segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Combate Decisivo no Araguaia – Início da Derrota do PCdoB

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Num de seus livros fajutos, Elio Gaspari escreveu que o caso ”Sônia” (a seguir, no próximo capítulo) foi o episódio mais notável da guerrilha, distorcendo propositalmente os fatos e enaltecendo o fanatismo da terrorista ensandecida e espumando de raiva, ódio doentio.
Mais um erro grosseiro causado por muita má fé.
É, talvez, o mais inusitado, por se tratar de mulher e de fanatismo fora do comum, extremado. Mas o combate com o grupo militar da guerrilha foi muito mais importante, muito mais sangrento, tendo desmoralizado o movimento do PCdoB: eles perderam em um único combate, quatro elementos dos mais importantes (um deles entrincheirou-se atrás de uma árvore e conseguiu fugir em desabalada carreira depois de cessado o tiroteio, pois estava sem arma na mão e ninguém atirou nele), todos com cursos na China e em Cuba. O que fugiu, soubemos depois, era o João Araguaia, desapareceu na mata. O “Velho Mário” revelou, na ocasião em que recebeu a notícia da morte dos guerrilheiros, que um deles, o Zé Carlos (“Zequinha”), era seu filho, André Grabois, fato que era desconhecido de quase todos.
O combate do dia 25 de dezembro de 1973, o chafurdo de Natal, também foi muito mais importante que um simples combate não terminado, em que uma guerrilheira fanática acerta dois militares.
Com o combate contra o grupo militar da guerrilha, os bandidos ficaram desmoralizados e, na realidade, foi o começo do fim, passando pelo chafurdo (inegavelmente o mais importante de toda a luta) até a morte de Osvaldão.
O grupo militar, comandado por André Grabois, filho de Maurício Grabois, era o mais selecionado, o melhor, nas palavras do próprio Velho Mário em seu diário. Por este motivo, fazem pouco alarde do ocorrido, dizendo que foram emboscados, que estavam famintos, embora saibam realmente o que aconteceu, uma vez que o que conseguiu escapar deve ter relatado o fato. Uma emboscada fica demonstrado impossível no caso, pois numa perseguição na mata não se sabe onde eles vão passar.
Tudo se originou no assalto ao quartel da PM de São Domingos, ao alvorecer de um determinado dia no final de setembro ou início de outubro de 1973, pegando a guarnição de surpresa.
A Operação Sucuri estava terminada e as ações na mata iam ser iniciadas no dia 3 de outubro. Aproveitando a “calmaria” na mata o grupo militar da guerrilha, comandado por André Grabois, o “Zequinha”, destruiu uma ponte na Transamazônica e ao alvorecer pegaram todos ainda dormindo no quartel. Incendiaram todas as instalações, casa principal, refeitório, almoxarifado, corpo da guarda, casa da estação de rádio, gerador, paiol, levando todo o armamento (fuzis, revólveres), toda a munição e todo o fardamento, todo o dinheiro e material individual, agredindo com coronhadas, torturando e humilhando os militares, inclusive deixando todos de cueca. Uma ação audaciosa e reveladora da grande confiança que possuíam até então. Para eles, reinava inteira calmaria na mata; para os militares o movimento era febril: ia ter início, finalmente, a ação contra os terroristas.
O Zé Carlos, ou Zequinha, ou André Grabois, deixou um recado com o Tenente comandante do destacamento: “Que ninguém ouse nos seguir, pois agora estamos bem armados e o pau vai quebrar…”. E quebrou mesmo, mas para o lado deles, principalmente. Deixou também um comunicado à população, assinado por “Zé Carlos – Comandante do Destacamento A”.
O assalto ao Quartel teve grande repercussão entre a população local, mas foi contraproducente para os bandidos porque os moradores temiam as conseqüências naturais que adviriam. Nas cidades adjacentes, também houve muita perplexidade, receios e histórias mal contadas.
A notícia chegou a Marabá imediatamente; era o que chamávamos “telégrafo cipó”, ninguém sabia como e quem a trouxe. Recebi ordem para ir até lá com minha equipe, “verificar” o que realmente houve e tomar as providências necessárias. Fomos de viatura até a ponte destruída (incendiada), atravessamos o rio à vau pois ainda era época seca, embora as chuvaradas repentinas já começassem.
Chegamos a São Domingos por volta de meio-dia, sob forte calor. Pedi que os homens do povoado viessem falar comigo, para relatarem o que aconteceu, quantos eram no grupo de terroristas e quem o chefiava. Vieram uns vinte moradores. Informado de tudo, expliquei a gravidade da situação e ressaltei que não podíamos deixar de ir atrás do bando. Pedi dois mateiros voluntários para auxiliar seguir os bandidos na mata. As mulheres ficaram de longe, só escutando e observando, mas se aproximaram, vendo que a conversa tinha terminado. Depois de alguns minutos, eles conversando com as mulheres, o João Pedro me trás a decisão: ninguém se apresentou para ir, com medo das mulheres ou dos bandidos (não sei qual o maior).
Vi-me obrigado, então, a ameaçar levar todos. Não tinha alternativa, a não ser que “escalasse dois voluntários” pelas aparências, com risco de opção por meros agricultores de jerimum ou macaxeira. Um bom mateiro teria que se dispor a ir e, como eu não teria garantia de sua competência na mata, deveriam ir dois. A designação tinha de ser deles próprios, lógico.
Como é que eles se negavam, quando os maiores interessados eram eles próprios, que tiveram o posto policial atacado e destruído? Sem polícia para assegurar a ordem, a área seria de ninguém. Depois de muita conversa, apresentaram-se dois mateiros dispostos a irem conosco.
Quando nos embrenhamos na mata fechada já pude vislumbrar toda a dificuldade que seria aquela missão. Após duas horas de marcha, aproximadamente, paramos na beira de um riacho.
Meu problema era grande, pois viemos sem a equipe de apoio e só poderíamos aguentar na mata uns dez dias, no máximo, devido ao pouco sal disponível. Com a batida nítida na trilha, pois além de muito carregados eles iam quebrando muito graveto, completamente confiantes, relaxados, eu sabia que só iríamos voltar quando os encontrássemos, de qualquer maneira. Teríamos que caçar de esbarro para sobrevivência, pois não poderíamos perder tempo procurando caça. Numa segunda parada para descanso, a última do dia, na beira de uma nascente, chamei os guias e expus o problema, no que eles concordaram, informando que a região era de muita caça; marchando silenciosamente poderíamos abater muitas aves e pequenos animais com a 22.
Os bandidos, com a carga pesada que levavam, marchavam devagar, parando muito.
Vários dias seguindo-lhes as pegadas, a despeito das fortes pancadas de chuva que mascaravam as pegadas, obrigava-nos a diminuir a marcha, sabíamos que avançávamos seguramente a cada dia, o que mais ainda aumentava a disposição de encontrá-los, fossem quais fossem as dificuldades. No final de alguns dias, já estávamos com muita fome, pois a ração de combate estava no fim e como tínhamos trazido pouco sal, o churrasco de caça, geralmente mutum insosso ou jabuti completamente sem sal, não ficava apreciável, ou melhor, já estava ficando intragável, principalmente de manhã, como primeira refeição.
Foi quando no alvorecer de um certo dia, antes do café, escutamos três tiros fortes de fuzil, tão nosso familiar e a bulha feita por porcos atingidos, guinchando. Eram eles, a menos de 500 metros, na mata. O confronto só foi acontecer cerca das 15:00 horas. Nesse dia não comemos nada e a sede era grande, pois não atravessamos nenhum córrego. Mas, diante do vislumbre do inevitável, nos esquecemos de tudo.
Eles deram os três tiros às 06:00 horas, caçando porcos monteiros, fazendo uma grande algazarra. Enquanto progredíamos sobre eles, houve três mudanças de posição: a inicial dos tiros nos porcos, a de preparação da caça (esfola e limpeza, quando fizeram fogo para queimar os pelos) e a que fizeram em seguida para feitura de dois caçuás para o transporte da carne, pois ficaram muito carregados. Inicialmente, partimos para o local dos tiros, claro. Eles mudaram de posição e pegaram outro rumo, sempre conversando em voz alta; mudamos o rumo também. Eles pararam e fizeram fogo. Recomeçaram a marcha e em seguida pararam por algum problema, sempre conversando alto. Aí, nós demos a volta e os atacamos pela frente, na direção em que estavam marchando, pegando-os de surpresa.
Equipe em formação de combate em linha, eu sem poder mais rastejar devido à proximidade de um guerrilheiro, levantei-me e gritei a ordem de prisão, obtendo como resposta um tiro dado por um deles que estava de vigia mais atrás e que não tinha sido visto. O revide foi inevitável, imediato. Mero suicídio.
O tiroteio foi intenso e prolongado; quem se mexia tomava bala.
Terminado o tiroteio, silêncio na mata, estavam mortos: “Zé Carlos” (André Grabois), “Alfredo” (Antonio Alfredo Lima), e “Zebão” (João Gualberto Calatroni), todos identificados pelo único sobrevivente, o “Nunes” (Divino Ferreira de Souza), que estava muito ferido, com um projétil que lhe atravessou o corpo transversalmente, entrando no quadril de um lado e saindo na axila do outro lado, quase arrancando-lhe o braço. Mas foi ele quem deu os nomes dos mortos e a importância do grupo, embora falando com muita dificuldade. À noite, mal podia falar. O que conseguiu fugir era o “João Araguaia” (Demerval da Silva Pereira).
Do nosso lado, um soldado com ferimento na perna, julgado a princípio que tinha sido atingida a femoral e outro soldado com distúrbio psicológico (vomitando seguidamente e aparvalhado, parecendo estar sonâmbulo).
Conforme combinado via rádio, os mortos e feridos e todo o material deveriam ser transportados para o sítio da Oneide e entregues ao pessoal do PIC (Pelotão de Investigações Criminais) para a devida identificação.
O local do combate não era identificado nas cartas e as árvores eram muito altas de modo que o helicóptero não podia baixar.
No dia seguinte, bem cedo, iniciamos a marcha. Foram 6 horas através da mata, extremamente difícil, com os cadáveres, feridos e carga sendo transportados em muares que estavam abandonados pelos moradores, e que foram trazidos pelos guias. A munição de fuzil foi destruída, jogada num buraco na mata. Os cadáveres, expelindo sangue e soro, ao passarem na folhagem faziam o retorno dos galhos na nossa cara, de modo que chegamos no sítio da Oneide completamente impregnados, emporcalhados. Além disso, havia um ferido gravemente (o Nunes); o soldado ferido podia andar, mancando, apoiado numa muleta improvisada de pau com forquilha. Foi, realmente, uma dura missão. Começamos a marcha ao raiar do dia e chegamos no sítio da Oneide com os helicópteros já pousando, ao meio-dia, como fora combinado via rádio. Tinham que ser identificados todos eles, claro. O pessoal do PIC ficou com um helicóptero e voltamos no outro, levando o Nunes, para os primeiros socorros em Marabá. Devido à gravidade dos ferimentos, ninguém acreditava que ele se recuperasse. Dias depois, soube que ele morreu.
Dizem os comunas, que o mataram na Casa Azul. Quando Pedro Albuquerque tentou o suicídio na prisão em Fortaleza, se tivesse morrido, estariam dizendo a mesma coisa. Caso o Nunes não tivesse morrido, teria ficado aleijado, pois o projétil destruiu a articulação do braço com o ombro.
Dessa maneira, estava destruído o grupo militar da guerrilha, o mais importante deles.
Numa reportagem na imprensa, um mateiro afirmou que a tropa do Exército já chegava atirando.
Primeiro, os mateiros iam ficando para a retaguarda na iminência do confronto. Ficavam quietinhos lá atrás até o cessar fogo.
Segundo, como os bandidos estavam fardados, tendo o Zé Carlos o gorro de 2º Ten da PM do Pará na cabeça (caki com estrela vermelha), teria obrigatoriamente de ser dada a voz de prisão para certeza de quem se tratava, invariavelmente.
Terceiro, na área agiam vários grupos de combate, principalmente em reconhecimento, o que tornava imperiosa a identificação para não haver acidente entre tropas amigas. Jamais poderia haver precipitação no encontro na mata. E nunca houve, que eu saiba.
Se a intenção fosse realmente acabar com eles, de qualquer maneira, o João Araguaia não teria sido poupado; estava sem arma na mão e ninguém atirou nele.
O mais gritante de tudo, que anula a versão de já chegarmos atirando, é que seria muito mais fácil levar prisioneiros marchando algemados pela mata do que transportar cadáveres em lombo de muares, exudando continuamente na nossa cara, pois íamos tocando os muares.
Dificilmente o local dos combates, em mata fechada, permitia o pouso de helicóptero. Inclusive, eles continuariam carregando as próprias cargas que roubaram. As informações que poderiam fornecer também eram de suma importância e foram perdidas, uma vez que o sobrevivente, o “Nunes”, muito ferido, não estava em condições de falar na manhã seguinte. Ele apenas deu, logo cessado o tiroteio, o nome de cada um componente e da importância do grupo, ainda com sangue quente, logo terminado o combate. Sofreu muito durante a noite e no caminho tendo chegado muito mal no sítio da Oneide, onde foi medicado sumariamente.
Tanto no caso da descoberta do local da guerrilha, como em todos os demais, era dada a voz de prisão. Os três elementos avistados (dois homens sem camisa e uma velha) no final da trilha de Pará da Lama, e que escaparam fugindo para a mata, podiam ter sido alvejados facilmente, tal a proximidade a que chegamos, uns 80 metros. De FAL, era tiro e queda.
O mesmo poderia ter sido feito com o “Geraldo”, que inclusive tentou fugir e poderia ter sido atingido facilmente.
O Pedro Albuquerque está vivo, em Fortaleza, CE, turisticando constantemente ao Canadá (como é bom ser comunista…).
O caso da ”Sônia”, demonstra de maneira insofismável este procedimento das patrulhas, uma vez que ela poderia ter sido alvejada mortalmente ao tentar puxar a arma, mas foi preferido deixá-la ferida, após três ordens seguidas de três advertências sucessivas.
No meu entender, aquela era a hora do “Velho Mário” desencadear a retirada, a única ação lógica que lhe restava. Principalmente em respeito aos seus comandados. Depois, repetiu o erro quando a “Sônia” caiu. Aquela decantada “vitória” no caso ”Sônia”, na qual “vibrou” e elogiou o fanatismo da pobre e infeliz companheira, na realidade selou a sua derrota e morte; ele não teve a capacidade de reconhecer o grande erro de avaliação, isto é, cantou uma vitória totalmente impossível antes de tempo. Esqueceu uma regra básica: nunca entrar numa guerra sem um plano de retirada; jamais entrar numa guerra sem saber como sair dela.
O jornalista Luiz Maklouf Carvalho, durante entrevista comigo, mostrou uma reportagem publicada em um jornal antigo, em que um morador, conhecido como “Vanú” (Manoel Leal Lima), de São Domingos, Transamazônica, declarou que foi guia do Exército no combate em que morreu o “Zé Carlos” (André Grabois). Não o reconheci na foto nem lembrei dele como mateiro. Nas declarações de “Vanú”, dentre as feitas evidentemente com objetivo de agradar o interlocutor tendencioso, além de muita imaginação, ele acertou alguns detalhes que, julguei, ele tivesse ouvido de Luiz Garimpeiro e Antonio Pavão, seus vizinhos em São Domingos e que foram os mateiros que mais serviram à minha equipe. Mas, assim mesmo, resolvi consultar o Cid por e-mail. Eis a resposta:
… Mas, vamos ao que interessa: no caso do “Vanú”, era baixinho, uns 35 a 40 anos, não sei bem, acho que na mata as pessoas aparentam maior idade. Mas lembro que atuou em uma de nossas últimas missões, me ficou na lembrança devido ao fato de que atuou muitos dias reclamando de um problema no joelho, e que o atrapalhava no andar. Não sei porque ele foi escolhido, estando naquela situação para andar. Quanto ao “Vanú” dizer que eu mandei enterrar corpos, é uma grande mentira, mesmo porque uma coisa que jamais passou pela minha cabeça foi a de me preocupar com os corpos do inimigo. Sempre achei que era problema deles, tanto que já escrevi diversas vezes sobre isso e declarei que se fosse para  enterrar o inimigo o Exército teria levado um Pelotão de Sapa, o que não fez. Nossos mortos estão bem enterrados e lembrados com respeito e carinho, o deles era problema deles, se não os recuperaram, com certeza alguma onça o fez”.
Jamais eu levaria para a mata alguém estropiado, nem militar nem civil, mormente o mateiro, pois andávamos o dia inteiro, dia após dia, como cantiga de grilo… Ainda mais numa missão prolongada, em que teríamos de andar muitos dias na mata, e reconhecidamente perigosa pelo número de guerrilheiros que informaram compor o grupo, agora já bem armados de fuzil e com muita munição.
“Vanú” pode ter sido mateiro daquela missão, o que não foi confirmado pelo Cid, por sinal uma das mais difíceis missões dentre todas, mas, pelas mentiras que disse, perdeu a credibilidade. De tudo que declarou, só acertou Cid e Adulpro (que muito bem pode ser Asdrúbal); muito pouco proporcionalmente ao que errou. No meu entendimento, acho que ele deve ter ouvido as conversas dos dois guias, que, aliás, eram da mesma vila de São Domingos. Mentiu muito. Só poderei confirmar que um dos guias era o Vanu depois de conversar com ele. Fica tranqüilo, Vanu, que da próxima o Adulpro se lembrará de você.

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