domingo, 30 de maio de 2010

Crime Organizado na América do Sul - Sendero Luminoso e FARC

por Mariano Bartolomé
Buenos Aires, 26 de maio de 2010
É doloroso dizer mas na América Latina, ao mesmo tempo em que os bicentenários oferecem ocasiões propícias para reafirmar a vontade pacífica de nossos povos, a violência continua presente em toda sua geografia. Muitas das formas adotadas pela violência são novidades, porém outras tantas não são assim. Coexistem o velho e o novo, como se evidencia na Colômbia e no Peru.
Quanto ao caso colombiano, faz poucos dias um cidadão dessa nacionalidade de nome Esney Losada foi detido próximo à capital paraguaia por agentes antiterroristas locais, acusado de integrar a "Frente 15-Antonio Nariño" das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Segundo as versões difundidas pela imprensa guarani, é possível que Losada estivesse reunindo informações que permitissem o seqüestro extorsivo de um familiar do presidente da Confederação Sulamericana de Futebol.
Aproximadamente duas semanas antes, nas proximidades da cidade de Manaus, houve um fato similar que careceu de repercussão midiática: outra detenção de um cidadão colombiano, neste caso José Samuel Sánchez (vulgo "Martín Ávila" ou "Tatareto"), junto a sete brasileiros, com os quais integrava um bando criminoso que comercializava drogas com as FARC.
Segundo o jornal O Estado de São Paulo, as investigações desenvolvidas pela Polícia Federal brasileira a partir das mencionadas detenções haviam confirmado a existência de bases permanentes das FARC nas selvas setentrionais do país. O diário paulista assegurou, com base em documentos elaborados pelo serviço de inteligência da PF, que os insurgentes comercializam cocaína na região amazônica; com o dinheiro obtido, enviam à Colômbia armas, combustíveis, precursores químicos e diferentes equipamentos.
Cabe destacar que os rumores sobre a presença dos insurgentes na região amazônica não são absolutamente novos. Entre os que sustentam esta tese se encontra John Marulanda, especialista no conflito colombiano que chegou a sugerir a existência de vínculos entre as FARC e funcionários achegados ao presidente Luiz Inácio "Lula" da Silva, incluindo o próprio chanceler Celso Amorim. A propósito, a vontade do Palácio do Planalto indica vedar o uso do território nacional a qualquer tipo de ator estrangeiro, e nesse esforço se inscreve o incremento da presença militar no Amazonas.
Também com a mesma meta, o Brasil implementou mecanismos que permitem um importante fluxo de informação sensível com a Colômbia e vice-versa, cuja importância foi recentemente destacada pelo comandante das Forças Militares colombianas, general Freddy Padilla. Não obstante a existência desse canal permanente, a publicação da nota d'O Estado de São Paulo levou o governo da Colômbia a solicitar ao do Brasil que não permita que seu território seja uma "guarida" para as FARC. Em resposta a esse pedido Marco Aurélio Garcia, assessor para assuntos internacionais do presidente Lula, ratificou que seu governo deterá e eventualmente expulsará todo insurgente estrangeiro e assegurou que as Forças Armadas locais se encontram bem qualificadas para lidar com esse tipo de ameaças não convencionais.
Mais além de sua repercussão conjuntural, as detenções registradas em Assunção e Manaus voltaram a por sobre o tapete o tema da atual situação das FARC e, em particular, sua dispersão e apoios tanto em solo colombiano como no exterior. Ainda que é certo que a esta altura dos acontecimentos os apoios da insurgência dentro do próprio país são particularmente escassos, como se pode constatar nas pesquisas que iniciaram há dois anos a Fiscalía e a Corte Suprema de Justiça em relação à chamada "Farcpolítica", que afetaram apenas a quatro congressistas. Dentre eles se destaca a senadora oposicionista Piedad Córdoba, contra quem o Ministério Público efetuou acusações com base em sua menção em vários correios eletrônicos arquivados no computador do chefe guerrilheiro Raúl Reyes, abatido na controvertida "Operação Fênix"(1).
As acusações formuladas contra a legisladora pelo procurador geral Alejandro Ordóñez incluem a colaboração com o grupo guerrilheiro e o cometimento de atos tendentes à quebra da unidade nacional (traição à Pátria). A cooperação com as FARC incluiu a busca de fontes de financiamento e a manipulação de provas de vida de reféns da organização para favorecer a seus líderes e a governos de outros países. A referência da Procuradoria à erosão da unidade nacional, é certo, se sustenta em contínuos e reiterados chamamentos aos outros governos latino americanos a deslegitimar às autoridades eleitas colombianas e romper relações com a Casa de Nariño.
Um dado da máxima importância, no que se refere à estrutura de apoio das FARC dentro dos limites da Colômbia, é sua crescente vinculação em questões de narcotráfico com o fenômeno chamado "neoparamilitarismo", ainda que esse nome gere importantes desacordos(2). Em qualquer caso, a referência define os novos grupos criminosos que estão se estruturando em diferentes pontos da geografia nacional, e são integradas por ex-integrantes de nível médio das velhas Autodefesas. Estas alianças são tão preocupantes a ponto de serem explicitamente mencionadas pelo Escritório da Alta Comissão das Nações Unidas na Colômbia, em seu informe anual de 2009.
Nesse dossiê se vincula o reaparecimento de grupos armados ilegais com o parcial fracasso do processo de desmobilização de organizações paramilitares. Suas ações incluem narcotráfico, prostituição e tráfico de pessoas, extorsão, jogo clandestino e tráfico de armas; seus métodos incluem assassinatos, ameaças, deslocamento e violência sexual, e se focam não só em membros de outros grupos ou de organismos estatais, mas também latifundiários ou colaboradores.
A situação é diferente no que se refere ao campo externo, um terreno no qual no qual se verifica múltiplas vinculações dos insurgentes colombianos com diferentes atores estatais e não estatais, ainda que em forma recorrente as acusações apontem a Hugo Chaves. A última ocasião em que se manifestou o vínculo das FARC com o presidente venezuelano teve lugar em meados do passado mês de abril, quando o grupo guerrilheiro criticou o magistrado da Audiência Nacional espanhola Eloy Velasco, que acusou o líder bolivariano de facilitar e apoiar uma aliança entre esse grupo e o grupo terrorista basco ETA.
Afirma a cúpula das FARC em um escrito difundido pela Internet: "O inaudito ataque político e jurídico que o juiz espanhol Velasco lançou contra o governo da Venezuela é a continuação da guerra suja que o governo ultradireitista de Bogotá declarou à Revolução Bolivariana da Venezuela". Nessa mesma mensagem, a guerrilha acusou o governante colombiano Álvaro Uribe de atiçar o caso nos bastidores, movido por seu presumido ódio a Chavez(3).
Antes das acusações do juiz Velasco, o candidato presidencial colombiano pelo partido Cambio Radical, Germán Vargas Lleras, denunciou que muitos líderes das FARC se refugiavam no vizinho país, entre eles Timochenco, Bertulfo Álvarez e Grannobles. Ainda de acordo com Vargas Lleras, o Exército venezuelano guarda as instalações usadas pelas FARC nos estados de Táchira, Apure e Zulia; no caso zuliano, se inclui um acampamento onde os guerrilheiros colombianos treinariam centenas de integrantes das milícias bolivarianas em combate rural.
Os grupos venezuelanos treinados pelas FARC seriam pelo menos quatro, incluindo o autodenominado "Movimento Armado e Revolucionário para a Libertação Carapaica", que obteve notoriedade em janeiro passado quando seu líder, conhecido como "Murachi", concedeu várias entrevistas nas quais apareceu, mascarado e armado, no bairro "23 de Enero" de Caracas, local onde se moveriam com total liberdade centenas de militantes "carapaicas" instruidos em técnicas de combate pelos colombianos.
Além do Movimento Carapaica, dizem que as FARC treinam outros grupos, entre eles o Movimento 28 de Abril, as Forças Bolivarianas de Libertação e a Tropa Revolucionária Cubano-Venezuelana. De acordo com os informes de guerrilheiros desmobilizados e as informações dos computadores de Raúl Reyes, o treinamento proporcionado pelas FARC inclui manejo de explosivos, "operações urbanas" e treinamento com armas longas.
O outro caso que pretendemos analisar aqui é o do Peru. Na nação incaica recentemente se comemorou o trigésimo aniversário do grupo maoísta Sendero Luminoso (SL), pois em 17 de maio de 1980 se registrou sua primeira ação contra a comunidade campesina de Chuschi, no departamento de Ayacucho, consistindo na queima de atas de votação para as eleições municipais do dia seguinte. Esse ato, vale dizer, passou praticamente despercebido devido à euforia dos peruanos, que com os comícios daquele momento retornavam à democracia após doze anos de governo militar.
Lamentavelmente, os eventos que se seguiram romperam con essa indiferença e envolveram o Peru en uma espiral de violência. O professor de filosofia Abimael Guzmán (vulgo "Presidente Gonzalo"), fundador do SL, havia traçado como objetivo estratégico da organização construir a sangue e fogo uma "república popular de nova democracia" desde os escombros do "Estado burguês". O resultado foi um conflito armado sem precedentes que em duas décadas custou a vida a quase 70 mil pessoas, em sua maioria gente pobre que habitava em zonas remotas andinas, e causou perdas materiais superiores aos U$S 25 bilhões. Nessa época, os efetivos insurgentes chegaram a somar mais de 5 mil.
A captura de Guzmán em 1992 e sua posterior condenação à cadeia perpétua constituíram severas derrotas políticas que debilitaram gradualmente o SL, já que com ele foi caindo todo seu estado maior. Um ano depois, desde a prisão, o líder terrorista propôs um acordo de paz ao governo de Alberto Fujimori e finalmente depôs as armas.
Hoje, o SL se mantém oficialmente vigente, ainda que como guerrilha esteja reduzido a ações esporádicas em zonas isoladas, muito longe de seu antigo poder de intimidação. Ao mesmo tempo, no campesinato provoca uma indiferença quase total. Qual é, então, a lógica de sua atuação? A resposta é simples: o tráfico de drogas. Há aproximadamente uma década, remanescentes senderistas na zona do Vale dos Rios Apurimac e Ene (VRAE) começaram a vincular-se com o narcotráfico proporcionando segurança ao tráfico de drogas; hoje participam em todo o ciclo desta atividade: o cultivo, seu processamento e transporte fora da zona através dos chamados "mochileiros".
De acordo com especialistas oficiais, os guerrilheiros nessa região selvática não superam os 150 efetivos e carecem de capacidade ofensiva de significação. Sem dúvida, a designação de importantes recursos humanos e materiais para o controle dessa ameaça, por parte do governo, contradiz essa versão. De fato, a visita oficial que Lula realizou ao Peru em dezembro foi propícia para que o anfitrião expressasse seu interesse em adquirir uma dúzia de aviões brasileiros de combate Super Tucano A-29 (três ou quatro deles com urgência), para empregar contra o SL no VRAE.
Esta vertente senderista contaminada pela criminalidade está sob o comando de um guerrilheiro conhecido como "José", sucessor do mítico líder insurgente "Feliciano". Este se chamava na realidade Alberto Rodriguez Durand e era o máximo chefe da organização no VRAE nos anos 90. Em outubro de 1993 se opôs ao cessar fogo oferecido por Guzmán e constituiu a corrente "Prosseguir" que tentou seguir a luta armada até sua detenção em 1998. Seus sucessores começaram os contatos com os cartéis do narcotráfico.
Atualmente, na linha oposta a "José" encontramos uma ala política do senderismo liderada por "Artêmio", seguidor do fundador do grupo e propenso a infiltrar-se em organizações sociais, como sindicatos, e participar nas próximas eleições nacionais de 2011. De acordo com o ministro do Interior, Octavio Salazar, "Artêmio manifesta a vontade de penetrar nas organizações do Estado através das eleições em municípios e governos regionais. Essa é sua estratégia e não podemos perdê-lo de vista".
A ideia do grupo é lançar-se com uma estratégia que privilegie a ação política sobre a violência armada, tratando de apagar a imagem de terror que semeou no passado, e nesse sentido contaria com o aval de seu fundador: no ano passado seus advogados disseram que ele havia dado luz verde desde a prisão para que seus simpatizantes participem de processos eleitorais. Mais ainda, o advogado Alfredo Crespo disse em uma conferência de imprensa que o partido político poderia chamar-se Movimento por Anistia e Direitos Fundamentais e que buscaria a anistia de todos os presos políticos no país. Crespo acrescentou que outras metas dessa força seriam a implantação de uma nova constituição política e a luta contra a política neoliberal.
Sem dúvida, o governo do presidente Alan García poderia bloquear essa ação dos senderistas, enfatizando dois elementos: por um lado, a inexistência em um regime democrático de presos políticos; por outro lado, a não autorização da figura de anistia, à luz do dano gerado pelo SL em toda sua sangrenta trajetória.
Faz poucos dias, o enfrentamento entre Artemio e José foi exposto à cidadania peruana em toda sua dimensão. Na cidade ayacuchana de Huamanga os seguidores do primeiro desses líderes distribuíram panfletos fabricados de forma artesanal, nos quais se reivindicam como seguidores do marxismo-leninismo e acusam de narcotraficante ao outro chefe, chamando-lhe "vendepátria".
Ainda que nesses panfletos não constassem chamados explícitos ao emprego da violência nem à realização de ações terroristas, o Poder Executivo peruano se mantém cauteloso e em expectativa sobre esse ponto. De fato, Rafael Rey, ministro da Defesa, revelou recentemente que recebeu ameaças de morte da organização. Além disso, devido à existência de rumores de atentados no momento de cumprir-se o aniversário do SL, foi decretado o Estado de Emergência por 60 dias nos departamentos de Huánuco, Ucayali e San Martín (zonas de importante atividade narcoterrorista). Nessa situação se suspendem os direitos constitucionais, a liberdade e segurança pessoais, a inviolabilidade de domicílio e a liberdade de reunião. De acordo com o texto publicado no boletim oficial El Peruano, a medida é uma resposta ao fato de que havia "ocorrido atos contrários à ordem interna que afetam o normal desenvolvimento das atividades da população" nos últimos dias, ainda que tais atos não foram especificados.
Em definitivo, este resumo da situação que atravessam nesta época os grupos FARC e SL proporciona duas conclusões significativas. A primeira delas se refere à organização colombiana: tanto seu desdobramento como os apoios que registra nos âmbitos interno e externo mostram que, contrariamente ao que alardeava o Poder Executivo em meados do ano 2008 (após a morte de Tirofijo, o abatimento de Raúl Reyes e Iván Márquez, a deserção da chefe feminina "Karina" e a libertação de In grid Betancourt e outros sequestrados), ainda é prematuro falar de sua derrota definitiva.
A segunda conclusão se vincula com a fisionomia que adotará o Sendero daqui em diante. Na evolução das agrupações insurgentes nos países democráticos existe um momento crucial no qual sua evolução se apresenta nos termos dicotômicos que encarnam Artemio e José: por um lado, uma atuação dentro do sistema legal, baseado em uma plataforma política suscetível de captar uma massa de votos; por outro, uma opção pelos dinheiros sujos da criminalidade. O tempo nos dirá qual é o desenlace dessa pugna de transcendência histórica, pois ele também pode influir no desenlace do conflito colombiano.
Mariano Bartolomé é Graduado e Doutor em Relações Internacionais, especializado em Segurança Internacional.
E-mail: marianobartolome@yahoo.com.ar
(1) Os outros três congressistas são Jorge Robledo, Gloria Inés Ramírez e Wilson Borja.
(2) A ONU considera inadequado que toda nova criminalidade colombiana seja catalogada como neoparamilitarismo, a reedição dos paramilitares ou a continuidade disto. O argumento que dá é que "não há homogeneidade na conformação, propósitos, métodos e atividades destes grupos; é possível encontrar estruturas militares ou quase militares, mafiosas, sicariais e diversidade de propósitos: extorsão, território, comercio minorista de drogas ilícitas, narcotráfico, redes de prostituição, entre outros. Se trata de não qualificar de paramilitares a toda banda delinqüencial organizada na Colombia; isto não nega as exigencias para castigar a quem descumprem os compromisos do processo de desmobilização, nem a intensidade com que ha que combater a delinquencia".

(3) No começo do mês de março, Eloy Velasco solicitou la detenção de uma dúzia de presumíveis membros das FARC e do ETA por sua suposta colaboração e a intenção de assassinato, na Espanha, de personalidades colombianas, incluindo o próprio Uribe. No auto de detenção, se consigna que ambas organizações havíam contado com cooperacção governamental venezuelana. O governo venezuelano rechaçou a acusação e assegurou através do chanceler Nicolás Maduro que Velasco está associado ao ex presidente espanhol José María Aznar, a quem Chávez acusa de haver apoiado o golpe de Estado do ano 2002.
Fonte: tradução livre de texto
de Mundo RI


Nenhum comentário: