quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Carnaval de Ilegalidades

por Paulo Brossard (*)
Dizem alguns que, passado o Carnaval, começa o ano; se verdadeira a norma afinal o ano começou e é natural que me pergunte como ele se apresenta. A meu juízo, a dominante dos últimos tempos tem sido a ilegalidade. A despeito da preocupação constitucional em assegurar o estado democrático de direito, o inço da ilegalidade com fortes traços de autoritarismo é ostensivo. Limitar-me-ei a três faces do fenômeno.
Começo pelo que envolve a mais graúda autoridade da República, seu presidente, cujo procedimento é gerador de outras condutas, para o bem ou para o mal, conforme o exemplo bom ou mau. Não há quem não saiba que, embora haja individualidades lembradas quando se trata de candidatos, a efetiva escolha deles é fixada em lei e mediante obrigatória designação por convenção partidária. No entanto, ainda que a lei seja expressa e estabeleça sanção em caso de violação, não há quem não tenha visto e continue a ver o presidente da República substituir-se à convenção de seu partido e nomear ele quem quis fosse o candidato. Ocorreu então o que acontecia no período autoritário, mas nem sempre, saliente-se. Em outras palavras, a preferência do presidente, solitário e inquestionável, sem uma voz divergente, se impõe à coletividade partidária, ainda que a aceitação tenha sido muda, calada e submissa. A voz do numeroso partido do presidente, embora sulcado por não sei quantas facções, lembra a conduta histórica da extinta Arena. A partir daí o presidente de convencionário solitário e unipessoal, passou a ser o promotor de sua candidata e, dia a dia, tem pintado e bordado a respeito, por meio da mais ampla publicidade.
No momento em que escrevo, um dos nossos mais antigos e prestigiados jornais estampa entrevista em que o presidente afiança ao tabaréu embasbacado que a escolhida “é para dois mandatos”, ou seja, será eleita e reeleita! Tudo isso é ilegal e a ilegalidade praticada coram populo pelo primeiro magistrado da nação e... nada acontece.
Fico por aqui, embora muito houvesse a dizer, e passo a outro aspecto da onda de ilegalidades. Novamente, o presidente é seu personagem principal. Embora não tenha lido o Decreto 7.037, assinou-o e o inseriu nas páginas do Diário Oficial, referendado por 28 ministros de Estado, com um “Anexo” de mais de 90 páginas. É uma chorumela que, sob o título falso de “direitos humanos”, é uma versão da “doutrina bolivariana”. Como tal é refinada obra d’arte. Estou em dizer que nele há uma lacuna: não há um lugar reservado ao coronel Chávez. O plano serve para tudo, inclusive para convulsionar o país. Em ano eleitoral, pode ser útil.
Em terceiro lugar, a despeito da tábua de direitos e garantias pessoais, nunca se viu tamanha devassa na vida das pessoas por parte da Polícia Federal, segundo se diz, autorizada pela Justiça. A mim parece que é pouco valer-se o poder público dessa comodidade para fazer o que entende. Lembraria, desde logo, que a Justiça tem vários nomes e muitos endereços, e não seria demais dizer qual o órgão do Poder Judiciário que autorizou a devassa e em que termos. Isto porque se tornou regra instaurar um inquérito, sigiloso, especialmente para o investigado, e a partir daí, cronometricamente, ocorrem “vazamentos” para a imprensa. Isto me parece da mais extrema gravidade, uma vez que anula, de fato, garantias constitucionais expressas. Não se diz, por exemplo, quando essas supostas investigações começaram, se em curso, arquivadas ou remetidas a que autoridade, para que finalidade e desde quando. Seria gratuito ou remunerado? Por ora, fico por aqui. Mas o caso já atingiu as proporções do escândalo. Ao inquérito sigiloso segue-se o vazamento. Este também seria autorizado pelo Poder Judiciário ou ficaria ao alto critério da polícia secreta?
(*) Jurista, ministro aposentado do STF
COMENTÁRIO do Jornalista Políbio Braga: Para refletir sobre um tópico do artigo do dr. Brossard: "Vazar" para o público matéria que está sob sigilo judicial é um ilícito. Quantos "vazamentos" foram feitos ao tempo do ministro Tarso no Ministério da Justiça? Quantos inquéritos ou procedimentos administrativos foram instaurados para apurar quem foram os responsáveis pelo ilícito? Juridicamente, quem não apura, pratica ato omissivo e isto é prevaricação.

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