quinta-feira, 25 de junho de 2009

Lula e o Homem Comum

por Ruth de Aquino
Foi a maior gafe de Lula desde que caiu nos braços do povo, em 1º de janeiro de 2003. Mesmo quem não votou nele se emocionou quando um homem comum chegou à Presidência pelo voto democrático e limpo.
Na semana passada, Lula disse que o senador José Sarney “não pode ser tratado como se fosse uma pessoa comum”.
Lula foi sincero. Amaciado pelo poder, envaidecido pelas lisonjas e pela popularidade, ele acredita que uns são mais iguais que outros. E leva o pragmatismo político às últimas conseqüências.
Lula nasceu em Pernambuco de uma família de oito filhos. Morou com a mãe, Eurídice, e irmãos num cômodo atrás de um bar em São Paulo. Trabalhou como engraxate e Office-boy. Fez curso técnico de torneiro mecânico, perdeu um dedo numa prensa hidráulica.
Em São Bernardo, tornou-se diretor do sindicato dos metalúrgicos. Testava seu carisma. Tentou cinco vezes a eleição para presidente. Uma história impressionante de persistência e sucesso.
Sempre disse o que pensava. Em 1986, chamou Sarney de “grileiro do Maranhão”. Em 1987, chamou Sarney de “ladrão” — perto dele, Maluf não passaria de “um trombadinha”. Em 1993, disse que, “de todos os deputados no Congresso, pelo menos 300 são picaretas”.
Agora, Lula depende da bancada do PMDB, a maior do Senado. Em terras remotas, no Cazaquistão, defendeu Sarney e o colocou num pedestal. O que seria hoje, em 2009, um homem comum para Lula? De que princípios, de que vísceras ele seria constituído?
Um dos fundamentos da democracia é que os governantes sejam vistos e cobrados como homens comuns. Qual seria o tratamento ideal para os poderosos no Brasil de Lula?
Espera-se de um presidente do Senado a mesma dignidade e retidão de caráter de um chefe de família comum? Como é punido o homem comum que cai no desvio? Como deve ser punido o político “com história suficiente para não ser tratado como uma pessoa comum”?
Que valores o líder transmite para o povo, com um discurso que trai sua própria história? Lula é hoje parte da elite que sempre criticou com ferocidade. Natural.
A elite não é má por definição, já descobriu o presidente. Mas, por isso, ele se solidariza com figuras como Renan Calheiros, Severino Cavalcanti, Jader Barbalho?
De vez em quando, Lula incorpora o sindicalista (lá fora) e critica os ricos e poderosos, em surtos de demagogia atabalhoada. Diante do premiê britânico, Gordon Brown, disse que “a crise foi causada por gente branca com olhos azuis”. Pegou mal.
Amaciado pelo poder, ele acredita que uns são mais iguais que os outros. E, pragmático, defende Sarney Foram mudanças profundas em seis anos.
É saudável mudar com o aprendizado. Ao assumir a Presidência, Lula deixou a economia do país a cargo de quem entendia do assunto. Seu pragmatismo econômico manteve o Brasil nos trilhos.
Mas, e os valores essenciais? Direitos humanos, por exemplo. Como explicar sua insistência em dizer que há democracia de sobra na Venezuela censora de Chávez? Como aceitar a omissão do Brasil em relação a uma ditadura como a da Coréia do Norte? Toma lá dá cá?
O outro deslize da semana foi a reação primária e açodada de Lula aos protestos nas eleições no Irã. Além de defender o embaraçoso presidente Mahmoud Ahmadinejad, Lula minimizou a revolta contra a teocracia dos aiatolás chamando os manifestantes de “vascaínos contra flamenguistas”, uma turma que não sabe perder.
Lula aproveitou para atacar a imprensa brasileira, por, a cada dia, “arrumar uma vírgula a mais” no “denuncismo” contra o Congresso. Como se fosse um vírus denunciar malversação de verba pública, nepotismo, favorecimento ilícito, farra de passagens aéreas e atos secretos no Congresso.
“Não tem fim, e depois não acontece nada”, disse Lula, como se o problema fossem as denúncias, e não a impunidade. “Vai desmoralizando todo mundo, e a imprensa corre o risco de ser desacreditada.”
Senhor presidente, a imprensa só fica desacreditada se as denúncias forem mentirosas. Ou se ela se omitir e fizer o jogo do poder. Uma imprensa medrosa e submissa ao governo — não importa o partido dominante — é uma imprensa sem credibilidade. Não faz jus a uma democracia madura como a brasileira.
Ou a transparência só vale para o homem comum??
Ruth de Aquino é diretora da
ÉPOCA no Rio de Janeiro

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