terça-feira, 26 de junho de 2012

Considerações Sobre a Segurança na Rio+20

por Vinicius Domingues Cavalcante
Uma das questões mais polêmicas de um evento como a Rio+20, que envolve a presença de uma enorme quantidade de autoridades estrangeiras, é a de como o país anfitrião garantirá a segurança de todos esses dignitários. São inúmeras personalidades e cada uma delas traz consigo a perspectiva de riscos que vão desde a eliminação física por antagonistas, até a possibilidade de males súbitos de saúde enquanto em sua estada sob nossa proteção. Como experiências vividas pelo próprio Papa e pelo Dalai-Lama muito bem demonstram, nenhuma celebridade consegue despertar e manter, de uma forma unânime, sentimentos favoráveis em 100% das pessoas e uma autoridade, qualquer que seja ela, por mais que angarie simpatias, sempre atrairá para si uma razoável dose de antagonismo. O exercício das funções da autoridade sempre desagradará aos interesses de pessoas, grupos e até mesmo de governos estrangeiros, os quais podem tramar e executar ações, contra as quais a segurança de tais dignitários deverá estar preparada para a se opor. Vale ressaltar que, muitas vezes, é mais fácil atingir tais alvos num terceiro país do que enquanto na proteção de suas próprias fronteiras.
Tudo pode ser motivo para um atentado: a necessidade de modificar a situação político-social através do uso do terrorismo e violência; o fato de que a eliminação física de uma autoridade estrangeira pode propiciar mudanças no regime político e instauração de uma nova ordem; a motivação de que a vítima é responsável pela perseguição política de um segmento da população de seu país, pela crise econômica nacional ou pelas dificuldades financeiras enfrentadas pelos agressores. Se a detecção de complôs ou de grupos terroristas já é uma tarefa difícil, o que dizer quando se está diante de um desequilibrado mental, ou de um terrorista desconhecido, tipo “Lobo Solitário”, que age sozinho e indetectável, até desencadear seu ataque movido pelo ódio, vingança, por questões de fundamentalismo religioso as quais só ele conhece.
Em Dezembro de 1993, um espectador de cerca de 50 anos aparentemente inocente saiu do meio de um público amistoso e agrediu fisicamente o então Presidente da Alemanha Ocidental Richard Von Weizsaecker com um violento soco. O Primeiro Ministro da Suécia, que morreu numa via pública de Estocolmo, em 1986, por tiros à queima roupa, não via necessidade de usar seguranças. No mesmo erro incorreu a Ministra de Relações Exteriores da Suécia, Anna Lindh, assassinada a facadas numa loja de departamentos em 2003, que vinha sistematicamente recebendo correspondências ameaçadoras. Independentemente do forte esquema de segurança que há muito protege os presidentes norte-americanos, um jovem desequilibrado mental, em 1981, disparou seis tiros contra o Presidente Ronald Reagan, ferindo-o com gravidade. A ninguém faculta descrer dos riscos, muito menos aos seguranças!
Receber terceiros consiste numa enorme responsabilidade. O esquema de segurança montado deve ser capaz de assegurar que o visitante (e seu staff) esteja a salvo de toda sorte de ocorrências adversas que se possa antever. Em geral, o planejamento é dimensionado em função direta das pessoas e grupos antagônicos que possam pretender desmoralizar, sequestrar, ferir ou matar aqueles que são alvo da proteção. Em geral, uma segurança pessoal será condicionada pela necessidade de sobrepujar seus opositores potencialmente mais poderosos; e se qualificando obstinadamente para fazer frente ao mais perigoso, a tendência (embora não a regra) é que consiga prevenir, dissuadir e atuar com sucesso, em face de ocorrências adversas de menor gravidade, risco e sofisticação.
Quem quer que planeje um dispositivo de segurança complexo, como o da presente conferência, deve estudar minuciosamente um grande histórico de ocorrências de atentados, aprender sobre como eles se processaram e sobre os meios que foram empregados. Com base em tais informações é que se dará ensejo a todos os esforços possíveis para impedir que essas ações possam ser repetidas contra as personalidades que estivermos protegendo no Brasil. Planejadores escrupulosos sabem que não existe “segurança perfeita”, que mesmo organismos de segurança estrangeiros, altamente profissionais, já amargaram o revés de ver seu protegido assassinado, ferido ou desmoralizado por um atentado bem executado; daí não se deve estranhar o excesso de rigor cautelar em tudo que envolve a preservação da integridade dos visitantes. Por mais que deva ser evitada a ostentação de aparato bélico ou desnecessária perturbação na vida da população representada pelo fechamento de ruas, mudanças de mão de tráfego, cordões de isolamento, num evento da magnitude da Conferência Rio+20 eles fatalmente advirão. É diferente de recepcionar uma única autoridade estrangeira de risco mais baixo quando se pode bem explorar o sigilo e a descrição da segurança como um aliado mais vantajoso.
Para o cidadão comum é difícil compreender as razões dos profissionais encarregados de prover a segurança desses visitantes importantes. Quem dos nossos compatriotas imaginaria que, para assassinar o Presidente checheno Ahmad Kadyrov, os separatistas plantaram uma bomba sob a estrutura de concreto da tribuna presidencial de um estádio desportivo com mais de um ano de antecedência! No entendimento do público leigo a referência a esses e outros exemplos absolutamente reais só teria paralelo nos livros de Tom Clancy.
O bom profissional de segurança não pode confundir a boa sorte com as boas táticas. Em se tratando da proteção de dignitários, o fato de nenhuma adversidade ter ocorrido deverá estar associado ao bom planejamento da segurança, à sua execução disciplinada e escrupulosa, à colaboração da autoridade, ao emprego de armamento, equipamentos e recursos adequados, à excelência do treinamento dos agentes e não apenas ao fato de que atentados espetaculares não são coisas que costumam acontecer todo o dia, principalmente no Brasil. Os planejadores da segurança de um grande evento não podem fiar-se no dito de senso comum, de que somos um país pacífico, sem inimigos, que o nosso povo é ordeiro, tranquilo e de boa índole; eles não devem se preocupar com as regras, mas sim buscar acautelar-se contra as mais graves, violentas e às vezes imponderáveis exceções!
Poderíamos listar uma extensa relação de autoridades assassinadas, feridas ou sequestradas, mas, na verdade, é impossível apresentar estatísticas de ações desencorajadas pela existência de bons "esquemas de segurança". A própria atividade de segurança pessoal de autoridades, por excelência, só vem a merecer comentários quando se vê sobrepujada pela ação dos criminosos, loucos ou terroristas.
Como é próprio de qualquer atividade dessa magnitude, por certo ocorrerão erros, sobretudo na execução. Contudo, ao final da Conferência, o que importa é que todas as delegações possam retornar aos seus respectivos países em segurança; e nesse caso, ser motivo de pilhéria e receber críticas ácidas por um cuidado redobrado sempre será melhor do que assumir uma pecha de incompetência e chorar o leite derramado, do sacrifício daqueles a quem deveríamos salvaguardar. O saldo deve ser totalmente positivo, sem reveses, não importando nesse caso se nos referimos a proteção do Presidente de um país do G-8 ou do Rei de uma pequena ilha do Pacífico. Na missão de segurança jamais se deve contar com uma eventual boa sorte, a qual bem pode acabar sem aviso! Aqueles que planejam a execução de um atentado tem todo o tempo do mundo a seu favor e podem até tentar numa segunda chance... Aqueles que protegem, ao menos teoricamente, não poderão errar uma única vez!
Vinicius Domingues Cavalcante, é Diretor da
Associação Brasileira de Profissionais de Segurança – ABSEG
no Rio de Janeiro (www.abseg.com.br)
Recebido por correio eletrônico
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