sábado, 23 de fevereiro de 2013

O Trágico Fim de Uma Mulher Com Coragem

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Angélica Bello defendeu os direitos humanos a partir de sua experiência como vítima
Angélica Bello (à esquerda), na última entrevista que deu aos meios de comunicação 2012.
Foto: Revista Semana
O sepultamento da ativista Angélica Bello foi discreto, como ela gostaria. E teria sido mais discreto se no mesmo dia o presidente Santos não o houvesse citado em um ato público: Angélica, pressionada por sua dor ou por ameaças, não sei por que, não suportou mais. Tudo parece indicar que tirou sua vida”.
A defensora de direitos humanos de 45 anos morreu em Codazzi (Cesar) em 16 de fevereiro, às 11:45 da noite. 
Naquele sábado, estava em um bar com uma de suas três filhas e um guarda-costas. Conforme uma atendente, ela deixou o local aparentemente abatida por uma discussão com a filha; esta e o guarda-costas a seguiram. Já em casa, a mulher disparou um tiro em sua própria boca, usando a arma de um outro guarda-costas que estava de folga. (Leia: La Corte pide a Fiscalía esclarecer muerte de líder de desplazadas).
Mas a tragédia de Angélica Bello começou muito antes. Em 1996 ela teve que fugir de Saravena (Arauca) com suas três filhas e um filho, em função de ameaças por ser filiada à União Patriótica. Como desabrigada, chegou a Casanare, onde duas de suas filhas foram recrutadas por um grupo das Autodefesas liderado por "Martin Llanos". Bello contava que implorou ajoelhada ao temido chefe paramilitar que lhe devolvesse suas meninas.
Dois dias depois, os "paras" entregaram as jovens mas deram uma hora de prazo para que a família abandonasse o povoado. Fugiu, então, para Villavicencio, onde chegaram sem nada. Seu desespero era tão grande que, como confessou à revista Semana, pensou em acabar com sua vida e a de seus filhos. Finalmente, com o apoio de um padre, se recuperou.
Pouco tempo depois retomou sua vocação política e se converteu em líder das "desplazadas" (mulheres deslocadas de seus locais de origem por conflitos). Em 2003 sofreu um atentado, mas isso não a impediu de, em 2006, criar a Fundação Nacional dos Direitos Humanos da Mulher, para atender vítimas de violência sexual.
As ameaças se intensificaram até 29 de novembro de 2009. Nesse dia, ao sair do Ministério do Interior, em Bogotá, onde foi pedir uma reavaliação do nível de risco que enfrentava, dois homens a sequestraram. "Abusaram sexualmente de mim. Disseram que não iam me matar para não me transformar em mártir. ... Um deles estava tão confiante que se pôs em minha frente e disse: 'olhe esta cara, por que vais te lembrar dela por toda tua vida'".
Suas filhas ficaram sabendo desse episódio pelo jornal El Tiempo, onde ela contou sua história pela primeira vez. Dias depois da publicação, a mais velha contou a ela que os paramilitares a haviam violado.
Mas sua força de vontade era muito grande. Certamente o presidente Santos percebeu isso e, em janeiro, convidou-a para compartilhar a mesa em um comitê criado pelo governo para atender vítimas do conflito.
A última ameaça chegou poucos dias antes de sua morte. Devia abandonar Codazzi antes da sexta-feira passada. Segundo Paula Gaviria, diretora da Unidade de Vítimas, nos próximos dias ela ia ser   reinstalada e as medidas de sua segurança seriam reestudadas.
O esforço das autoridades terá que focar-se agora na explicação dos fatos nos quais morreu uma das primeiras mulheres que deram um rosto ao drama do abuso sexual em meio à guerra.
Família necessita proteção
Na sexta-feira, a Corte Constitucional pediu ao governo maiores informações sobre a morte de Angélica Bello e instou a implementação de medidas de segurança para sua família, inclusive nova instalação urgente pela Unidade Nacional de Proteção.
Sua luta continua
A fundação não fechará
Álex Villalobos, companheiro de Luisa Fernanda, a filha mas velha de Angélica Bello, diz que a perseguição da qual ela foi vítima durante toda sua vida (ameaças e atentados) sempre buscou detê-la e frear sua luta. Por isso “decidimos que a Fundação deve continuar. Por ela, porque sabemos o que significou em sua vida”, afirma. A Fundação Defensora dos Direitos Humanos da Mulher (Fundhefem) nasceu em março de 2006. É uma ONG que se propõe a liderar e promover os direitos das mulheres que, como sua fundadora, foram vítimas de todo tipo de abusos em meio ao conflito armado no país. E conseguiu. Seu trabalho será continuado por suas filhas.
SALLY PALOMINO
Redatora de ELTIEMPO.COM
Fonte: tradução livre do Jornal El Tiempo
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