento: "Você nunca foi para Cuba, não sabe o que está falando!"
Eu precisava ir a Cuba para saber do que eu estava falando.
Então fomos lá, um casal de jornalistas, em lua de mel em Cuba. 
Em Cuba, eu vi gente cantando e dançando – muito bem – a cada esquina. Ouvir música e dançar em Cuba é comer macarrão com vinho na Itália, amar em Paris, escalar no Himalaia. Em Cuba, eu vi turista por todos os lados, vi os carros antigos (custam cerca de 18 mil dólares e são passados de pai para filho), vi as casas de pé direito alto onde os andares são divididos em dois para caber mais gente. Eu vi casas que desmoronaram de tão velhas, eu vi esgoto a céu aberto, eu vi os mercados só para cubanos onde a maior transgressão é vender amendoim direto à população, sem passar pelo governo. Eu também vi crianças com uniformes impecáveis, escolas cheias, com quadras poliesportivas e prédios não muito diferentes das nossas escolas públicas. Em Cuba, eu vi pouca gente doente na rua e banheiros públicos tinindo de limpos, mesmo que não saísse água da torneira ou da descarga (no do Museu da Revolução, uma senhora abastecia baldes que os visitantes enojadinhos usavam para mandar embora suas necessidades). 
by Giuliana Bergamo
Em Cuba, fiz questão de entrar em um hospital central de Havana para ver a tal fantástica medicina cubana. Dei de cara com um arremedo de pronto socorro público muito parecido com os que topei em minhas apurações no Brasil. Gente se desmilinguindo na sala de espera, chão limpo, mas todo detonado, salas vazias com paredes caindo aos pedaços e um médico-bedel nervoso com a minha presença. Enfiei a cara para dentro do laboratório e fui imediatamente transportada para a década de 1980, quando eu visitava minha mãe no laboratório de análises clínicas onde ela trabalhava. Nostálgico, mas eu sei bem o quanto a medicina andou de lá para cá graças aos novos equipamentos tecnológicos. 
Na rua, conversei com pessoas que – essa foi uma grande surpresa – têm esperança no governo de Trump. Para eles, Obama fez nada pelos cubanos. A retomada das relações foi apenas cosmética. 
Fiz também o roteiro do turismo "oficial" e fui aos museus. Circulando pelas centenas de fotos de Fidel, Che e outros combatentes, suas fardas, pijamas ensanguentados, restos de equipamentos e posters com palavras de ordem e frases de louvor, não conseguia parar de pensar nos trechos do texto que eu lera dias antes de viagem, do livro "A Verdade das Mentiras", de Mario Vargas Llosa: "Numa sociedade fechada, o poder não se arrega apenas o privilégio de controlar as ações dos homens – o que fazem e o que dizem: aspira também governar sua fantasia, seus sonhos e, evidentemente, sua memória." Lembrei do mesmo texto quando entrei nas livrarias, onde os poucos livros exibidos nas estantes quase vazias eram de autores aliados ao governo cubano.
Não satisfeita, quis ter uma conversa franca com um cidadão, digamos, mais antenado. Na manhã de nosso último dia de viagem, W. (a conversa foi absolutamente informal, não me sinto à vontade de publicar o nome dele aqui), um jornalista cubano que resolveu desafiar o poder e contar a verdade das verdades e, por isso, paga com a própria liberdade, veio nos encontrar. 
Dias atrás, depois de cobrir uma ato pró-Trump (sim, teve isso em Cuba), o que ele mesmo julga uma "estupidez", W. foi preso por uma semana. Para proteger a mulher e a filha de 4 anos, W. não vive na mesma casa que elas. Vê a família aos fins de semana apenas. 
Quando foi nos encontrar na manhã do último domingo (20), W. estava tenso. Não, ele não temia estar sendo seguido. Já desistiu de se proteger. Sua aflição era pela prima, que estava em trabalho de parto desde o dia anterior. Eu, que já passei por isso de ficar parindo por horas duas vezes, pensei: "Coisa de homem. Parto é assim mesmo". Aí ele explicou melhor. Em Cuba, praticamente não tem parto cesáreo. "Tentam o parto normal até o fim." E eu novamente pensei: "Mano, você está no paraíso e não sabe!" Mas não era bem isso. Cesária é algo raro mesmo quando é necessária. Por isso, uma outra prima de W. perdeu um bebê que, por complicações de parto, morreu cinco dias depois de nascer. E eu com meus pensamentos novamente: "Mano, isso acontece direto no Brasil..." Só que o priminho de W. foi registrado como natimorto, uma estratégia safadinha para camuflar os dados sobre mortalidade infantil. E eu lembro de Llosa novamente: "Em uma sociedade fechada, a história se impregna de ficção, pois se inventa e reinventa em virtude da ortodoxia religiosa e da política contemporânea ou, mais grosseiramente, de acordo com os caprichos do poder."
Ao longo de nossa conversa e do passeio que fizemos pela periferia de Havana, W. criticou a miséria, a insegurança (a maior parte das casas tem grades), a censura, o povo que não promove a mudança de dentro para fora e fica à espera de um salvador. Em diversos pontos, continuei com minha discussão mental na linha "Mas o brasileiro pobre também passa por isso". 
Questionei W. sobre a educação, uma das bandeiras do governo e um dos argumentos mais utilizados pela turma pró-Fidel nas discussões dos bares da Vila Madalena, onde, aliás, os protagonistas costumam pagar fortunas por escolas onde seus filhos aprendam "a pensar". E eu me incluo nesse balaio aí. W.: "Sim, tem escola para todo mundo. Mas não tem educação. Tem adestramento. Educação, para mim, é ensinar a descobrir, a questionar, a fazer perguntas. Não é isso o que se ensina às crianças cubanas."
Naquele ponto da conversa – e da viagem – eu já estava tristíssima, mas ainda não havia perdido a esperança de encontrar aquela partícula que meus amigos tão encantados pelos país em algum momento acharam. Eu queria ver algo de realmente bom, algo esperançoso. Eu queria achar o samba e o futebol do cubanos. Então perguntei: "W., os cubanos, pelo menos, são felizes de alguma maneira?" W. deu um sorriso irônico e contou uma história para responder minha pergunta. Há pouco tempo, foi contratado por uma agência de notícias para fazer um documentário com o tema "Projeto de Vida". A ideia era entrevistar conterrâneos para saber quais eram os planos para o futuro deles. "Todos deram a mesma resposta: 'Meu projeto de vida é sair daqui. Quero deixar Cuba'. Não, os cubanos não são felizes", disse W.. 
Terminamos aquela manhã tristíssimos, com um buraco no peito. Eu e Diogo continuamos rodando a cidade a pé (quase não usamos carro ou outro tipo de transporte), enfrentamos a fila da chocolateria onde cubanos e turistas esperam um tempão para comer o chocolate mais doce que eu já provei na minha vida, demos de cara com a loja de Benetton em Cuba (!!!) e dissemos "não" às crianças que, na rua, pediam "caramelos" (balas, em português). Voltamos ao hotel, jantamos no único lugar onde encontramos uma comida dessas que acolhem o estômago e a alma, o Paladar Los Amigos, uma espécie de restaurante que funciona dentro de uma casa. Depois, não tivemos mais disposição emocional para fazer nada. E fomos dormir para enfrentar a viagem de volta. 
No dia seguinte, na fileira atrás de nós no avião, uma brasileira chorava copiosamente. Aflitos, os passageiros ao lado tentaram confortá-la. Parei minha leitura que acabara de começar, de "A Insustentável Leveza do Ser", de Milan Kundera, para ouvir o que ela contou a eles. Chorava porque o "marido" tinha ficado em Cuba. Meses antes, os dois se conheceram no Brasil. Médico, ele viera trabalhar no Programa Mais Médicos. Apaixonaram-se, tentaram fazer com que ele ficasse aqui, mas não teve jeito. Por determinação do governo, ele precisou voltar. Ainda assim, tinha a esperança de ser enviado para uma nova missão, o que lhe foi negado. A moça voltava de uma temporada de um mês com seu amor, seu "marido", ela dizia aos vizinhos de voo. 
Ouvi a história, abracei meu marido, trocamos carinhos e retomei minha leitura com o coração apertado. Logo cheguei à parte do livro em que a Tchecoslováquia é invadida pelos russos e Tomas, um dos protagonistas, tem a possibilidade de imigrar para a Suíça. No início, pensa em ficar. Afinal, Tereza, sua mulher, estava no auge da carreira de fotojornalista. Surpreendentemente, ela diz que está disposta a se mudar, apesar de saber que, na Suíça, vivia uma das amantes de Tomas. Sobre isso, Kundera escreve: "Aquele que quer deixar o lugar onde vive não está feliz." E eu completo: seja ele um personagem de ficção, um venezuelano, um cubano ou eu mesma, quando, em viagem a trabalho, quero voltar para perto dos meus amores.
Fonte: Facebook